Blanka Lipinska trabalhava na área da cosmética até 2018, quando publicou o seu primeiro livro, uma história de contornos eróticos chamada “365 Dias”. Foi um sucesso imediato no seu país, a Polónia, e poucos meses depois assegurava um contrato para a adaptação ao cinema. O filme estreou no início de 2020 e alguns meses depois chegou a todo o planeta através da Netflix. Estava criado um fenómeno mundial.
As cenas íntimas explícitas foram o grande chamariz — e também o alvo de várias controvérsias. O filme foi acusado de contribuir para a cultura da violação, num abaixo-assinado enviado à Netflix que apelava a que “365 Dias” fosse retirado do catálogo. A cantora Duffy também se dirigiu publicamente à empresa e arrasou o filme por romancear “a brutal realidade do tráfico sexual”. A plataforma recusou as alegações, lembrando o aviso que alerta para as cenas de sexo e violência, e explicando que era um conteúdo adquirido, não uma produção própria.
Com mais ou menos polémica, a verdade é que os livros foram editados internacionalmente, o filme foi visto por milhões de pessoas — foi o quarto mais pesquisado do ano no Google, sem quaisquer atores famosos — e Blanka Lipinska enriqueceu.
Seguiram-se mais dois livros da saga — o segundo também foi adaptado a um filme da Netflix, que estreou a 27 de abril; o terceiro está a caminho. O novo filme foi o conteúdo mais visto da plataforma de streaming durante vários dias em quase 100 países.
Blanka Lipinska continua a afirmar que não é escritora — apenas escreveu um livro baseado nas suas experiências e imaginação. Em entrevista à NiT, explica num estilo frontal como criou “365 Dias”, responde às críticas e revela que a seguir vai fazer um outro filme erótico baseado noutra das suas histórias reais.
Li que se inspirou na saga “As Cinquenta Sombras de Grey” e numa viagem a Itália, além de nas suas experiências pessoais, para escrever o primeiro livro. O que a levou a querer fazê-lo?
Não é bem assim, relativamente a ter ido buscar inspiração a “As Cinquenta Sombras de Grey”. O meu livro é totalmente diferente. Só que esses livros, por causa da tradução, não são bons em polaco. No nosso país são mais para adolescentes, são muito fracos e maus, honestamente. Mas foi a saga erótica mais popular do mundo na altura — toda a gente os leu. Gosto mais da saga “Crossfire”, é muito melhor, mas não tem tanto sucesso. Comecei isto há oito ou nove anos. Estava muito apaixonada por um tipo e, quer acredites ou não, ele não queria fazer sexo comigo. Após meio ano juntos, deixou de sentir desejo — mas eu queria estar com ele. Ele era igual ao Martin do filme — ele é essa personagem, basicamente, e fomos à Sicília. E daí nasceu o “365 Dias”, porque dentro do meu corpo ainda tinha esse desejo. Tive de criar o meu próprio mundo, o meu rapaz perfeito no livro: o Massimo. Era uma mulher jovem e saudável, precisava de todas aquelas coisas, todas aquelas emoções. Foi terapêutico para mim.
Precisava de expressar aqueles sentimentos.
Expressar talvez não, mas queria escapar da minha vida real.
Foi simples começar a escrever? Tinha alguma experiência nessa área?
Não, não. Quando andava na escola, não era muito boa nas aulas de polaco, mas gostava de ler. Quando comecei a escrever, foi uma grande experiência, foi mágico. No teu livro podes fazer tudo: podes ser como quiseres, ter um namorado exatamente como queres que ele seja — podes ter tudo porque é apenas a tua imaginação. Então foi bastante divertido e fácil. Escrevi- o em três meses.
Disse que queria escapar ao construir esta história, que tinha alguns elementos da sua vida real. Que partes da narrativa foram completamente inventadas?
Nunca respondo a essa questão, porque naqueles livros está cerca de 85 por cento da minha vida. Ou seja, só 15 por cento é que é ficção. Por isso não quero revelar o que é real e o que foi criado na minha cabeça.
Para manter o mistério?
Sim, exatamente. É ainda mais curioso se for um mistério.
Mas li que a Blanka foi realmente raptada por um antigo namorado. Isso é verdade?
Sim. Infelizmente para mim, sim. Não foi tão espetacular como no livro, mas sim.
Foi uma experiência terrível?
Não, não considero que tenha sido terrível. Foi só uma aventura.
