Liam Neeson não é apenas um durão nos filmes de ação e que, desde a enorme reviravolta na sua carreira, se tornaram numa constante, ao ponto de praticamente estar reduzido ao género e à mesma personagem. Acontece que o caráter violento e vingativo poderá não ser assim tão estranho ao ator.
A verdade é que a história de “Na Terra de Santos e Pecadores”, filme que estreou esta quinta-feira, 22 de agosto, nos cinemas em Portugal, podia muito bem ser a sua. O filme leva-nos até à Irlanda da década de 1970.
Decidido a deixar para trás o seu passado sombrio, Finbar Murphy (Neeson) mantém um estilo de vida tranquilo na pacata cidade costeira de Glen Colm Cille, longe da violência política que assola o resto do país. A chegada de um perigoso grupo de terroristas, liderado por uma implacável mulher chamada Doireann (Kerry Condon), leva Finbar a aperceber-se de que um deles abusa de uma menina da zona. Lançado num jogo de gato e rato que se torna cada vez mais cruel, Finbar é obrigado a optar entre expor a sua identidade secreta ou defender os seus amigos e vizinhos.
O caso de abuso que marca o filme é uma questão muito pessoal para Liam Neeson, de 72 anos. Em 2019, contou numa entrevista ao “The Independent” que, após voltar do estrangeiro para a Irlanda do Norte, onde nasceu e cresceu, descobriu que uma amiga próxima tinha sido violada.
“Ela lidou com a situação de uma forma extraordinária”, contou. “Perguntei se ela sabia quem o tinha feito, mas não. Perguntei de que cor era, ela disse-me que tinha sido um homem negro.”
Foi a premissa para o ator começar a própria jornada de vingança, sem câmaras, luzes ou técnicos à sua volta. “Fui para as zonas com maiores comunidades de negros com um bastão, na esperança de que fosse abordado por alguém — e tenho vergonha de dizer isto — e fi-lo durante uma semana”, explicou.
“Tinha a esperança de que um ‘sacana negro’ [Neeson fez o sinal de aspas com os dedos durante a entrevista] saísse de um pub e me provocasse ou confrontasse com algo, sabes? Para que eu o pudesse matar.”
“Demorei uma semana, talvez uma semana e meia, para ultrapassar isso. Ela perguntava-me onde eu ia, eu dizia que ia só dar uma volta. Dizia que não se passava nada de mal. Foi horrível e é horrível pensar que eu tenha feito isso. Nunca admiti isto.”
Liam Neeson diz que esta experiência perturbadora fez com que tenha aprendido uma lição sobre vingança — e que o conceito sempre esteve presente e associado aos conflitos na Irlanda do Norte. “Cresci na Irlanda do Norte durante os ‘troubles’ e conheci alguns tipos que morreram de greve de fome. E tinha amigos que estavam bastante envolvidos nos conflitos e compreendo essa necessidade de vingança. Só que isso só gera mais vingança e mais mortes. Tudo o que se está a passar no mundo, a violência, prova isso. Mas eu entendo essa necessidade primitiva.”
A revelação teve consequências. Na altura em que contou o episódio estava a divulgar “Vingança Perfeita”, lançado em 2019. A habitual red carpet da estreia foi cancelada e Neeson recebeu inúmeras ofensas nas redes sociais. Os fãs pediram que fosse cancelado e ostracizado de Hollywood.
Liam Neeson, que recusou mais tarde aprofundar a história quando o “The Independent” lhe pediu, foi de propósito ao programa “Good Morning America”, do canal ABC, para tentar explicar novamente o desejo visceral e primitivo de vingança que sentiu. Pelo meio, garantiu que não era racista.
“Não sou racista. Chocou-me e magoou-me, tentei procurar ajuda, fui ver um padre”, disse o ator. “Por sorte não houve violência nenhuma.” O norte-irlandês explicou ainda que caso a mulher tivesse sido atacada por um homem branco, ele teria tido a mesma reação.
O dia em que deu um soco a um aluno
Antes de serem grandes estrelas do cinema, muitos atores e atrizes tiveram empregos ditos normais (mais banais, pelo menos). Liam Neeson teve uma breve carreira como professor — que acabou de maneira dramática.
“Tentei ser professor e foi o emprego mais difícil que alguma vez tive”, começou por contar em entrevista à “ESPN” em 2012. Sentiu-se inspirado pelas suas duas irmãs que seguiram aquele percurso profissional. “Reformaram-se após mais de três décadas no ensino. Sinto uma grande admiração por elas. Para mim, era impossível ensinar rapazes e raparigas de 12 e 13 anos. É impossível”, acrescenta.
Quando lhe perguntaram qual tinha sido o dia mais difícil como professor, respondeu que não era fácil apontar apenas um. “Antes de dar uma aula, tinha de acalmar todos os estudantes. Isso era algo necessário, porque eles tinham problemas de disciplina. Havia um miúdo em particular que não parava de distrair os colegas”, começa por contar.
Certo dia, dirigiu-se à secretária do adolescente de 15 anos — que “era enorme”, tanto em altura como largura — e pediu-lhe que saísse da sala e que esperasse lá fora pelos funcionários, para ser levado ao gabinete do diretor. “Quando me apercebo, está-me a apontar uma faca”, recorda. O seu reflexo foi cruel, mas essencial à sua segurança: “Dei-lhe um soco na cara. Sei que não o devia ter feito, mas senti-me ameaçado e precisava de me defender”, comenta.
Acabou por ser despedido na sequência do episódio. Contudo, a experiência continua a marcar o ator, que admite ter sido um momento mais difícil do que aqueles que viveria durante as gravações dos seus inúmeros filmes de ação.
“Foi tudo terrível. Era péssimo professor, mas ainda aguentei dois anos. Ensinava jovens de 11, 12, 13 anos e não só, e eles manipulavam-me facilmente. Não os conseguia controlar, quanto mais educar. Não eram loucos ou selvagens. Eram, simplesmente, mais inteligentes do que eu”, disse a James Corden no seu talk show em 2021.
Foi obrigado a desligar o suporte de vida da mulher
Durante 15 anos, Liam foi casado com a atriz Natasha Richardson. Esta, contudo, acabou por morrer em 2009, quando tinha apenas 45 anos — devido a uma queda fatal enquanto praticava esqui.
Segundo a autópsia, sofreu um traumatismo craniano, e teve morte cerebral pouco depois do impacto. Mesmo assim, ainda esteve ligada às máquinas durante alguns dias. “Eu ia todos os dias ao pé dela e dizia que a amava. Também lhe dizia que não ia recuperar, porque tinha sido uma lesão grave”. contou à “US Weekly” em 2014.
Ambos tinham feito um pacto no passado. Se algum deles ficasse num estado vegetativo, desligariam as fichas. “Estes tubos têm de ir. Ela vai partir. Foi esse o meu primeiro pensamento”, acrescenta.
Apesar de já não estar por cá, Neeson fala com Natasha “todos os dias”, disse durante uma conversa com Conan O’Brien no seu talk show. Da relação nasceram dois filhos: Daniel e Michael.
Este segundo também é ator, e já falou com a NiT sobre o impacto que a morte da mãe teve na sua vida. “Acho que ninguém sabe, na verdade, como lidar com a perda. E por isso é que me identifiquei com o filme: por causa do meu percurso de aceitar o facto de a minha mãe e melhor amiga ter morrido quando eu era novo”, contou enquanto promovia “Regresso a Itália”, onde contracenava com o pai.
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