Adam Sandler é, para muitos, apenas um adulto “totó” que desempenha sempre o mesmo tipo de papéis: protagonistas hilariantes e extremamente azarados, mas sem grandes nuances. No entanto, o ator já mostrou a sua versatilidade em produções como “Uncut Gems” ou “O Astronauta“, que estreou esta sexta-feira, 1 de março, na Netflix.
A longa-metragem mistura drama com ficção científica e é inspirada em “Spaceman Of Bohemia”, livro do checo Jaroslav Kalfař publicado em 2017.
A trama acompanha Jakub, um astronauta que recebe conselhos de um extraterrestre. A criatura responde pelo nome Hanuš, é parecida com uma aranha, e tem uma voz tão assustadora quanto reconfortante. O seu objetivo, esse, é simples: salvar o casamento do protagonista.
“Seis meses após o início de uma missão de investigação solitária nos confins do sistema solar, o astronauta Jakub percebe que o casamento que deixou para trás pode não estar à sua espera quando regressar à Terra”, pode ler-se na sinopse.
Desesperado para resolver as coisas com a mulher, Lenka, o protagonista é então ajudado pela criatura que encontra escondida nas entranhas da nave onde viaja. Hanuš trabalha com Jakub para perceber o que correu mal antes que seja demasiado tarde.
“O Astronauta” foi escrito por Colby Day e realizado por Johan Renck — o sueco que inicialmente era conhecido no mundo da publicidade e da música, antes do sucesso da minissérie “Chernobyl”, por ele criada em 2019.
Na carreira do ator, podemos dizer que este é um filme-surpresa. Afinal, todos estão habituados a vê-lo a encarnar personagens menos sérias e, na verdade, muito unilaterais — embora tenha havido algumas exceções esporádicas.
O papel exigiu uma preparação especial. A personagem de Sandler passa muito tempo em gravidade zero e, por isso, teve de treinar quase todos os dias durante longas semanas. “Tenho um corpo desastrado. Não foi fácil, de todo”, contou ao site “MovieWeb”.
Quando recebeu o convite e soube que a obra seria realizada por Johan Renck, ficou imediatamente com vontade de aceitar o trabalho. “Ele é muito fixe. Já adorava ‘Chernobyl’, mas quando soube que ele fez alguns vídeos do David Bowie, fiquei ainda mais fascinado. Quando me mostrou o guião, vi que era uma história devastadora e que falava sobre como certas escolhas nos podem fazer sentir isolados do resto do mundo. Isso mexeu comigo”, comenta.
O acordo multimilionário com a Netflix
O filme é o 13.º produto da colaboração da plataforma de streaming e o ator de 57 anos. Em 2014 assinaram um acordo de 250 milhões de dólares (cerca de 230 milhões de euros) que prevê a criação de várias produções protagonizadas por Adam.
Após terem sido lançados vários sucessos, como “Sandy Wexler”, a parceria foi reforçada em 2017. Entretanto, deu origem a um dos maiores êxitos da carreira de Sandler: “Murder Mystery”. Aqui, aparece ao lado de Jennifer Aniston, de “Friends”, e em 2019, ano em que foi lançado, foi a longa-metragem mais vista da Netflix.
Fazia todo o sentido que o serviço quisesse apostar no talento do ator. Afinal, ao longo da sua carreira foi a estrela de diversos sucessos do cinema, como “Grown Ups”, “Pixels”, “Click” e “Engana-me Que Eu Gosto”. Juntos, arrecadaram mais de mil milhões de euros nas bilheteiras — isto apenas nos EUA. Ao longo de 30 anos, já fez mais de dez mil milhões de euros com as suas obras.
De comédias a produções infantis, o também empresário está sempre a apresentar novas ideias a Hollywood. Graças ao acordo com a Netflix, passou a investir muito do seu tempo em novidades pensadas especialmente para o serviço.
“Quer o conheçam como Sandman, Billy Madison, Happy Gilmore, Nick Spitz ou apenas Adam, uma coisa é clara: os nossos subscritores não se conseguem fartar dele”, disse Ted Sarandos, chefe de conteúdo da empresa, num comunicado em janeiro de 2020.
Naquele mesmo ano, a gigante do entretenimento revelou que, desde 2015, os subscritores tinham passado mais de duas mil milhões de horas a assistir a conteúdos protagonizado pelo ator.
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Como a mulher gere a sua carreira
Muitas destas produções originais tiveram mão de Jackie Sandler, com quem casou a 22 de junho de 2003. Antes, o seu apelido era Titone, e o seu grande sonho era ser uma estrela de cinema. Conseguiu um diminuto papel numa comédia chamada “Big Daddy” e foi assim que conheceu o agora marido.
