Cinema
Zac Efron é a estrela do novo filme sobre Ted Bundy (e isso irrita muita gente)
O ator interpreta o serial killer em “Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile”, que estreou no festival de Sundance.
Quando, em 2017, Zac Efron — o menino bonito da Disney que iremos sempre recordar de “High School Musical” — revelou que iria interpretar o serial killer Ted Bundy, vários fãs e críticos ficaram surpreendidos. Era difícil imaginar que aquele ator tão associado a papéis juvenis fosse fazer de um sinistro assassino e violador.
Esse filme, que tem o título “Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile”, estreou finalmente no festival de Sundance este sábado, 26 de janeiro — ao mesmo tempo que foi lançado o primeiro trailer da história na Internet. A curiosidade e a surpresa que existiam deram lugar a algum desconforto, com vários críticos a sugerirem que o filme está a romantizar e a glorificar Ted Bundy.
Para alguns, a irritação talvez tenha chegado com o piscar de olho de Zac Efron virado diretamente para a câmara, que também podemos ver no trailer. Para outros, pode ter sido a banda sonora alegre de rock que tenha tornado tudo aquilo bizarro, como se estivessem a tentar normalizar a história daquele criminoso.
A revista “Vanity Fair” escreve que o magnetismo do ator no filme “é de certa forma um triunfo para Efron”, mas que também “é um problema, que mostra como existe na América uma cultura de serial killers e que o filme não aborda isso o suficiente”.
O site “Daily Beast”, cujo crítico também viu o filme em Sundance, partilha das mesmas preocupações.
“Apesar de haver uma oportunidade, e até uma responsabilidade, para explorar o carisma macabro e a fama que projetaram a tenda à volta do circo de Ted Bund, ‘Extremely Wicked’ não dá nenhum contexto maior, não explora como é que isso se desenrolou nos seus crimes, nem sequer dá mais pormenores sobre Bundy e a sua mente, além do desejo narcisista de ter atenção e do talento para a conseguir.”
O filme realizado por Joe Berlinger mostra um lado da história de Ted Bundy menos sangrento e violento. Baseia-se sobretudo no livro “The Phantom Prince”, escrito pela antiga namorada do assassino, Liz Kloepfer, que assinou a capa sob o nome falso de Elizabeth Kendall. Foi publicado em 1981.
Por isso mesmo, centra-se bastante na perspetiva da namorada e na vida dupla que Bundy era mestre em gerir. Liz sempre quis acreditar que ele fosse inocente mas acabou por não conseguir. Foi ela quem denunciou Bundy à polícia nos anos 70.
Zac Efron hesitou em aceitar quando lhe ofereceram o papel. “Inicialmente, tive algumas reservas em interpretar um serial killer”, explicou o ator numa entrevista à revista “Variety”. “Já vi pessoas a fazerem filmes de horror e parece difícil separares-te da imagem com que ficas.”
A verdade é que o filme não tem esse tom. Apesar de Ted Bundy ter assassinado pelo menos 36 mulheres (o número verdadeiro é desconhecido), no filme só se assiste a um ou dois crimes. “Pensei que fosse uma forma interessante de contar a história, de transformar este género de filme”, comentou o realizador Joe Berlinger com a “Variety”. “Não estamos com o Ted quando ele faz os assassinatos.”
Uma grande característica deste serial killer — e que explica o porquê de terem convidado Zac Efron para o papel — é que Ted Bundy tinha um carisma enorme. Esteve envolvido em campanhas políticas, estava prestes a terminar a licenciatura em Direito quando foi preso pela primeira vez e, por isso, era um ótimo orador.
À medida que o mediatismo à volta do caso começou a crescer, o assassino tornou-se um sex symbol. Foi uma das primeiras ocasiões em que dezenas de câmaras de televisão invadiram o tribunal durante um julgamento; e Ted Bundy liderou a sua equipa de advogados, ou seja: representou-se a ele próprio, interrogando testemunhas e tudo.
Na prisão, recebia com frequência cartas de amor e havia jovens mulheres que estavam atraídas pela sua personalidade — iam às sessões do julgamento só para poderem estar perto dele e passavam recados escritos à mão através de uma das suas advogadas.
Por outro lado, a família, as pessoas que conheciam Ted Bundy da faculdade, dos empregos que teve ou na igreja Mórmon a que se juntou em Salt Lake City, não acreditavam de todo que ele fosse capaz de cometer aqueles crimes horríveis. O seu modus operandi era bastante cruel.
Os alvos eram sempre raparigas jovens, normalmente entre os 18 e os 21 anos, que desapareciam na rua ou nos seus quartos. Várias delas eram encontradas meses depois em matas ou nas montanhas, já esqueletos (os animais ajudavam a eliminar provas), violadas e várias vezes mutiladas. Bundy fingia que precisava de ajuda para levar as vítimas para locais isolados, passava por agente da autoridade ou usava — lá está — o carisma para as convencer de que tudo estava bem e que nada lhes iria acontecer se fossem com ele.
A própria Netflix já disse no Twitter para que os fãs parassem de falar sobre o bom aspeto deste serial killer.