Um rapto é um crime grave.
Claro, mas depende do contexto. Quando tens medo… Ontem estava a tomar banho à noite e a pensar nisso, estava sozinha em casa, estava tudo escuro e ouvi um ruído. Comecei a pensar: o que vou fazer se alguém estiver no meu apartamento? Isto é arrepiante. Se alguém me raptasse quando estava no chuveiro, do nada, seria horrível. Porém, o que me aconteceu foi o que está descrito no livro. Sejamos honestos: o Massimo é bonito, rico, alto, sexy. Não tens medo de pessoas sexys e bonitas. Se o Massimo fosse um tipo velho, baixo e gordo, vivesse numa garagem na floresta e raptasse a Laura, seria um filme de terror, não uma história erótica de amor. Depende do ponto de vista.
O que lhe aconteceu na vida real é próximo do que aconteceu em “365 Dias”?
Sim, mais do está descrito no livro. Foi bastante sexy, senti-me muito especial por ter sido raptada por ele. Precisou de preparar tanta coisa, uau! Era muito nova, tinha uma perspetiva diferente.
Existia alguma ligação ao crime organizado italiano?
Sim. Quer dizer, ele não era italiano, era polaco, mas há máfia em todo o lado, é igual.
Quando o livro foi publicado, percebeu que iria ser um enorme sucesso de vendas?
Quando comecei a escrever, senti logo que poderia ser um sucesso internacional. Todos os nomes no livro são iguais em todas as línguas para que está traduzido. Isso era importante para mim, porque quando traduzem os nomes das personagens, por vezes, fica muito mal [risos]. Tenho uma grande auto-confiança, já sabia que iria ser um sucesso. Acima de tudo, sou uma mulher de negócios, sei como fazer um negócio. Sempre fui boa a fazê-los. Por isso, quando decidi escrever um livro, teria de ser um bestseller. Em julho saiu o livro e em outubro já havia um contrato para fazermos um filme. Em fevereiro começámos a trabalhar com a produtora e em março escrevemos o guião. Um ano depois acontecia a estreia do filme, foi tudo muito rápido. Não tínhamos tempo, o livro tinha-se tornado tão popular que as pessoas estavam à espera do filme.
Quando começou a escrever o livro, a ideia de fazer um filme foi imediata?
Claro. Era natural. Naquela altura, o livro “As Cinquenta Sombras de Grey” era muito popular. Quando comecei a analisar a forma como fizeram o livro e depois o adaptaram ao cinema, percebi que também teria de fazer um filme.
Esteve muito envolvida no processo da adaptação. Também escolheu os atores?
Infelizmente para a equipa de cinema, tenho a palavra final na montagem do filme. Foi uma situação difícil para todos, porque eu não sabia fazer filmes. Mas como escrevi o livro, tinha o filme criado na minha cabeça. Tens de imaginar todas as coisas que as pessoas veem quando leem o livro. Por isso é que decidi não vender os direitos, para fazer eu a adaptação. Queria assegurar que estava bem feito. Porque vi o filme de “As Cinquentas Sombras de Grey” e fiquei… Merda, o que fizeram com este livro? É tão mau. O livro tinha muito mais coisas. Claro que depois, com os cineastas, percebi que seria necessário cortar muitas coisas. Tive de optar por algumas e não outras. Se gostaram do filme, acredito que vão gostar ainda mais do livro. Tem muito mais ação, história e sentimentos. Quem não entende a protagonista Laura, vai perceber tudo quando ler o livro,— está lá tudo.
Foi desafiante escolher os atores protagonistas ?
Encontrar a Laura foi muito difícil. Sejamos honestos: a Laura sou eu. Como não sou uma escritora, não sei criar um livro sobre outra pessoa. Por isso criei um livro sobre mim. E queria encontrar alguém que se parecesse comigo. Queria que tudo fosse o mais real possível, o que trouxe alguns problemas à equipa. Três anos depois, penso que fui bastante estúpida [risos], mas era a minha estreia. Encontrar a Laura e o Massimo foi difícil. O filme de “As Cinquenta Sombras de Grey” não foi muito bom e as fãs não gostam do Jamie Dornan. Porquê? Porque imaginamos um Grey completamente diferente. O Jamie Dornan não era alto nem grande o suficiente. Não tinha músculos suficientes. Fiquei muito chateada quando vi aquilo no cinema, era muito mau. No segundo filme ele está melhor porque parece que foi ao ginásio [risos]. Lembro-me do quão desiludida fiquei. Daí que não quisesse cometer o mesmo erro. Queria encontrar um tipo que, quando o visse, ficasse tão excitada que não pensaria em mais nada a não ser em sexo. Quando vi o Michele pela primeira vez foi exatamente isso que aconteceu. Sabia que tínhamos conseguido o Massimo.
