Cinema

Prostituiu-se durante 2 anos para escrever um livro — o filme chega agora a Portugal

“Casa do Prazer” é para maiores de 16 anos e baseia-se numa história completamente real.
"Casa do Prazer" estreia nos cinemas.

Emma Becker apresentou-se ao mundo em 2011. Antes, era apenas Emma Durand, uma jovem francesa de classe média, filha de um empresário e de uma psicóloga, com uma licenciatura em Literatura. A partir daquele momento, porém, assumiu-se Becker — adaptando o nome de família da sua avó alemã, Pannebecker — e afirmou-se como escritora.

O seu primeiro livro era um romance erótico chamado “Mr. It”, baseado nas suas experiências reais. Retratava uma relação entre uma jovem estudante e um homem mais velho e casado. Eventualmente, a autora mudou-se para Berlim, onde também tinha família, e trabalhou no seu segundo livro, a história fictícia de “Alice”. Entretanto, teve também um filho.

Contudo, a narrativa que agora lhe contamos tem a ver com a sua terceira obra, “Casa do Prazer”. Publicado em 2019, o livro relata a vida das mulheres de La Maison, uma casa de alterne da capital alemã. Tal como tinha feito no seu primeiro trabalho, inspirou-se nas suas próprias vivências. Ou seja, Emma Becker foi prostituta durante mais de dois anos para poder escrever este livro. Em Portugal, a edição da Casa das Letras foi lançada em 2021 e está disponível por 16,90€.

A adaptação desta história chegou aos cinemas a 20 de abril. Realizado por Anissa Bonnefont, conta como Emma, uma jovem escritora francesa, decidiu entrar num bordel para conhecer e compreender o mundo da prostituição. Ao tornar-se numa das mulheres que lá trabalhavam, a experiência que deveria durar apenas algumas semanas acabou por se estender dois anos. “Terá sido o livro uma mera desculpa para Emma viver uma fantasia difícil de admitir na nossa sociedade?”, questiona a sinopse do filme, que só pode ser visto por maiores de 16 anos. Veja o trailer.

“Pensei que não haveria qualquer benefício em ficar de fora. Podes falar com prostitutas, mas, enquanto mulher, não vais saber o impacto real daquele trabalho no teu corpo, na tua alma. E para escrever um livro honesto sobre o assunto era justo que tivesse de trabalhar para me tornar numa delas e descrever a minha ascensão neste mundo”, explicou Emma Becker numa entrevista à “France 24”.

Em Berlim, a prostituição é legal e Emma Becker descobriu que as mulheres tinham mais poder do que pensava inicialmente. Podiam sempre dizer não e assegurar que existia consentimento em todos os atos. Descobriu aquele espaço quando e cruzou com ele durante um passeio. Candidatou-se através de um email, e posteriormente, foi entrevistada sobre as suas motivações.

“As dinâmicas de poder não são aquelas que esperarias encontrar num bordel. Na maioria das vezes, naquela casa em particular, as mulheres sentiam que tinham poder. Não importava que os homens estivessem a pagar, eles não detinham o poder. Ali, a dinâmica de poder era invertida e foi uma experiência sobre feminilidade, muito mais do que prostituição. No livro falo de desejo e como as mulheres o podem ver e sentir”, explica. “O bordel é apenas uma caricatura para as dinâmicas entre homens e mulheres.”

Questionada pelo entrevistador sobre se não foi “demasiado longe”, Emma Becker respondeu que aquela é a “realidade de muitas mulheres e homens”. “Queria mostrar que a prostituição não é apenas uma espécie de escravidão. Que também existe, claro. Mas a prostituição é mais do que isso. E temos de ouvir as pessoas que assumem fazer este trabalho e que até estão orgulhosas dele.”

E acrescentou: “Esta casa prova que é possível tornar a prostituição numa espécie de trabalho normal, com condições decentes para as mulheres. Não estou a tentar pregar a favor da prostituição. Mas quero mostrar que, enquanto for ilegal, tudo será pior para todos. E se a tornarmos legal, estes sítios poderão ser criados por mulheres para mulheres e toda a gente poderá ter melhores condições de trabalho. Não considero que o sexo seja a parte principal do trabalho. O sexo num bordel é bastante conjugal. O interessante é o que se passa antes e depois, as dinâmicas do desejo. O objetivo era escrever sobre as mulheres, sobre esta comunidade em particular, sobre o tempo que passam à espera dos clientes. E fiquei surpreendida ao descobrir um sentido de irmandade neste contexto”.

Noutra entrevista, Emma Becker explicou ainda que, muitas vezes, a prostituição é uma escolha financeira. No caso dela, poderia só trabalhar dois dias por semana e ter um salário idêntico ao de um trabalho normal a tempo inteiro. Assim tinha até mais tempo para passar com o filho. E admitiu ter tido uma experiência “extremamente confortável”.

“Era uma agência bastante agradável. Cuidavam de mim e davam-me muita atenção. E, acima de tudo, havia uma regra: se não queres trabalhar, não tens de o fazer. Podes sempre ir para casa. Não me sentia uma puta, mas uma artista”, disse, antes de comparar o trabalho sexual aos contactos estabelecidos em apps de encontros. “Quando és mulher, és tratada como uma puta no Tinder, só que ninguém te paga. Por isso, para mim, foi fácil trabalhar como prostituta. Os homens agem sempre como clientes, seja como for.”

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