Cinema

“Os Irmãos Sisters” é o filme que os Óscares esqueceram

Crítica: a produção realizada por Jacques Audiard estreou em Portugal a 21 de fevereiro.
Jake Gyllenhaal é uma das estrelas do filme.
80

“Os Irmãos Sisters” é um daqueles projetos com tudo para correr bem à partida. Além de se basear num livro popular e adorado pela crítica, conta com quatro dos melhores atores no ativo e um realizador que ameaça explodir em Hollywood desde o excelente “Um Profeta”. Saiu em 2018 nos Estados Unidos, competindo com o óptimo “A Balada de Buster Scruggs” dos irmãos Coen pela vaga anual de “western de prestígio”, mas acabou por falhar as nomeações para os Óscares de 2019. De uma forma injusta, porque “Os Irmãos Sisters” é melhor filme que alguns dos nomeados e não merece cair no esquecimento.

A história começa com um tiroteio na escuridão, onde nos são apresentados os irmãos que dão o título ao filme. Eli Sisters (John C. Reilly) e Charlie Sisters (Joaquin Phoenix) são dois pistoleiros a soldo em 1851, na época da febre do ouro na Califórnia, que ganham a vida a fazer serviços para Comodoro (Rutger Hauer), um empresário de negócios obscuros. E são muito bons no seu trabalho, com uma reputação letal que os precede. Os irmãos são encarregues de capturar Hermann Kermit Warm (Riz Ahmed), um químico em fuga que terá inventado uma fórmula mágica para descobrir ouro. Viajando uns dias à sua frente está John Morris (Jake Gyllenhaal), que funciona como batedor da empreitada. À medida que a narrativa avança numa espécie de road movie entre o Oregon e a Califórnia, Jake decide trair Comodoro e aliar-se a Hermann, enquanto os irmãos entram num conflito fraternal: o sensível Eli está cansado de tanta violência e aspira a uma vida normal, enquanto que o sempre embriagado Charlie não se consegue imaginar a fazer outra coisa.

As interpretações dos atores principais são de uma competência inatacável, como seria de esperar. Apesar de não haver espaço suficiente para Joaquin Phoenix atingir o nível de outras andanças (como em “O Mestre”, de Paul Thomas Anderson, um dos melhores papéis deste século), o ator partilha uma química fantástica com John C. Reilly, que tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira e é, merecidamente, o coração da narrativa. Do outro lado, Jake Gyllenhaal e Riz Ahmed voltam a trabalhar juntos, depois de terem dividido o ecrã em “Nightcrawler — Repórter na Noite”, e demonstram, mais uma vez, uma consistência impressionante. Em termos técnicos, “Os Irmãos Sisters” é lustroso sem cair na artificialidade e Jacques Audiard confirma o talento enquanto realizador, notando-se um gozo autêntico do francês em trabalhar num western com este elenco.

O filme fica longe dos grandes clássicos de Sergio Leone, John Ford ou Howard Hawks, e aproxima-se mais da sensibilidade comercial de “Silverado” que da elegância de “Imperdoável”, apesar de “Os Irmãos Sisters” também ser uma história sobre o final do velho e violento Oeste e o início da era moderna. O realizador francês assume sem complexos a mitologia dos cowboys e trata as suas personagens e o próprio género com um cuidado genuíno, fazendo por evitar os piscares de olhos de “Django Libertado” e “Os Oito Odiados — The Hateful Eight” —  os westerns cínicos, como lhes chamou Audiard aquando da sua passagem pelo cinema Monumental, a propósito do festival LEFFEST’18 .

Houve uma preocupação em “Os Irmãos Sisters” em fazer bonito, tanto para a Academia como para o público em geral, e que se traduz num filme acessível, a meio caminho entre o drama e a comédia. E é um equilíbrio que acaba por funcionar bem, mas que o afasta das lides mais épicas que o género pode proporcionar. O preço a pagar por essa acessibilidade talvez tenha sido o esquecimento injusto na cerimónia que acontece na madrugada de segunda-feira, 25 de fevereiro, no Dolby Theater. Vale bem, no entanto, a ida ao cinema.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT