Cinema

O polémico filme com cenas sexuais com menores que está na seleção oficial de Cannes

A controvérsia tem perseguido “Le Retour” de Catherine Corsini, que estreou no festival esta quarta-feira, 17 de maio.
A polémica está instalada

Aos 66 anos, Catherine Corsini é uma experiente cineasta francesa e conhecida ativista feminista. Vencedora da Palma Queer em 2020 — prémio independente, atribuído no Festival Internacional de Cinema de Cannes, que premeia uma seleção de obras relevantes no tema LGBT —, regressou este ano ao festival com o seu “Le Retour”. Mas ao contrário do que aconteceu há três anos, esta passagem por Cannes começou de forma atribulada.

Em abril, um mês antes da estreia mundial em Cannes — que decorreu esta quarta-feira, 17 de maio —, rebentava o escândalo em França. A produção era acusada, em várias reportagens nos média franceses, de ter gravado cenas de sexo com jovens atores menores de idade. Algo que deveria ter sido registado e declarado às autoridades respetivas. Mais: os artigos falavam também de maus tratos e abusos a membros das equipas de filmagem por parte de Corsini.

A polémica cresceu e pressionou as autoridades a tomarem as rédeas da situação. O Centro Nacional de Cinema, entidade pública responsável também pelo financiamento de projetos, decidiu reaver os mais de 500 mil euros alocados a “Le Retour”. As queixas chegaram à polícia, que acabaria por não avançar com nenhum processo, dado que não houve qualquer queixa em nome pessoal dos envolvidos. Mas o mal já estava feito.

Por momentos, receou-se que a ida a Cannes estivesse comprometida, dada a dimensão do escândalo. Para tentar apaziguar os ânimos, Corsini e os produtores assinaram um comunicado que tentava esclarecer tudo.

“Vários emails anónimos e difamatórios têm sido enviados a colegas e à imprensa, o que tem gerado rumores que prejudicaram o filme. Felizmente, o maior festival do mundo dedicou algum tempo a comprovar a verdade”, afirmaram perante a decisão de Cannes em colocar o filme na sua seleção.

“Le Retour” conta a história de uma mulher que é contratada para acompanhar uma família endinheirada numas férias à Córsega, para tomar conta das crianças. Consigo vão as duas filhas adolescentes, que acompanham a mãe numa viagem pelas suas memórias, mas que tratam também de criar a suas próprias experiências no verão quente da ilha francesa.

Uma das polémicas cenas do filme envolvia uma cena de masturbação de uma atriz novata que, à altura, tinha apenas 15 anos, e outra com 17 anos. Essa gravação exigia que fosse reportada às autoridades que regulam e protegem o uso de trabalhadores menores. Não o fizeram.

Essa mesma cena foi abordada por Corsini na carta aberta. “Mesmo que tudo tenha sido feito com o acordo das atrizes, deveríamos ter avisado [as autoridades]”, admite Corsini. “Ao não fazê-lo, violamos as leis e por isso a produção foi sancionada. Mas paremos com as fantasias. As adolescentes estavam vestidas. A cena filmava apenas as suas faces. Não houve qualquer toque ou contacto inapropriado entre as duas, como foi sugerido pela imprensa.”

O cinema é a arte da sugestão. Estas jovens atrizes perceberam isso. Sem estarem de alguma forma constrangidas, recusaram o uso de consultores de intimidade e duplos, que lhes foram propostos com alguma insistência. Estavam confiantes na sua relação com a realizadora.” Ainda assim, a cena acabou por não fazer parte da edição final.

Sobre os alegados maus tratos a membros da equipa de produção, admitem que existiram “dois relatos de alegados gestos inapropriados para com duas pessoas da equipa” que deram origem a “inquéritos internos”. “Em momento algum durante o meu tempo no set testemunhei algum problema. Muito pelo contrário”, frisou Corsini.

As justificações não convenceram toda a gente. Cannes aceitou receber a estreia mundial do filme e colocá-lo novamente na lista de candidatos ao Palma Queer, mas muitos cineastas e críticos viraram-se contra o festival.

Corsini e “Le Retour” acabaram mesmo por fazer a festa em Cannes. Na conferência que antecedeu a estreia, a realizadora decidiu abordar a polémica e sobre o que acredita que teria feito de diferente. “Acho que teria colocado mais questões a mim própria. Acho que devíamos ter consultores de intimidade para que os atores se sintam mais confortáveis. Fizemos muita preparação para estas cenas e hoje percebo que são questões importantes para as quais se deveriam chamar estes especialistas em intimidade2, contou.

“Talvez seja demasiado orgulhosa ou pretensiosa. Tenho 35 anos de experiência e acho que posso ir mais além do que arranjar um especialista desses. Talvez tenha de ser mais cuidadosa no momento de perceber se os atores estão confortáveis. Já fiz muitos filmes, e, por vezes, esqueces estas questões.”

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