Cinema

Oppenheimer, o pai da bomba atómica que lutou para travar as armas nucleares

O polémico e genial cientista inspirou o novo filme de Christopher Nolan. Sempre alertou para os perigos da tecnologia que criou.
A primeira bomba atómica tinha a sua assinatura

Após três anos de noites mal dormidas e sob a pressão da guerra e da competição com a Alemanha nazi, os americanos tinham finalmente luz verde para o primeiro grande teste da derradeira arma que poderia, por si só, vencer um conflito. No deserto do Novo México, as preparações foram feitas.

J. Robert Oppenheimer, o cientista à frente do Projeto Manhattan, escolhera o nome de código Trindade para a experiência que iria detonar a primeira bomba a 16 de julho de 1945. A cerca de 16 quilómetros, Oppenheimer e os restantes investigadores e militares deram a ordem de detonação. Mesmo a essa distância, o calor sentido foi semelhante “ao de um forno”.

O céu noturno iluminou-se como se fosse dia. A onda de choque chegou aos observadores 40 segundos depois da explosão e foi sentida a mais de 160 quilómetros. No solo, ficou a marca de uma cratera com mais de 80 metros de diâmetro — e a prova de que tinham criado a mais potente e perigosa arma da história da humanidade.

Oppenheimer diria mais tarde, sobre o que sentiu ao ver a sua criação tornada realidade, citando uma frase das escrituras hindus: “Transformei-me na Morte, o destruidor de mundos.” Mais de 70 anos depois, os seus avanços científicos criaram um mundo que vive eternamente sob o a sombra do terror nuclear, sentido de perto durante a Guerra Fria e agora, à medida que cresce a ameaça da escalada de um conflito com a Rússia, que teima em lembrar que pode recorrer às armas nucleares.

É também da Ucrânia que chegam notícias do perigo que rodeia as centrais nucleares, onde qualquer desastre que afete os reatores pode lançar o caos sobre a Europa. Oppenheimer, que morreu em 1967, ainda é considerado atualmente o pai da tecnologia que permitiu a criação — e uso o efetivo das únicas duas bombas detonadas num contexto de conflito real.

Figura de inteligência ímpar, cujo génio foi equiparado ao do seu contemporâneo Albert Einstein, é também a personagem principal do próximo filme de Christopher Nolan, um drama biográfico sobre a vida e o projeto principal de J. Robert Oppenheimer, que será interpretado por Cillian Murphy.

Filho de um abastado empresário têxtil de origem judaica, cresceu rodeado de obras de arte de Rembrandt, Picasso e Van Gogh. Sobredotado, saltou vários anos escolares e formou-se em Harvard e Cambridge, onde acabou por enveredar pela física, área na qual se tornou numa referência mundial.

Oppenheimer foi o líder da investigação do Projeto Manhattan.

Após a morte do pai, herdou uma pequena fortuna que usou para contribuir para os seus ideias, marcadamente de esquerda. Foi um reconhecido doador para a causa republicana durante a guerra civil espanhola e embora nunca tenha figurado nas listas do Partido Comunista Americano, fazia parte do círculo de intelectuais e ativistas que nele militavam. Acabaria mesmo por casar com Katherine Puening, uma reconhecida comunista.

O eclodir da II Guerra Mundial perturbou o trabalho académico e laboratorial da maioria dos investigadores da área, sobretudo a partir do momento em que os Estados Unidos se viram arrastados para o conflito depois do ataque japonês em Pearl Harbor. Nos bastidores, teorizava-se sobre a possibilidade de usar as descobertas da fissão nuclear para a criação de armas de guerra, nomeadamente uma bomba com um poder nunca antes visto.

Oppenheimer acabaria por ser o escolhido para dirigir o projeto que não só teria que ser bem-sucedido, mas que teria de ser concluído antes do inimigo. Temia-se que a Alemanha pudesse produzir uma arma semelhante antes das forças aliadas.

Na ficha da sua admissão ao projeto ultra-secreto, Oppenheimer terá confessado ter sido membro “de quase todas as organizações comunistas na costa leste”, afirmação que viria a desmentir anos mais tarde. Porém, a sua ligação ao movimento era indesmentível e o governo americano sabia disso. A prioridade era, contudo, a criação da bomba atómica. O cientista mantinha uma relação com Jean Tatlock, uma conhecida comunista, e por isso foi mantido sob vigilância apertada.

Na sua vida pessoal, Oppenheimer batalhava constantemente contra depressões graves e instabilidade emocional. Era visto como um estudioso obsessivo e a urgência do Projeto Manhattan levou a um deteriorar da sua saúde mental.

