A notícia apanhou toda a gente desprevenida. Tobias Monteiro estava no Cinema São Jorge, em Lisboa, quando recebeu um telefonema de um hotel da capital, na Avenida da Liberdade, que fica a alguns metros da principal sala do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror. O ator português estava a trabalhar lá como guest office coordinator (acompanha os convidados VIP). Numa semana em que o telemóvel não pára de tocar, essa chamada foi o suficiente para alterar toda a sua agenda para os próximos dias.
Um casal de hóspedes, que passara discretamente à porta do São Jorge e se apercebera do evento, queria ver o filme “Anna and The Apocalypse“. Ao telefone, o serviço do hotel disse apenas que eram “dois clientes especiais”. Um deles era mais do que isso, era uma estrela internacional de cinema: James Franco, o protagonista de “127 Horas“, filme para o qual foi nomeado para o Óscar de Melhor Ator. O outro cliente especial era a sua namorada, Isabel Pakzad Passados alguns minutos, o casal estava à porta da sala lisboeta, onde foi recebido pelo ator português, juntamente com os diretores do festival.
“De repente tínhamos um turista de férias em Lisboa, que afinal era um dos atores mais mediáticos de Hollywood. Foi um orgulho ter alguém assim a escolher o MOTELX para o seu programa de sexta-feira à noite”, conta à NiT Tobias Monteiro, que é formado na Escola Profissional de Teatro de Cascais.
Depois de chegar ao São Jorge e de perceber que Leigh Whannell, criador de “Saw” e de “Insidious”, também estava lá (e que a NiT entrevistou), Franco preferiu ver outro filme. O realizador e argumentista australiano era um dos principais convidados do evento, onde deu uma masterclass e apresentou “Upgrade”, filme que James Franco e a namorada fizeram questão de assistir nessa sexta-feira, 7 de setembro. No final da sessão ficaram a falar durante vários minutos com Whannell.
O dia seguinte, sábado, começou cedo, quando o carro da produção do MOTELX estacionou à porta do hotel para apanhar o casal. Dali seguiram para Belém, onde Franco e a namorada quiseram provar os famosos pastéis. A experiência é um trunfo para o guest officer. Por isso, e para fugir da agitação dos turistas, Tobias deixou os dois clientes numa esplanada mais discreta e voltou alguns minutos depois com uma caixa de pastéis quentes.
“Como foi possível?”, perguntou James, que acabara de ver a fila amontoada no passeio. “Usei duas palavras mágicas: James Franco”, respondeu Tobias.
Foi nesta altura que o ator norte-americano recebeu um email do irmão mais novo, Dave Franco (que também é ator e produtor), sobre um casting para o filmes que ambos estão a produzir. Como sabia que Tobias fizera a dobragem da voz de Johnny Depp em “Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton, Franco pediu-lhe para ele ver no telemóvel, de vidro rachado, o casting que o irmão lhe enviara.
“Qual achas melhor? A do meio? É a tua filha”, disse Franco para Tobias Monteiro. A raparida do casting era Lilly Rose Depp, filha de Johnny Depp.
Dali seguiram para Sintra, subiram a pé, os três, até ao Palácio da Pena. Meia hora de caminho para cada lado. Impressionado com a arquitetura árabe de uma fonte, Franco quis ficar por ali alguns minutos sozinho a meditar. Mais tarde apaixonou-se por uma miniatura táctil do palácio e que é uma experiência para os invisuais.
Seguiu-se uma viagem até ao Cabo da Roca e outra de volta para a vila de Sintra, para almoçarem no restaurante Taverna dos Trovadores. O objetivo era petiscarem qualquer coisa, mas acabaram por partilhar três doses consistentes: bacalhau gratinado, bacalhau no forno e perna de peru assado. James Franco bebeu água, como sempre – o ator nunca toca em álcool.
De regresso a Lisboa, pararam ao final da tarde no Cinema São Jorge para ver o filme “Un Coteau dan le Coeur“, onde entra a atriz francesa Vanessa Paradis e que é, por coincidência, a ex-mulher de Johnny Depp e mãe de Lilly Rose Depp.
