A saga de videojogos de “Uncharted”, que começou em 2007 na PlayStation 3, é uma das mais populares dos últimos anos. Os diversos jogos foram muito bem recebidos pelo grande público mas também pelos gamers e crítica especializada.
Em 2020, começaram as gravações da adaptação de “Uncharted” aos cinemas. O resultado pode ser conhecido nas salas portuguesas a partir desta quinta-feira, 17 de fevereiro. Trata-se de uma prequela que se centra nas origens de Nathan Drake, que foi recrutado por Victor “Sully” Sullivan para recuperar uma enorme fortuna.
Realizado por Ruben Fleischer, o filme junta atores como Tom Holland, Mark Wahlberg, Antonio Banderas, Pilou Asbæk, Sophia Ali, Rudy Pankow ou Tati Gabrielle. Na lista encontra-se ainda o português David Chan Cordeiro, duplo profissional que faz uma pequena participação na história.
A cena em que entra, explica o próprio à NiT, é uma sequência de ação onde interpreta um mercenário. Ele luta com o protagonista Nathan Drake, a personagem de Tom Holland, mas na verdade a grande maioria das cenas foram gravadas com o duplo do ator. Na montagem, esta sequência foi reduzida substancialmente.
“A gente aparece e matam-nos logo, mas acontece”, explica David Chan Cordeiro, que foi contratado como stunt performer e stunt rigger para este projeto. “Eles pediram especificamente que tivesses habilidades de lutar e de montar os cabos que penduram os atores.”
Além das suas habilidades e contactos na indústria, David Chan Cordeiro tinha uma característica muito importante: um “look asiático”. O duplo, natural de Portimão, é filho de mãe chinesa e pai português. “Não há assim muita oferta na Europa, de pessoas com o meu look e os meus skills, então foi o alinhar dos planetas, quando a sorte encontra a oportunidade.”
David Chan Cordeiro esteve entre sete e oito semanas a trabalhar no set de “Uncharted”, em setembro e outubro de 2020. “No momento em que me convidaram estava a fazer ‘Glória’, para a Netflix. Então ausentei-me, informei os produtores, deixei uma equipa em stand-by e fui para Berlim.”
Na narrativa, interpretava um mercenário unidimensional, sem história de contexto. “Adorava poder dizer que tenho uma backstory, que tenho uma família, mas era só mais um mercenário [risos]. Aliás, acho que era o mercenário 17 ou 18 na folha de serviço. Curiosamente, o meu papel foi crescendo, foi ganhando mais ações. Eu só estava pendurado numa corda, mas depois já queriam que eu disparasse contra o ator. E a seguir queriam que eu lutasse com o ator. Ainda cheguei a ter um momento de interação com o Tom Holland.” Contudo, grande parte foi cortada na edição.
Atrás das câmaras, teve de preparar inúmeros cabos no set de gravações, que servem para os atores estarem pendurados e conseguirem fazer determinados movimentos. “Nunca tinha visto um set-up daqueles em termos de cabos. Eram centenas de cabos pendurados, já não conseguias ver qual era a linha que ia dar aonde. Éramos para aí uns 20 riggers só naquela sequência e eles ainda estavam a tentar arranjar mais pessoas.”
O duplo, que já trabalhou nalguns projetos internacionais, diz que foi o filme com maior escala e orçamento em que já participou. E isso notava-se nos métodos de trabalho. “Neste projeto, a pressão que tinham às costas para fazer com que fosse fiel ao jogo era tanta que não há ali muita margem para erro. O erro não é muito tolerado. E isso faz com que toda a gente esteja super atento, não há cá conversas, não há pessoas distraídas. Ainda mais quando o ator chegava: estava tudo caladinho, em sentido, como se fosse um pelotão militar.”
A dimensão também era enorme. “Chegavas ao set e vias um navio assente sobre hidráulicas, a vários metros de altura. As hidráulicas simulam o balançar do navio, são toneladas de peso, com 200 pessoas à volta, para onde quer que olhes só vês chroma azul. Esta escala nunca tinha presenciado. Foi o maior projeto que já fiz até hoje em termos de orçamento. Já posso riscar isto da minha checklist.”
David Chan Cordeiro nunca jogou os jogos de “Uncharted”, mas conhecia a saga. “Deixei de ser um gamer há vários anos. O máximo que conheço deste universo, o mais próximo, seria o ‘Tomb Raider’, mas conheço este tipo de jogo. Ouvi falar muito bem do ‘Uncharted’. Aliás, quando os meus colegas souberam, fartaram-se de me fazer perguntas. Conheciam o jogo todo, perguntaram-me se eu era um mercenário da shoreline, eu nem sabia o que isso era.”
Segundo David Chan Cordeiro, os stunt coordinators, que coordenam e definem toda a ação, também não jogaram os jogos. Mas viram centenas de vídeos no YouTube para perceberem a dinâmica. Na equipa estavam pesos pesados como Keir Beck (“Mad Max” ou “O Herói de Hacksaw Ridge”), Wayne Dalglish (“Mulher-Maravilha” e “Thor”), Richard Burden (“O Cavaleiro das Trevas”), Jimmy Chhiu (“Deadpool” e “Free Guy”) e Ryan Hanna (“John Wick” e “Mulan”). “Nunca tinha visto tantos coordenadores num filme: tinha quatro presentes, mais um a realizar, mais outro de lutas, e dos melhores do mundo.”
Todas as pessoas que participaram no filme — como atores, figurantes ou duplos — foram ainda submetidos a um processo inicial numa “câmara escura”. Entravam numa esfera, rodeados de cerca de 100 câmaras DSLR, que tiram fotografias do corpo a 360 graus. Se for caso disso, em pós-produção podem usar efeitos especiais para movimentar de forma artificial determinada personagem.
“Mas também digo: isto não tira o gozo dos filmes pequenos”, acrescenta David Chan Cordeiro. “Porque tens prós e contras: nos filmes mais pequenos não tens tantas pessoas a tomar decisões, por isso se calhar tens mais liberdade criativa. Claro que, naquele projeto, tens dinheiro. Quando eles dizem ‘precisamos de mais X mercenários’ ou ‘precisamos que esta parte seja construída a duplicar’ é só dizerem os prazos e as coisas acontecem.”
Leia ainda o artigo da NiT sobre a história (e carreira) de David Chan Cordeiro, o maior duplo português que trabalha em Hollywood mas também domina o mercado nacional.
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