Fisicamente frágil, Oppenheimer tinha apenas 58 quilos e sofria de tosse crónica, provocada pela tuberculose. Nenhum desses fatores o impediu de liderar com sucesso o programa com vários milhares de trabalhadores e investigadores e, também por isso, acabou por ser batizado como o “pai da bomba atómica”, que testou pela primeira vez com sucesso em 1945.

“Sabíamos que o mundo nunca mais seria o mesmo”, recordou anos mais tarde sobre o momento em que viu, à distância, a explosão no deserto do Novo México. “Alguns riram-se, outros choraram. A maioria manteve-se silenciosa.”

“Nunca esquecerei o seu andar, a forma como saiu do carro, com uma personagem de ‘High Noon’, a forma como se pavoneava. Ttinha conseguido o objetivo”, revelou Isidore Rabi, um dos cientistas presentes no primeiro teste atómico.

Uma das grandes motivações de Oppenheimer era o fim do fascismo e aí encontrou incentivo para concluir o seu trabalho: via na bomba uma forma de salvar a civilização ocidental. Poucas semanas depois do teste, pôde assistir ao seu efeito devastador. A 6 e 9 de agosto desse mesmo ano, duas bombas atómicas foram lançadas sob território japonês, em Hiroshima e Nagasaki. Estima-se que tenham morrido mais de 300 mil pessoas, na sua maioria civis.

O uso da segunda bomba deixou-lhe um travo amargo. Acreditava que só deveria ser usada em situações limite e que o exército tinha ultrapassado essa barreira. Poucos dias depois do ataque, Oppenheimer assinou uma carta enviada a Henry Stimson, o ministro da guerra, na qual partilhava várias preocupações, partilhadas por muitos dos cientistas que trabalharam consigo no projeto.

Revelou que a sua equipa tinha sido “incapaz de propor medidas capazes de prevenir ataques de armas atómicas” e de “garantir à nação hegemonia em relação a este armamento nas próximas décadas”. “Somos também igualmente incapazes de assegurar que, mesmo atingindo a hegemonia, ela nos possa proteger da mais terrível destruição.”

“O desenvolvimento, nos anos que se seguem, de armas atómicas mais eficazes, será o cenário mais natural em qualquer política nacional por forma a manter a força das nossas forças militares”, explica. “Contudo, temos fortes dúvidas de que este desenvolvimento possa contribuir de forma essencial ou permanente para a prevenção da guerra.”

A tragédia nuclear revelou o segredo da bomba e lançou Oppenheimer como figura pública. Foi capa de revistas como a “Life” e a “Time” e foi elevado a autoridade máxima sobre o nuclear. Condecorado pelo então presidente Harry Truman, terá aberto o jogo numa audiência particular. “Sinto que tenho as mãos ensanguentadas.”

Foi nessa posição de destaque que começou, aos poucos, a fortalecer a sua opinião sobre os perigos de uma corrida às armas nucleares. Nos anos que se seguiram, foi um dos maiores apologistas da criação de uma autoridade internacional para o desenvolvimento atómico, que controlaria toda a produção deste armamento e procuraria usar a tecnologia para a produção de energia.

Em 1947 foi eleito como um dos dirigentes máximos da Comissão de Energia Atómica, cargo que usou para tentar impedir uma corrida ao armamento nuclear, numa fase em que os blocos americano e soviético começavam a dar os primeiros sinais de antagonismo.

Assumido simpatizante da causa comunista — embora nunca tenha sido apoiante do regime soviético —, Oppenheimer fazia há muitos anos parte da lista negra do FBI. Com a rivalidade americana—soviética a crescer, a sua posição reticente sobre o desenvolvimento de mais armas nucleares começou a levantar suspeitas.

O investigador estava já sob apertado controlo do FBI, então comandado pelo paranoico J. Edgar Hoover. Tinham sido colocadas escutas em sua casa e nos seus telefones e um pouco antes de 1953, o diretor do FBI recebeu uma carta que acusava Oppenheimer de ser um agente soviético. A suspeita levou a que fosse interrogado e, como resultado do inquérito, lhe fosse removido o acesso a informação confidencial, com o posterior corte de relações com agências governamentais.

Oppenheimer acabaria por se afastar e chegou a viver uma temporada nas remotas Ilhas Virgens americanas. Viajou pelo mundo onde deu aulas e palestras sobre física e o nuclear, mas manteve-se afastado da política, pelo menos até à chegada de John F. Kennedy ao poder, que o condecorou, num gesto de aparente desculpabilização relativamente ao tratamento injusto de que foi alvo pelos seus antecessores. Oppenheimer acabaria por morrer em 1965, vítima de cancro na garganta. Tinha 62 anos.

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