Também ficou desapontada com as cenas íntimas de “As Cinquenta Sombras de Grey”?
Sim! No cinema não há muitos filmes eróticos, daí o exemplo regular do “As Cinquentas Sombras de Grey”. As cenas de sexo desapontaram-me bastante. Era tudo tão fraco, uma história para adolescentes. No último filme, quando ele lhe bate no rabo, foi bom. Mas, no geral, fiquei desapontada.
Foi algo que quis fazer de forma diferente nos seus filmes?
Os filmes eróticos são eróticos por causa do sexo. Por causa da tensão, da emoção, do desejo. Queria criar algo que parecesse real. Quando estás a ver aquilo, estás sempre a pensar: será que fizeram aquilo a sério? Essas são as boas cenas de sexo. Disse à minha produção: vou ser eu a dirigir as cenas íntimas porque sei como fazer isto. Quando tens de o criar no livro, só tens palavras. E só as palavras é que te dão a imagem. É muito mais difícil do que mostrar num filme. Por isso sabia o que queria ver quando estava no set de gravações.
Foi simples realizar essas cenas?
Não, estava com atores, eles tinham de confiar em mim. Se digo “salta”, eles precisam de saltar. Não foi o processo normal de uma produção de cinema. Não sabia como fazer isto, mas queria criar uma família. Quando escreves um livro, és só tu. Quando é um filme, são 100 pessoas. E se estiverem a divertir-se no trabalho, o resultado é melhor.
Quando o filme estreou na Netflix, foi visto por milhões de pessoas em todo o mundo. Porém, também existiram queixas em relação a algumas partes da narrativa e ao tom do filme no geral. Como foi para si receber essas reações?
Temos de nos lembrar de que isto é entretenimento, é um filme erótico. Não é um livro de alta cultura. É só entretenimento, uma história bonita com bom sexo e pessoas lindas. Se tudo tem de ser tão “uau” e complexo, então não percebo porque existe, por exemplo, a McDonald’s. Se toda a gente só precisa da alta gastronomia, vamos só aos restaurantes Michelin. Se só precisamos de marcas de luxo, com alta qualidade, para que é que existe a H&M? Vamos só à Prada. As pessoas precisam de tudo isto em todas as áreas, em muitas coisas da vida — incluindo com os livros e o setor cultural. Não precisamos só de obras sobre emoções profundas ou como as de Jane Austen. Não, as pessoas também precisam de coisas fáceis Quando vais de férias, não queres usar a mente, não queres pensar, queres escapar. E aí lês o “365 Dias”. Porque é fácil, simpático e sexy.
Também existiram queixas sobre a forma como as mulheres são retratadas na história. Muitos consideraram que a narrativa glorifica a violência sobre as mulheres.
Neste momento, as pessoas não conhecem a história toda. Quando vês um chef a preparar uma receita, ele pega em ingredientes que só mais tarde se vão tornar num prato. Aqui as pessoas começaram a julgar assim que peguei nos ingredientes. Se não conhecer a história dos livros, como vou ter uma opinião? Aquilo foi apenas o início. Se alguém ler os meus três livros — especialmente uma feminista — e, no final, mantiver essa opinião, posso falar com ela. Porém, tenho a certeza, a 100 por cento de que quando terminarem a trilogia, vão dizer: Blanka, tinhas razão. Por isso, para mim essa apreciação foi bastante estúpida. Compreendo, tendo em conta que foi um filme controverso, mas foi só o primeiro. E a história completa tem três partes. Estão a julgar um livro pela capa.
A Laura é uma personagem mais forte neste segundo capítulo da história, certo?
