Imagine a cozinha de um restaurante de alta gastronomia numa das noites mais ocupadas do ano. E onde tudo aquilo que poderia correr mal corre, de facto, mal. Junte-lhe um único plano — tudo gravado como se se tratasse de uma única cena, sem quaisquer interrupções — e o resultado é um ambiente e estado de espírito tão tenso e cheio de nervos que se torna palpável.
É assim “Ponto de Ebulição”, filme britânico do ano passado que nunca passou pelos cinemas portugueses. Só se estreia esta quinta-feira, 17 de novembro, a partir das 21h30, na televisão nacional — vai poder ver o filme no canal TVCine Top. O projeto do ator tornado realizador Philip Barantini começou por ser uma curta-metragem em 2019, depois expandiu-se para um filme de hora e meia.
Stephen Graham é o grande ator protagonista. Interpreta o chef Andy Jones, que pode muito bem estar a ter vários esgotamentos nervosos em simultâneo. A narrativa começa fora do seu restaurante, quando um atrasado e atarefado Andy fala ao telefone enquanto se encaminha para a sua cozinha pelas ruas de Londres. Do outro lado da chamada está a ex-mulher.
A sua vida familiar está prestes a colapsar e tudo aquilo que Andy desejava era um dia pacato de trabalho. Não é aquilo que vai ter. Quando chega ao restaurante, percebe que dois dos seus funcionários estão a segurar a coisa, muito contra a sua vontade — até porque se trata de um ato cada vez mais recorrente.
De repente, uma inspeção de higiene da ASAE britânica acontece no espaço, e são identificadas falhas. Um cliente racista trata mal uma das empregadas. Faltam ingredientes na cozinha para compor os pratos. Um par de namorados, que estão prestes a tornar-se noivos naquela noite, têm um jantar com uma restrição alimentar da máxima importância. Alguns empregados não estão — há muito tempo, aparentemente — no seu pico de forma e empenho.
O pináculo de tudo isto é a visita de outro chef ao espaço, Alistair Skye, que chega acompanhado de uma importante crítica gastronómica. Skye é uma celebridade no mundo da gastronomia, Andy Jones trabalhou com ele e apresenta uma (muito desconfortável) postura de relativa submissão. Alistair Skye começa com elogios e falinhas mansas, dizendo que não precisa de se preocupar com nada porque está tudo ótimo e o restaurante está a ter sucesso, mas aos poucos vai revelar-se que a sua presença não é assim tão amistosa.
Todos estes fatores contribuem para deixar Andy Jones numa tremenda pilha de nervos. O plano único é o elemento cinematográfico que torna tudo isto numa experiência imersiva, levando o espectador a sentir-se tenso e repleto de nervos ao longo da ação. Por vezes é uma técnica algo pretensiosa que acaba por não conseguir superar-se a si mesma, mas neste caso serve o enredo da melhor forma.
Entre pratos elegantes, tachos fumegantes, papelada burocrática, gritos, palavrões, e sangue, lágrimas e suor, “Ponto de Ebulição” é cinema intenso — e original — que demonstra que não é preciso muito para se conseguir fazer um ótimo filme. As interpretações, claro, são essenciais. E Stephen Graham volta a brilhar, provando mais uma vez que é um dos melhores (e mais subvalorizados) atores da sua geração.
Leia também o artigo sobre o protagonista de “The Bear”, uma das séries do momento, que também se passa num restaurante. Neste caso, a estrela era mais conhecido como um dos miúdos de “Shameless”.
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