É no nordeste de Inglaterra que fica Great Yarmouth, uma cidade balnear que, ao longo dos anos, passou a acolher uma significativa comunidade emigrante portuguesa — sobretudo para trabalhar numa fábrica local de transformação animal.
Este fenómeno está no centro de “Great Yarmouth: Provisional Figures”, o novo filme do aclamado cineasta português Marco Martins, que chega às salas nacionais esta quinta-feira, 16 de março. Beatriz Batarda é a atriz principal, sendo que o elenco inclui ainda nomes como Nuno Lopes, Rita Cabaço ou Kris Hitchen.
“O filme surge em consequência da peça ‘Provisional Figures’. É uma co-produção com o British Film Institute e com França, sobre a comunidade portuguesa emigrada na cidade de Great Yarmouth”, explicou Marco Martins à NiT numa entrevista publicada no ano passado.
“A cidade foi sendo abandonada ao longo dos anos e tornou-se quase numa cidade fantasma. As pessoas passaram a ter mais dinheiro para viajar e, sobretudo em Inglaterra, os voos low cost para Espanha ou Portugal são extremamente baratos e ninguém quer ficar naquelas praias do nordeste”, acrescenta.
“Como a cidade tinha uma capacidade muito grande de instalação de pessoas — porque tinha muitos hotéis e trailer parks — e havia uma fábrica de transformação animal, sobretudo perus (muito consumidos em Inglaterra) — muitas deslocaram-se para ali. E os hotéis são aproveitados para instalar os emigrantes portugueses que trabalham nessa região. O filme é isso, é sobre uma mulher que é uma facilitadora da relação dos emigrantes entre o hotel e a fábrica.”
“Great Yarmouth: Provisional Figures”, que foi escrito por Marco Martins com Ricardo Adolfo, passa-se em outubro de 2019, três meses antes do Brexit. Foca-se nestes trabalhos duros que ninguém deseja — mas que os portugueses fazem. Beatriz Batarda interpreta Tânia, que já trabalhou na fábrica mas conseguiu subir na vida, também por ter casado com um britânico proprietário de alguns hotéis.
Tânia sonha em obter a nacionalidade britânica e deixar aquele mundo decadente e sujo para trás. Acredita que poderia transformar os hotéis do marido em casas remodeladas para idosos. Mas a chegada da mais recente vaga de emigrantes, que ali estão para a temporada do Natal, desencadeia uma série de acontecimentos que a irão abalar.
O filme estreou em setembro no prestigiado festival de San Sebastián, em Espanha, e desde então passou por outros eventos cinematográficos do género. Tem sido elogiado pela crítica internacional.
“Num ensaio arrepiante de realismo social duro, com uma reviravolta expressionista de pesadelo, o filme é descomprometidamente sombrio e executado de forma ousada. Tem uma anti-heroína memorável interpretada de forma soberba por Beatriz Batarda”, escreveu o “Screen Daily”.
Já no “Deadline” pode ler-se: “É duro mas cativante, filmado de forma artística pelo diretor de fotografia João Ribeiro e interpretado de maneira bonita por Batarda, cuja personagem é sempre fascinante, seja quando está a lidar com um trabalhador doente ou quando canta ‘Promise Me’ de Beverly Craven numa cena de karaoke/sedução. Essa canção é uma das muitas coisas que vão perdurar na sua cabeça muito tempo após ver o filme”.