Não acho… No terceiro vai ser certamente a personagem mais forte. Enquanto mulheres, sentimo-nos atraídas pelo leão, pelo macho alfa, o tipo a sério, poderoso. E sentimo-nos como miúdas. Nessa altura da minha vida, só queria ter alguém que me desse a oportunidade de não ter de ser eu a decidir sobre tudo. Porque em toda a minha vida até aí, nos negócios, tive de decidir tudo. Estava cansada disso. Queria alguém inteligente, cordial… O meu livro não é assim tão diferente de “A Bela e o Monstro”. E os meus livros e filmes são para adultos. “A Bela e o Monstro” é uma história para crianças. Como é que posso ser diferente e ter uma perspetiva distinta sobre o romance quando cresci a ver desenhos animados sobre homens ricos, príncipes, e as raparigas das histórias da Disney… O que é que elas têm? Que talentos têm? Não têm. Não sabem o que fazer, são pobres e estão à espera de um príncipe. A única exceção é a Pocahontas. Os desenhos animados da Disney são mais perigosos do que o “365 Dias”. Quando vês o “365 Dias”, és um adulto e consegues usar o cérebro. Compreendes a diferença entre a ficção e a realidade. Mas quando és uma criança, não compreendes as diferenças.
Sei que não quer revelar muito, mas o que é que os fãs podem esperar da terceira parte da história?
Do livro ou do filme?
Não partilham a mesma história?
Infelizmente, não. A Netflix decidiu que o filme só vai ser levemente inspirado pelo livro, por isso, será totalmente diferente. Sobre o livro, acredito que a terceira parte é a melhor. É a minha favorita, tem muita ação, é uma montanha-russa de emoções. Vai ter mais ação do que o segundo livro e filme, que têm muito sexo.
Tem lido as reações em relação a este segundo filme?
Não leio as opiniões, só aquilo os meus fãs me enviam. Na imprensa polaca há muito ódio. O meu país não entende que isto é só entretenimento, não é a Bíblia, nem são livros para a escola primária. Isto é entretenimento. E sei o que dizem na Internet: que é mau, que é uma merda, que tem demasiado sexo, diálogos simples. Estou-me a cagar, honestamente, porque não faço os filmes para os críticos. Crio as histórias para os fãs e acredito que eles gostam — porque o filme é número 1 em 94 países. Fizemo-lo de novo.
Planeia escrever mais livros?
Bem, não planeei escrever o “365 Dias”, por isso nunca tenho um plano. Ou melhor, tenho — mas não quando falamos dos livros. Preciso de sentir a necessidade interior de criar algo. Todas as minhas editoras perguntam-me quando posso fazer um novo livro, e eu respondo: “não, desamparem-me a loja”. Preciso de paz. Nos últimos quatro anos só trabalhei. Agora tenho um momento de pausa, para aproveitar o meu dinheiro, para viver algumas aventuras e viajar, passar tempo com pessoas que adoro. Neste momento não tenho a necessidade de escrever livros. Mas nunca se sabe, talvez amanhã mude de ideias.
Gostaria de escrever outras histórias, com personagens diferentes?
Sim, o “365 Dias” é um caso encerrado. Se criar algo, vai ser totalmente diferente. Fiquei apaixonada com a produção cinematográfica, por isso, o meu próximo projeto vai ser um filme. Também será erótico, mas com uma história totalmente diferente. Já escrevi o guião, terminei-o no início do ano, e se tiver tempo e energia vou ao set de gravações no outono — penso que os fãs irão ter oportunidade de conhecer o meu novo bebé no próximo ano. O título é “One” e a história é sobre uma escritora e um guitarrista famoso. O meu ex-namorado era um guitarrista conhecido [risos]. Decidi criar uma narrativa sobre a nossa história porque os media e os fãs na Polónia ficaram muito curiosos sobre como foi, porque é que acabámos, etc. .Penso que ainda vai ser melhor do que o “365 Dias”.
Mas não será um livro, é isso?
Não tenho a certeza, porque a minha editora e o meu agente estão sempre a dizer “tens uma história, por isso podes criar um livro”. Não sei. O filme é a minha prioridade. Vamos ver.
O terceiro filme de “365 Dias” também vai estrear em 2023?
Sei qual é a resposta, mas não posso revelar. Quando a Netflix é a tua parceira, não decides nada, eles é que decidem sobre tudo.
Após esta esta saga, a sua vida mudou?
Mudou 100 por cento. Tornei-me numa figura pública no meu país, sou uma celebridade, as pessoas reconhecem-me, não tenho vida privada. Tenho muito dinheiro, muitos fãs, muitos haters — mudou tudo.
Leia a crítica da NiT ao segundo filme da saga e conheça a história do protagonista Michele Morrone, que passou de um ator falido a milionário graças a este projeto.
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