Os nomeados aos Óscares de 2022 foram divulgados esta semana. Entre todos os filmes que estão a concorrer a estatuetas douradas, há um que se destaca: “O Poder do Cão” está na linha da frente, com umas impressionantes 12 nomeações. Não é uma surpresa que o filme de Jane Campion seja um dos principais favoritos, tendo em conta todo o burburinho e promoção que tem havido em seu redor. Porém, é possível que uma fatia considerável do grande público não tenha o filme em tão boa conta.
“O Poder do Cão” está disponível na Netflix desde o início de dezembro. Depois das nomeações aos Óscares, o filme tem sido cada vez mais visto na plataforma de streaming — em Portugal tem tido uma trajetória ascendente nos últimos dias. O que também tem aumentado são as pesquisas no Google relativas ao final da história — que é tão subtil que pode passar despercebido. Sobretudo quando se trata de um filme visto em streaming, onde as pausas e as distrações do lar abundam.
Esta é uma história que tarda a desenrolar-se. Durante grande parte do filme, Jane Campion faz-nos crer — aos espectadores — que é um filme de “ambiente”. Ficamos imersos naquele cenário western não convencional (afinal, o Montana dos anos 20 foi gravado na Nova Zelândia), nas vestimentas das personagens, na aura hostil característica do Velho Oeste.
Na verdade, está apenas a assentar bem as peças que depois entrarão em jogo. Phil e George Burbank são dois irmãos que gerem um rancho. Phil (Benedict Cumberbatch) é esperto e respeitado pelos trabalhadores, mas rude em todos os sentidos. Por comparação, George (Jesse Plemons) é dócil, polido e tem ambições de classe alta, claras ao longo da narrativa.
Certo dia, George conhece e apaixona-se por Rose (Kirsten Dunst), uma jovem viúva que tem um filho adolescente, Peter (Kodi Smit-McPhee). O rapaz, que já havia sido troçado de forma homofóbica por Phil, vai para fora estudar. Rose muda-se para o casarão dos Burbank, para grande mágoa de Phil. Ele e o irmão são apresentados como se fossem, em certa medida, um só — dormiam no mesmo quarto, nas suas pequenas camas, como dois miúdos e não como os homens feitos que são.
Phil, e talvez a pressão do novo casamento, vai acabar por levar Rose até à depressão e ao alcoolismo. É neste estado que Peter encontra a mãe quando regressa a casa nas férias da escola. A chegada de Peter ao rancho também não será fácil, visto que não está habituado a uma vida tão rural e no meio daqueles homens brutos que fazem pouco de si.
Inesperadamente, Peter e Phil começam a aproximar-se. Phil vai ensiná-lo a montar um cavalo e a tornar-se hábil nalgumas tarefas próprias do rancho. É um paralelismo que se vai estabelecendo entre os dois e a altura em que Phil estava a aprender com o mítico mentor Bronco Henry, que passa os dias a idolatrar. É nesta altura que a história avança, ganha uma dimensão homoerótica e acontece um final chocante que muitos poderão não compreender à primeira. Mas as pistas estão todas lá — esta é uma jornada de vingança de Peter em nome da mãe.
O enredo é baseado no livro homónimo de Thomas Savage, editado em 1967, inspirado nalgumas vivências reais. O autor era homossexual e passou grande parte da vida no oeste americano.
O filme é sublime no sentido em que cria um ambiente da melhor maneira e depois o encaminha para um clímax discreto — ainda que intenso. O pior é que o guião não é suficientemente explícito na forma como justifica certas decisões ou sentimentos das personagens. Não ficamos propriamente com a ideia de que Rose é levada diretamente à miséria por Phil. A relação de causalidade não é de todo evidente. Nem ficamos convencidos com a relação inicial entre Phil e George — parecem sempre demasiado distantes, nunca parece plausível.
Contudo, “O Poder do Cão” é um filme visualmente apelativo, com um ritmo slow-burn que nos intriga, e com ótimos papéis. Primeiro, há que destacar o trabalho do britânico Benedict Cumberbatch, que desaparece completamente na pele suja e rude de Phil. Kirsten Dunst, Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee também estão muito bem nas suas personagens — ainda que talvez não mereçam o Óscar. É um filme subtil e com qualidades, que se revela no final, e que merece ser reconhecido. Jane Campion é uma cineasta com mérito. No entanto, será mesmo o melhor do ano? Temos grandes dúvidas. Nos Óscares nem sempre isso é o mais importante.
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