Cinema

Novo filme de Cillian Murphy conta a história real dos asilos da morte na Irlanda

"Pequenas Coisas Como Esta" estreou esta quinta-feira nos cinemas e relata o escândalo que vitimou centenas de mulheres inocentes.
É baseado numa história real.

Prostitutas, mães solteiras, vítimas de abuso sexual ou órfãs. Nos Asilos de Madalena, todas as mulheres proscritas, colocadas de lado pela sociedade, eram bem-vindas. Mas o que deveria ter servido com porto seguro para mulheres em risco, acabou por se tornar numa prisão onde o abuso físicio, emocional e sexual fazia parte do dia a dia. Só muitos anos depois, em 1993, a Irlanda percebeu o que ali acontecera. O país ficou em choque quando foi encontrada uma cova com 155 mulheres, jovens e crianças, em Donnybrook.

Foi esta história tenebrosa dos Asilos de Madalena que inspirou “Pequenas Coisas Como Esta”, o novo filme protagonizado por Cillian Murphy, vencedor de um Óscar, que estreou esta quinta-feira, 9 de janeiro, nos cinemas em Portugal. O ator encarna Bill Furlong, um pai dedicado que trabalha como comerciante de carvão para sustentar a família.

Um dia, descobre segredos perturbadores guardados pelo convento local e desvenda a verdade que o obriga a confrontar o passado e o silêncio “cúmplice de uma pequena cidade irlandesa controlada pela Igreja Católica”, lê-se na sinopse. O tal segredo está relacionado com os Asilos de Madalena, instituições irlandesas geridas por ordens religiosas católicas para onde miúdas e mulheres eram enviadas para trabalharem em condições de exploração sob a justificativa de reabilitação moral. “Foi um trauma coletivo, particularmente para pessoas com alguma idade, e acho que é algo que ainda tentamos processar. Acho que a arte pode ser muito útil para ajudar a curar uma ferida”, disse o ator irlandês à “Variety”.

Estas casas começaram a surgir no final do século XVIII e proliferaram ao longo dos séculos XIX e XX. Eram operadas por diversas congregações, incluindo as Irmãs da Misericórdia, as Irmãs da Nossa Senhora da Caridade, as Irmãs de São José da Paz e as Irmãs do Bom Pastor, algumas das mais populares da Irlanda

Originalmente, estes asilos destinavam-se a mulheres “caídas”, vistas como pecadoras ou que não se enquadravam nos padrões sociais da época, incluindo prostitutas, mães solteiras, vítimas de abuso sexual, órfãs, raparigas consideradas rebeldes ou simplesmente aquelas que eram enviadas pelas próprias famílias por razões muitas vezes arbitrárias. Muitas destas mulheres nunca tinham cometido qualquer crime, mas eram internadas à força, sem julgamento ou possibilidade de recurso, e obrigadas a trabalhar gratuitamente, muitas vezes por toda a vida, lavando roupas para empresas, hospitais e instituições governamentais (daí o nome em inglês de Magdalene Laundries), enquanto enfrentavam abusos físicos, psicológicos e, em alguns casos, sexuais.

O sistema destas instituições manteve-se ativo até tempos surpreendentemente recentes, com a última destas instituições a encerrar apenas em 1996, na cidade de Dublin. Ao longo das décadas, estas instituições mantiveram-se envoltas em segredo e protegidas pela Igreja e pelo Estado, mas à medida que foram surgindo testemunhos das sobreviventes, começou a revelar-se a verdadeira extensão dos horrores vividos nestes locais, dando origem a uma das maiores controvérsias da história moderna da Irlanda.

O escândalo intensificou-se com a descoberta de valas comuns dentro e ao redor das casas, onde se encontraram os restos mortais de centenas de mulheres e crianças que morreram ao longo dos anos e cujas mortes nunca foram oficialmente registadas ou investigadas — tal como aconteceu em Donnybrook.

Em 2013, um relatório oficial do governo irlandês reconheceu os abusos sofridos por milhares de mulheres nos asilos, o que levou o então Primeiro-Ministro, Enda Kenny, a emitir um pedido formal de desculpas em nome do Estado, onde reconheceu a cumplicidade do governo na manutenção do sistema repressivo. Muitas sobreviventes, no entanto, consideraram as medidas do governo insuficientes, uma vez que o processo de compensação foi lento e burocrático, e nem todas as vítimas receberam o reconhecimento ou apoio adequado.

Cillian Murphy descreve o filme como sendo “irónico”, visto que Bill, a sua personagem, é um “homem cristão, a tentar fazer algo cristão, numa sociedade cristã, mas disfuncional”. Acima de tudo, “Pequenas Coisas Como Esta” faz muitas perguntas sobre a “cumplicidade, silêncio e vergonha” que assombram os asilos. “O trabalho do filme não é responder a essas questões, mas provocar conversas à volta deste assunto”, comentou com a “Variety”.

Carregue na galeria e conheça algumas das séries e temporadas que estreiam em janeiro nas plataformas de streaming e canais de televisão.

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