Cinema

O nepotismo e o sonho do cinema. Vem aí o primeiro filme da filha de Steven Spielberg

Destry Allyn sonhava com a equitação. Deixou tudo para fazer a primeira longa-metragem, apesar de ser alvo de (muitas) críticas.

Quando o seu segundo projeto como realizadora foi anunciado — a segunda curta-metragem —, as redes sociais agitaram-se. Com o surgimento do debate sobre o nepotismo em Hollywood, os dedos acusadores eram praticamente inevitáveis.

É que Destry Allyn, de 26 anos, carrega um apelido de peso: Spielberg. O seu pai é um dos mais célebres cineastas da história do cinema e, apesar disso, nem sempre foi claro que a jovem nascida em 1996 — é uma de três filhos do realizador com a atriz Kate Capshaw — quisesse seguir as suas pisadas.

Ainda ensaiou uma incursão no mundo da moda, quando em 2016 se alistou numa agência que representava muitos outros jovens filhos de celebridades. Certo é que, três anos depois, fazia nascer “Rosie”, o seu primeiro trabalho como realizadora. Além da curta-metragem, Destry já havia feito alguns (poucos) trabalhos como atriz, com maior destaque para a curtíssima aparição em “Licorice Pizza”, o filme de 2021 de Paul Thomas Anderson.

“Hollywood é uma meritocracia, certo?”, atirou ironicamente no Twitter Franklin Leonard, editor da “Vanity Fair”. Entre as fotos de vários filhos e filhas de cineastas e atores estava a de Destry Spielberg, que não se deixou ficar. “As pessoas podem falar de nepotismo, mas no fundo eu sei o quanto trabalhei no duro para chegar aqui. Não foi fácil”, respondeu na discussão que decorreu no verão de 2021. O tweet polémico acabaria por ser apagado pela própria.

“Sou apenas uma jovem mulher que aspira a ser cineasta e que admira a arte”, começou por referir. “Reconheço que nasci com imensos privilégios. Assumo isso claramente. Mas faço com que a minha missão passe também por trazer novo talento à indústria, dar oportunidades a artistas de todos os contextos. Ninguém deve ser excluído por causa da falta de ligações e conhecimentos.”

Por essa altura, já Destry enfrentava uma imensidão de críticos. “Foi por isso que escolheste [para a curta-metragem] o Hopper Penn [filho de Sean Penn e Robin Wright]?”, atirou um dos utilizadores. Leonard voltou também ao ataque, apontando que, apesar de se tratar de uma curta-metragem de uma jovem inexperiente, ainda assim ela foi noticiada por um dos maiores meios de comunicação social ligados ao cinema.

Apesar de ter apagado as suas respostas, a filha de Steven Spielberg voltou ao tema no seu Instagram. “Independentemente de seres quem és, isto é [um trabalho] lixado. Não são os meus pais que me dão trabalho”, explicou.

Questionada sobre como era ser uma realizadora, a jovem alongou-se nas explicações. “Sinto que as pessoas não percebem que este não foi o meu primeiro trabalho como realizadora, foi apenas o primeiro que foi publicitado.”

Sobre os filmes dos pais, justificou que, quando participou neles, foi sempre como assistente de produção, uma tarefa que considera “muito importante”. Terá tentado, segundo a própria, trabalhar como atriz e modelo e confessa ter, a certa altura, evitado dar o seu apelido. “Isso não era relevante. As pessoas descobriam sempre. A conversa inicial começava sempre pela referência ao facto de eu ser ‘a filha do Steven Spielberg’. Percebi que era impossível fugir a isso.”

“Eu bem tentei, fiz castings, inscrevi-me na escola, estudei, mas nada acontecia”, recorda. Foi precisamente isso que a levou a decidir fazer o seu próprio filme e alistar-se como atriz no seu trabalho. “Já não sabia o que fazer e não estava disposta a ficar à espera que alguém me desse uma chance. Disse que se conseguisse arranjar pessoas que quisessem fazer um filme comigo, iria fazê-lo.”