Por sugestão do hotel, Franco e Pakzad queriam jantar na marisqueira Ramiro e acabar a noite na discoteca Lux, mas o plano não correu bem. Quando pararam o carro decorado com vinis do MOTELX em frente do restaurante na Avenida Almirante Reis, algumas das pessoas que estavam na fila reconheceram James Franco através do vidro e começaram a tirar fotografias ou a filmá-lo. Franco não gostou e gritou para Tobias “go, go, go”. Ele queria continuar a ter um dia calmo e discreto em Lisboa e isso claramente não iria acontecer ali. Em alternativa, foram para outro clássico da cidade: a Bica do Sapato, perto da estação de Santa Apolónia. Desta vez, as doses foram individuais e o americano quis provar o arroz de polvo.
No final da refeição, a segunda parte do programa também caiu por terra. Os dois namorados estavam demasiado cansados para o Lux e preferiram ir dormir para o hotel.
Quem é este acompanhante das celebridades
Tobias Monteiro tem 38 anos e acabou no mês de agosto uma peça no Teatro Experimental de Cascais chamada “Cristo Recrucificado”, com Ruy de Carvalho e João Craveiro. A sua carreira começou de uma forma original. Quando tinha 14 anos participou num programa de televisão da RTP chamado “Pátio da Fama”, apresentado por Diogo Infante, e onde os concorrentes tinham de interpretar cenas famosas do cinema.
“Foi uma espécie de primeiro talent show em Portugal”, conta à NiT o ator, que deverá voltar à televisão brevemente, com a série “Teorias da Conspiração”, inspirada no processo “Operação Marquês”, e no qual interpreta um dos protagonistas da história. Apesar de ser baseada em factos reais, a história não vai usar os nomes dos arguidos.
“É mais uma sugestão. Numa das minhas cenas, por exemplo, recebo no escritório uma caixa de salmonetes, como pagamento de um suborno.”
Depois de se ter mudado aos 14 anos para Lisboa, nunca mais parou de trabalhar: fez teatro, cinema, televisão. Criativo e irrequieto, Tobias encenou peças dentro do Mosteiro da Batalha, Castelo de Leiria e noutros palcos improváveis. É ainda autor de “A Arca dos Contos em Movimento“, com o qual está a concorrer ao Orçamento Participativo, em votação até ao fim deste mês de setembro.
“É um projeto baseado num jogo desenvolvido por uma professora, para ensinar os miúdos das escolas a contarem histórias e interpretá-las: uma carrinha que percorre várias escolas do País que se transforma em palco.”
Tobias Monteiro já tinha trabalhado noutros festivais como guest office coordinator. E até já tinha participado no no MOTELX com uma curta-metragem. Em 2016, durante o Fólio – Festival Internacional Literário de Óbidos, acompanhou o prémio Nobel da Literatura, V.S. Naipaul, durante duas semanas. O escritor, que morreu no passado dia 11 de agosto, não conhecia a obra de Fernando Pessoa e quis saber o que era o fado.
“Já estava bastante debilitado. Todas as manhãs ia ao quarto buscá-lo e levava-o para uma varanda enorme, em frente ao mar. Não era homem de muitas palavras”, conta à NiT.
Naipaul interessou-se sobretudo pela história do fado, a influência da guitarra árabe, da alma saudosista, as mulheres que viam os barcos partirem com maridos e filhos, sem saber se voltavam. Acabaram por ir juntos ao Mosteiro da Batalha e à Biblioteca Joanina de Coimbra.
E quando lhe falou da saudades, o escrito britânico respondeu: “Acabaste de me ensinar uma palavra nova, faltava esta.”
Os dias com o Nobel foram tão especiais que Tobias acabaria por ser convidado para ir passar duas semanas na casa da sua família, no sul de Inglaterra, em feveriro de 2017.
“Tinha-lhe dito que não conhecia a obra dele. Mas quando viajei para lá, comecei a ler ‘O Enigma da Chegada’, talvez a sua obra mais autobiográfica. Foi incrível fazer aquela viagem de comboio pelo sul de Inglaterra, que ele descreve magistralmente. E ofereci-lhe o ‘Livro do Desassossego, de Pessoa’, que ele nunca tinha lido.”