Joe Berlinger, o realizador deste filme — que ainda não tem data de estreia nos cinemas americanos e muito menos em Portugal — também é o responsável pela nova série documental da Netflix sobre o assassino. “Conversations with a Killer: the Ted Bundy Tapes” estreou na plataforma de streaming a 24 de janeiro. Esse projeto conta toda a história do criminoso, com múltiplas entrevistas — incluindo ao assassino protagonista — e claro que ajudou o realizador a preparar este filme.
Zac Efron no filme e o verdadeiro Ted Bundy.
Berlinger gostou da ideia de subverter o estatuto de estrela de Zac Efron ao transformá-lo num serial killer tenebroso. “Ele tem 37 milhões de seguidores no Instagram e é um dos maiores galãs para uma certa faixa etária de raparigas. Como a personagem de Bundy está envolta nesta aura de sex appeal e charme, quis subverter o próprio sex appeal e charme do Zac Efron.”
Apesar das hesitações iniciais, não demorou muito até Zac Efron aceitar o papel. Joe Berlinger contou à mesma revista americana que ia viajar para África para gravar um documentário sobre surf. “Eu ia descolar no aeroporto JFK [em Nova Iorque], os meus agentes perguntaram-me o que eu achava do Zac. Eu disse que sim, mas pensei que seria o primeiro de oito mil passos que teríamos de dar.”
Quando aterrou, na Namíbia, Joe Berlinger tinha uma mensagem a dizer que Zac Efron queria falar com ele ao telefone sobre o projeto. Depois de algumas negociações e de perceber o tom do filme, o ator acabou por aceitar.
As vidas de Ted e Zac
Ted Bundy, que nasceu em Burlington, em Vermont, nos EUA, em 1946, conheceu a namorada, Liz Kloepfer, em 1969. Tinha 23 anos. Dez anos depois, seria condenado na Flórida por dois homicídios, três tentativas de assassinato e dois crimes de roubo. E ainda estava longe de ser condenado por todos os outros crimes. Zachary Efron, que interpreta a personagem ao longo dos anos 70, tem atualmente 31 anos. Nasceu em San Luis Obispo, na Califórnia, em 1987. O ator tinha dois anos de idade quando Ted Bundy foi condenado à morte na cadeira elétrica.
Ambos partilham o carisma e o facto de serem sex symbols. Zac Efron já reconheceu que tem várias parecenças com o serial killer que interpretou. “Eu e o Ted temos vários maneirismos em comum. Ele é um pouco tímido. Sabe falar bem, mas esconde a ansiedade com um certo sorriso.”
Também existiam várias parecenças físicas. Apesar de Zac Efron ter usado uma dentadura falsa no filme para ficar mais parecido com Bundy, o ator diz que os dentes superiores eram bastante parecidos com os do assassino. Quem já viu a série documental da Netflix sabe o quão importante é este detalhe: uma das provas em julgamento contra Ted Bundy foram as marcas de dentes que ele deixara num dos corpos de uma vítima — e ele tinha uns dentes num formato bastante peculiar, tal como disseram os especialistas forenses na altura.
Para estudar a sua personagem, Zac Efron viu os vídeos do julgamento em que Ted Bundy age como o próprio advogado. Foi ainda falar com pessoas que conheceram o verdadeiro Bundy. “Muitas delas estavam chocadas”, explicou o ator. “Não conseguiam acreditar que um indivíduo tão calmo, sorridente, esperto e simpático fosse o responsável por aqueles crimes horrendos. E isso torna-o ainda mais fascinante, porque de facto ele era adorado por quase toda a gente à sua volta. Até os outros reclusos gostaram de conhecer o Ted Bundy na prisão.”
Efron explicou que estava ciente da linha ténue entre interpretar este serial killer e glorificá-lo. “Senti a responsabilidade de garantir que este filme não fosse uma celebração do Ted Bundy. Ou uma glorificação dele. Definitivamente foi um estudo psicológico de quem esta pessoa foi.”
O ator perdeu algum peso para o papel.
Para ficar mais parecido com a personagem, o ator teve de perder quase seis quilos. Fez exercícios de cardio e virou-se para o ciclismo. “Eu ia para a bicicleta estática todas as manhãs durante uma hora. Via séries como ‘Ozark’. E não podia comer carboidratos. Tive de controlar bastante a minha dieta.”
“Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile” tem ainda no elenco Lily Collins, que interpreta a namorada de Bundy. A atriz de 29 anos e Zac Efron são amigos há vários anos. “Eu costumava fazer reportagens para o Nickelodeon, por isso entrevistei-o há vários anos num evento de passarele laranja [a cor das carpetes das galas juvenis do Nickelodeon]”, disse à “E! News” em Sundance. “Somos amigos desde essa altura e finalmente conseguimos trabalhar juntos.”
Quem também aparece no filme — apesar de ser praticamente um cameo — é James Hetfield, o vocalista dos Metallica que se estreia assim no cinema. Ele conhecia o realizador porque Joe Berlinger foi um dos autores do documentário “Metallica: Some Kind of Monster”, de 2004.
Glorificação ou não, a verdade é que, caso fosse vivo, o narcisista Ted Bundy iria adorar a atenção mediática que vive neste momento — seja na série documental da Netflix ou no filme em que é interpretado por uma estrela como Zac Efron.
Já que estamos a falar de um filme de Sundance, recorde o artigo da NiT sobre o documentário chocante sobre os alegados casos de pedofilia de Michael Jackson que também estreou no festival nos últimos dias.