Foi apenas um insignificante arrufo no trânsito como outro qualquer que despertou a ira de Russell Crowe. Uma buzinadela bastou para lançar a sua nova personagem num perigoso caso de fúria ao volante no seu mais recente “Em Fúria”. É apenas um filme, dirão. A verdade é que apesar da faceta mais simpática que o ator tem promovido nos últimos anos, ele foi em tempos o mais temível bad boy de Hollywood.
O thriller que chega aos cinemas esta quarta-feira, 9 de setembro, acompanha a espiral de loucura do protagonista, enraivecido por uma buzinadela num semáforo. No outro carro estava Rachel (Caren Pistorius), que acabou por recusar pedir desculpa quando confrontada pela personagem de Crowe que nem sequer tem direito a um nome. A recusa foi a desculpa perfeita para este homem instável se lançar numa perseguição doentia e violenta.
“Eu sou a raiva para lá do limite do bom-senso”, garante a personagem. E se há alguém que percebe do assunto, é mesmo Crowe. Apesar desta qualidade ser uma das grandes forças por detrás do seu último grande sucesso — a interpretação do paranóico e dominador líder da Fox News, Roger Ailes, em “The Loudest Voice” —, o ator de 56 anos tem cultivado uma imagem de homem ponderado, talvez como forma de combater a fama que o precede.
Sempre capaz de enaltecer diferentes papéis com destreza — brilhou em filmes românticos, dramas históricos, pura ação e até na comédia —, continua a ser uma das figuras mais bem-amadas no seu país, a Austrália. Por bons motivos.
Em 2018 leiloou a coquilha que usou em “Cinderella Man”, comprada pelo apresentador John Oliver do “Last Week Tonight”, que a doou à última Blockbuster aberta no estado longínquo do Alasca. Crowe respondeu e usou os mais de sete mil euros para financiar uma ala de tratamento de koalas com clamídia num zoológico australiano, apenas com uma condição: o centro de tratamento de infeções sexualmente transmissíveis nestes animais teria que ter o nome de John Oliver à entrada. Assim foi.
Contudo, a boa-disposição não foi, de todo, a característica pela qual Crowe ficou conhecido. A propensão para os ataques de raiva e uso frequente dos punhos era de tal forma conhecida que motivou uma paródia em “South Park”, onde a sua personagem viaja pelo mundo à procura de mais uma boa sessão de pancadaria — e nem os pacientes de cancro escapam.
Questionada a sua opinião sobre a paródia durante o programa “60 Minutos”, confessou que achou tudo “engraçado”, mas que também encontrou outro significado: “Se há algo que posso tirar disto e aprender, é esta analogia. Foi mesmo tudo uma luta, toda a minha carreira foi uma luta. Eu nasci em Wellington, na Nova Zelândia e agora estamos aqui a falar no The Pierre Hotel, em Nova Iorque. É um longo caminho.”
Nem o seu maior papel ficou livre de algumas tempestades. As indecisões e alterações no guião final irritaram-no profundamente e, nos primeiros dias de filmagens, fez questão de dar o recado ao argumentista William Nicholson: “As tuas falas são lixo, mas eu sou o maior ator em todo o mundo e até eu consigo fazer com que este lixo soe bem”.
“E a coisa engraçada no meio disto tudo é que é verdade. Ok, as falas não eram lixo e ele foi um pouco agressivo, mas é um grande ator, por isso as ocasionais tiradas arrogantes não me incomodaram”, revelou Nicholson.
Ao longo dos anos, foram muitos os que puderam experienciar a fúria de Crowe na fila da frente. “É o ator mais mal-educado que já conheci”, revelou Geoffrey Wright, realizador do seu filme de 1992, “Romper Stomper”.
Aliás, a sua carreira começou logo envolvida em polémica — e apesar do temperamento difícil ter por vezes ameaçado arruinar todas as chances de chegar e manter-se na elite de Hollywood, a verdade é que Crowe perdurou.
A cabeçada merecida
Com apenas 24 anos, Crowe era um jovem ator que havia conquistado um lugar no elenco do musical “Blood Brothers”. Os problemas de bastidores não transpareciam em palco, mas o australiano tinha um problema por resolver com um colega.