Estreou-se em 2019 com a curta-metragem “Rosie”, um trabalho que, diz, nunca foi revelado aos pais até ao final da fase de edição. Acabaria por surgir num ou noutro festival de curtas, mas não lhe deu a visibilidade que pretendia. “A imprensa não ligou muito e isso não tem qualquer problema, acontece. O nome não faz tudo por ti.”

A carreira como modelo ficou para trás. Tal como a equitação, uma das suas grandes paixões, que largou após um acidente. O sonho dos Jogos Olímpicos teria que ficar posto de parte.

Apesar de ser uma Spielberg, Destry assume que sofre de falta de autoconfiança como qualquer outro ator ou atriz. “Comecei a não me sentir bem [ao fim de ouvir tantas negas]. Não me sentia magra o suficiente, não me sentia isto ou aquilo. Sabia que estava sujeita à opinião de outros. Mas adoro o que faço e é isto que vou fazer.”

A verdade é que três anos depois, e já com duas curtas-metragens lançadas, Destry tem finalmente a sua grande rampa de lançamento: o cargo de realizadora de uma longa-metragem. O anúncio foi feito em dezembro pelo “Deadline”, que confirmou a escolha da jovem para comandar as gravações de “Four Assassins (And a Funeral)”, um filme que é descrito como uma espécie de “cruzamento entre ‘Knives Out’ e ‘Succession’”.

Segundo a revista, a oportunidade surgiu após a boa receção da curta “Let Me Go: The Right Way”, escrita por Owen King e interpretada por Hopper Penn e Brian D’Arcy James. “Vimos a curta dela e ficámos impressionados. Depois de uma reunião com ela e de nos ter dito que gostava de fazer um filme de ação, procurámos e encontrámos algo excitante”, explica Erica Lee, da produtora do seu próximo filme.

As críticas de nepotismo reacenderam-se e desta vez foi o seu pai que foi confrontado com a oportunidade dada à filha. “Estou super entusiasmado com isso”, afirmou, antes de explicar que o convite surgiu após o sucesso da curta que foi exibida no festival de cinema de Tribeca. “Ela foi contratada com base nessa curta-metragem. Ela fez um filme maravilhoso, que eu adorei, e os produtores de John Wick decidiram dar-lhe um filme — e com um orçamento respeitável. É entusiasmante para toda a família.”

Questionado sobre se Destry passava a vida nos seus sets, o realizador respondeu. “Durante a maior parte da sua vida, ela viveu apaixonada pelas artes equestres. Era uma atleta fantástica e desde os três anos que tinha cavalos. Todos achávamos que sabíamos onde é que ela ia parar, aos Olímpicos da Juventude, que iria fazer o que fez a Jessica Springsteen, filha do Bruce, e fazer disso carreira.”

A paixão acabaria por se virar para o cinema e Destry foi mesmo uma das assistentes num dos seus mais recentes filmes, “West Side Story”. “Ela estava no set todos os dias, era algo que ela gostava mesmo de fazer. Outra coisa que ela fazia muito bem era fotografia, as composições a preto e branco”, acrescentou. Ainda assim, nota que todos os seus filhos “estão, de uma maneira ou de outra, ligados às artes”.

Entretanto, Destry continua a trabalhar no seu primeiro grande filme, que conta a história da filha adotiva de um famoso assassino que regressa a casa para o seu funeral. É aí que percebe que também ela se tornou no alvo dos seus quatro irmãos, também eles assassinos profissionais. Especula-se que, dado o tema, a produtora — que é a criadora da saga de John Wick — possa estar interessada em combinar os dois universos mais lá para a frente. Por enquanto ainda não há qualquer data possível para a chegada do filme aos cinemas; sabe-se apenas que a produção está agendada para o primeiro semestre de 2023.

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