No guião, coube a Jackie o papel de funcionária do bar que Sandler visita na companhia do filho adotivo. “Faz hoje 22 anos que os nossos olhares se fixaram um no outro e apaixonámos-nos”, recordou o ator em 2020.
O par acabou por se conhecer durante as gravações e dar início a uma relação. Foi também uma oportunidade para Titone saltitar de comédia em comédia e, pelo caminho, fazer companhia a Sandler em filmes como “Little Nicky” ou “50 First Dates”, sempre em papéis secundários, mas também em filmes de Kevin James e Rob Schneider.
Cinco anos após o primeiro encontro, a atriz de 47 anos mudou de religião por Sandler. Cristã, converteu-se ao judaísmo e casaram-se em 2003, num casamento que, contrariamente à tradição de Hollywood, se mantém firme.
Menos firme tem sido a carreira como atriz, que apesar de a ter elevado, mais recentemente, a papéis com maior destaque, nunca fez dela uma atriz reconhecida na indústria. Contudo, o papel nos bastidores é mais do que meramente passivo, conforme explica Sandler.
Regularmente emparelhado com Drew Barrymore em cenas românticas, garante que nunca se sentem intimidados, mesmo quando Jackie está a poucos metros de distância, atrás das câmaras. Pelo contrário.
“A minha mulher gosta tanto da Drew que está sempre a incentivar-me. Não há ciúmes. Diz-me ‘vai-te a ela’”, revelou em entrevista a Ellen Degeneres.
Barrymore e Sandler fizeram par romântico em “50 First Dates” e foi durante uma das cenas que Jackie mostrou ao que ia. “Estávamos num encontro romântico em África e achava que me estava a sair bem, a ser o mais romântico possível. Acabou a cena, passei à frente a pensar que me tinha safado e vi a Jackie a abanar a cabeça. ‘Por favor, em nome de todas as mulheres, volta para ali e faz de conta que estás um bocadinho mais vivo’, disse-me.”
Os incentivos da mulher voltaram a ser tema em 2019, depois de Sandler ter que protagonizar cenas românticas com Jennifer Aniston em “Murder Mystery” — filme onde Jackie volta a ter um pequeno papel de assistente de bordo. “A parte mais estranha [de partilhar o set com ela] é o de a ter lá [nas cenas românticas] a gritar: ‘Vai, com mais força. Beija-a com mais força.’”
Sobre o segredo de manter a união estável, Sandler revela: “Se sinto aquela energia do ‘já não te consigo aturar, Adam’, convido-a para irmos a qualquer lado comer e conversar. E ouço-a sobre tudo o que ela tem para dizer”, explica. O casal tem dois filhos, Sadie de 17 anos e Sunny de 15.
“Agora, sim, percebo o que os meus pais queriam dizer quando me aconselhavam a ‘estar bem e seguro’ e a certificar-me de que ‘toda a família estava bem’. Isso é o mais importante, ter a certeza de que todos estão bem. Se a família tem problemas, tu tens problemas.”
Embora Adam tenha o monopólio familiar da atividade cinematográfica, garante que quase tudo passa pelas mãos de Jackie. Sobretudo a mais recente transformação.
Quase sempre associado a papéis cómicos e disparatados, o talento de Sandler tem sido quase sempre diminuído pela crítica. Sobressaem, contudo, pequenos vislumbres da sua capacidade em “Punch-Drunk Love” de Paul Thomas Anderson ou “The Meyerowitz Stories” de Noah Baumbach.
Foi preciso esperar por 2019 para a crítica se render finalmente a Sandler. Em “Uncut Gems”, dos irmãos Safdie, Sandler é o improvável protagonista de um drama/thriller onde interpreta Howard Ratner, um viciado em apostas que se mete constantemente em sarilhos. Assim que deita as mãos a uma valiosa pedra preciosa, a ganância incontrolável arrasta-o para uma espiral de problemas.
Num filme absolutamente estonteante (e stressante), Sandler toma muito bem conta de si. De tal forma que os críticos não tiveram dúvidas em elevá-la à melhor performance da carreira do ator. E se, dado o contexto, isso poderia não ser um grande elogio, “Uncut Gems” esgravatou um lugar na maioria das listas de melhores filmes do ano — e chegou mesmo a falar-se de nomeações aos Óscares, que acabariam por não chegar.
Curiosamente, nem Sandler acreditava na sua capacidade para brilhar no papel principal. “Li o guião, adorei o filme, mas estava aterrorizado”, explicou sobre o receio de não ser capaz de fazer justiça ao papel dramático.
“Falei com a Jackie sobre isso, ela leu-o e convenceu-me”, recorda. “Fazemos isto juntos, sempre. Discutimos o que vou fazer e ela dá-me coragem e força para avançar. Foi ela que me disse que tinha de fazer este filme.”
Carregue na galeria para conhecer as séries (e regressos) que chegam em março às plataformas de streaming e à televisão.