Durante a peça, Crowe tinha que manusear uma arma de fogo, algo que fazia de forma atabalhoada, revelou anos mais tarde Cousens. Russell tinha que atirar a arma para o outro lado do palco e, sempre que o fazia, acertava em Cousens. A atitude passivo-agressiva terá durado várias semanas, até que a discussão rebentou.
“Isto aconteceu durante várias semanas até que me fartei. Numa sexta-feira à noite, depois do espetáculo, entrei no camarim dele e disse-lhe que era um amador arrogante. Chamei-lhe todos os nomes de que me lembrei e ele deu me uma cabeçada na cara. A besta partiu-me o nariz”, revelou ao “The Age”.
Em 2006, foi a vez de Crowe revelar a sua versão: “Sim [dei-lhe uma cabeçada]. Ele estava a gritar comigo, insultou-me de tudo. O resto do elenco estava a segurar-me os braços. A cabeça era a única coisa com que lhe podia bater e ele mereceu”, recordou ao “60 Minutos”.
Socos, cuspidelas e uma extorsão
O papel de Maximus em “Gladiador” tornou-o num estrela mundialmente reconhecida, muito graças aos cinco Óscares, um deles entregues a Crowe pela interpretação. A fama tornou mais um deslize numa oportunidade — e mais uma polémica sumarenta, desta vez a primeira da nova estrela de Hollywood.
Um ano antes do lançamento do filme, o ator envolveu-se numa luta durante uma visita à Austrália, onde terá agredido três homens. A cena de pancadaria terá ficado gravada e as imagens terão caído nas mãos de dois homens.
Num processo avançado por Crowe, ambos foram acusados de tentar extorquir dinheiro em troca da não divulgação do vídeo. Apesar da ida a tribunal, o caso foi arquivado por falta de provas.
Nas imagens que duram cerca de 24 minutos, Crowe terá soqueado e cuspido na direção das vítimas, sendo que terá ainda dado uma cabeçada a um dos arguidos no processo.
À solta em Londres
Não há nada que retrate na perfeição uma celebridade fora de controlo do que um incidente numa gala. Foi precisamente isso que Crowe protagonizou em 2002, durante a cerimónia dos BAFTA, em Londres.
O ator subiu ao palco para receber o prémio de Melhor Ator pelo papel em “Uma Mente Brilhante”. No bolso trazia um discurso cuidadosamente preparado e que terminaria com um poema dedicado ao ator Richard Harris, que à época estava gravemente doente.
O discurso durou demasiado tempo e a BBC tomou a decisão de o cortar na emissão que foi para o ar. Crowe apercebeu-se e perdeu a paciência. Ao cruzar-se com o produtor Malcolm Gerrie na festa pós-gala, não ficou quieto. Empurrou-o no peito de forma agressiva e gritou: “Seu monte de merda. Vou fazer questão de garantir que nunca terás trabalho em Hollywood”.
O escândalo ganhou proporções internacionais e ameaçou manchar os Óscares desse ano — Crowe estava nomeado mas acabou por perder para Denzel Washington, apesar do filme ter sido bem-sucedido na gala —, embora Crowe não se tenha mostrado minimamente arrependido.
“[O Malcolm Gerrie] não ficou com nódoas negras, não ficou magoado, mas tenho a certeza que os ouvidos ainda estão a tilintar. Sinto poucos remorsos sobre o que lhe disse, embora a esta distância, percebo que talvez tenha sido mais acalorado do que pretendia. Não sinto que tenha que pedir desculpas. Acredito em tudo o que disse.”
Essa viagem fatídica a Londres ficou marcada por outros incidentes. Num talk show onde era convidado ao lado de Cate Blanchett e Kylie Minogue, o ator terá recusado ser entrevistado ao mesmo tempo e no mesmo sofá, o que obrigou o programa a alterar toda a sua agenda.
Dias antes, foi convidado a receber um prémio de uma organização de caridade. Ao saber que o vencedor do ano anterior foi a atriz britânica Joan Collins, terá dito: “Joan Collins? Podem enviar o coração prateado no cu”.
Calma, há mais. Nesse mesmo ano, Crowe voltou a Londres para espalhar o caos num restaurante num cenário que, revelou uma das testemunhas, “parecia diretamente saído de ‘Viram-se Gregos Para Casar’”.
Durante um jantar num dos restaurantes mais conceituados da cidade, Crowe envolveu-se numa discussão na casa de banho. Do outro lado estava Eric Watson, seu compatriota e dono da equipa de rugby New Zealand Warriors.
A confusão descambou e continuou no bar, com um Crowe “completamente fora de controlo”. Voaram pratos, talheres e insultos. Desta vez, segundo os relatos da época, o ator acabou mesmo dominado e imobilizado no chão. A polícia chegou a ser chamada, mas não registou qualquer ocorrência.
Profissão: pugilista
A luta de Londres poderia ser já um indício do que estava para vir na sua carreira, ele que preparava as gravações de “Cinderella Man” (2005), onde iria interpretar o pugilista James Braddock. Parecia ser o papel perfeito para o neo-zelandes. Ou era?
Encerradas as gravações do dia, Crowe e outros membros do elenco juntaram-se para uma pequena festa no set. Entre uma e outra bebida e alguma conversa, Crowe foi abordado pelo seu guarda-costas, Mark Carroll. O antigo jogador de rugby terá reparado na conversa mais animada do ator com uma mulher e avisou-o de que outros estariam a comentar a situação — até porque era um homem casado.
“O desentendimento aconteceu quando o Spud [alcunha de Carroll] me disse o que achava da reação que os outros estavam a ter relativamente à minha conversa. Achei que ele me estava a acusar de algo e fiquei ofendido. Ele só estava a contar-me o que os outros achavam e eu abati o mensageiro”, revelou numa carta enviada à imprensa. A luta com o guarda-costas deixou marcas que tiveram que ser disfarçadas com maquilhagem, para que fosse possível gravas as restantes cenas do filme.
Na sua própria versão tornada pública, Carroll negou que Crowe lhe tivesse mordido a orelha: “Ele deu-me umas trincas no peito — a certa altura eu estava a tentar sufocá-lo, por isso entendo a reação. Quanto a chamarem ao incidente uma luta, acreditem em mim, já fiz muitos mais estragos a outros durante jogos de rubgy entre amigos”.
O telefone voador
O período turbulento da vida de Russell Crowe teve o seu ponto mais alto (ou mais baixo) às quatro da madrugada, na entrada do Mercer Hotel, em Nova Iorque. O luxuoso hotel era a casa temporária da estrela, que ocupava uma das suites cujo preço ronda os mais de 30 mil euros por noite.
Apesar de todo o luxo, Crowe não estava a conseguir fazer uma chamada para a mulher, que estava na sua residência australiana. O problema teve que ser resolvido na receção, depois de várias tentativas frustradas de solucionar a questão sem sair do quarto.
Foi lá que Nestor Estrada, então com 28 anos, se deparou com um Russell Crowe alegadamente “agastado pela atitude provocatória” do rececionista, revelou o representante do ator à época. Irritado com a situação, pegou no telefone e atirou-o na direção de Estrada, que foi atingido na cara e acabou por ficar com um golpe no olho. A polícia foi chamada e o ator, já com as algemas colocadas nos pulsos, foi detido.
“Foda-se, desculpem. Eu não queria acertar no gajo, só queria que a merda do telefone funcionasse”, terá dito o ator às autoridades. Como é habitual, não se livrou de ser exibido pela polícia, devidamente algemado, perante as câmaras, sedentas de mais imagens.
O ator acabou por assumir a culpa e chegar a um acordo extra-judicial com o rececionista, que terá recebido centenas de milhares de euros como compensação.
Ainda assim, e apesar da assunção de culpa, Crowe mostrou-se pouco arrependido. “Tratou-se de um incidente muito, muito pequeno, que foi transformado numa coisa escandalosa. Houve mais violência na minha exibição perante os média do que qualquer coisa que eu tenha feito. Foi algo que me afetou psicologicamente”, revelou numa entrevista, anos mais tarde.
Quando em 2006 foi questionado sobre se tinha mau feitio, a resposta foi esclarecedora. “Oh, sim. Absolutamente. Eu tenho mau feitio, a minha mãe também, tal como o meu irmão. Tens que ter. Sabes o que é que acontece quando não o tens? Um dia estas a descer a rua e pumba. Ficas ali estendido porque passaste aquele tempo todo a conter e a guardar toda esta merda”, respondeu. É um homem com problemas em conter a raiva? “Não”, atirou. A conclusão é simples: peça sempre desculpa a Russell Crowe.