Música

EU.CLIDES: um dos músicos revelação de Portugal apresenta o seu primeiro álbum

“Declive” tem o perfecionismo da música clássica, o embalo de Cabo Verde, a frescura da eletrónica e a alma do gospel.
EU.CLIDES nasceu em 1996.

Vive em Paris, a capital francesa, mas é um dos músicos mais refrescantes e entusiasmantes da música portuguesa nos últimos anos. Esta sexta-feira, 10 de março — um ano depois de ser considerado o Artista Revelação nos prémios da música portuguesa Play — é lançado o primeiro álbum de EU.CLIDES, “Declive”.

Nascido em 1996 em Cabo Verde, cresceu em Portugal, onde começou desde cedo a envolver-se com música. Em casa tocava guitarra, na igreja via o pai cantar e tocar. Tinha apenas oito anos quando entrou para o conservatório musical em Aveiro para estudar guitarra clássica.

Aos 20 anos, em 2016, mudou-se então para Paris. “Tinha lá um professor que adoro e tinham-me proposto ir estudar com ele. Fi-lo durante cerca de um ano, depois comecei a ter muitos concertos, fui direto para a estrada. Paris é uma cidade muito agitada, com muitas oportunidades, rapidamente comecei a ter trabalho”, conta à NiT.

Trabalhou enquanto guitarrista com alguns dos artistas de hip hop mais célebres de França, com os senegaleses Daara J Family e depois esteve em tour com Mayra Andrade. A multiculturalidade de Paris inspirou-o também a criar o seu próprio projeto. Deixou de tocar com outros artistas, precisava do tempo e da concentração para se focar na própria arte. Entre a alma do gospel, a técnica da música clássica, a frescura eletrónica e a música cabo-verdiana e portuguesa, nasceu EU.CLIDES.

Apresentou na primavera de 2020 o primeiro single, “Terra Mãe”. Um ano depois lançou o seu EP de estreia, “Reservado”, quando também concorreu ao Festival da Canção. Desde o EP que tem vindo a trabalhar neste disco que assume características distintas, embora mantenha a linha musical.

“O EP foi um projeto muito mais ‘Reservado’, para usarmos o nome. Este é um disco muito mais virado para fora. Senti que tinha de pôr experiências pessoais mas ao mesmo tempo tentar criar histórias com que as pessoas se pudessem envolver. E daí existir esta ideia de associar cada história e tema a uma parábola. Uma coisa interessante é que a forma geométrica da parábola tem altos e baixos e o disco tem muito como base essa fase da minha vida. Tentei pegar em vários baixos para construir muitas coisas, o disco serviu quase como terapia. No fundo, todas as histórias que conto têm como base essa ideia de rampa.”

EU.CLIDES descreve o álbum como “dramático” e “meio que triste”, mas admite que também passa uma “ideia de superação”. Trabalhou no projeto com o produtor Pedro da Linha e o letrista TOTA. O processo criativo a três resultou numa “procura mais demorada e pensada”.

“Acaba por ser proveitoso quando tens pessoas que se sabem posicionar e fazer sempre com que a tua música ganhe — tanto do ponto de vista da produção como do ponto de vista lírico. Ou seja, tu ouvires a música e ouvires muito mais EU.CLIDES do que Pedro da Linha e TOTA, mas eles deixaram o ADN deles na mesma. Sei que são pessoas que têm sempre como prioridade pôr a minha música a soar bem e a fazer sentido.”

No disco pressente-se uma abordagem “perfecionista”, que tem muito a ver com o contexto de conservatório com que EU.CLIDES cresceu. “Na música clássica tentas ser o mais preciso e perfecionista possível… Sei lá, eu passava um ano a tocar quatro ou cinco escalas. O objetivo era torná-las cada vez mais perfeitinhas. Agora, a certa altura tens que deixar o disco ir como está, mas sinto que foi da melhor forma possível.”

“Declive” acaba por retratar a sua trajetória na música, quando abdicou de um trabalho a tempo inteiro enquanto guitarrista para outros artistas para se focar no seu próprio projeto — com tudo o que isso implica.

“Estava a viver confortavelmente, a viver o sonho, a viver da música, e a certa altura sacrifiquei tudo pelo meu projeto. Apesar de ser uma atitude louvável, como é óbvio traz muita ansiedade e pressão… Parece que estás a parar a tua vida por uma coisa que pode nem sequer funcionar. Sinto que funcionou, não estou arrependido, mas claro que a nível pessoal trouxe-me situações mais complicadas. Mas tudo faz parte e sinto que é importante colocá-las na arte que fazes. Foi muito terapêutico fazer o disco, não querendo torná-lo numa obra de auto-ajuda [risos].”

EU.CLIDES reconhece que é um álbum de afirmação e sublinha que foi pensado com muita intenção. “Dediquei-me muito a este disco porque queria deixar uma primeira obra importante, queria que fosse um marco. Independentemente de as pessoas ouvirem muito ou não, é um marco na minha história.”

O artista vai atuar no festival Micro Clima, na SMUP – Sociedade Musical União Paredense, a 16 de abril. A 2 de maio, irá apresentar oficialmente “Declive” no Lux Frágil, em Lisboa — e a 2 de junho toca no M.Ou.Co, no Porto. Por agora, apesar de estar a construir uma carreira cada vez mais sólida em Portugal, vê-se a continuar a viver em Paris. Defende que essa distância beneficia a sua música.

“Claro que já pensei vir para Portugal várias vezes, mas sinto que ao estar fora fico mais nostálgico. E pelo facto de estar em Paris, uma cidade tão grande e culturalmente tão rica, dá-me algumas lições de humildade que são cruciais para o projeto que faço. Mas, lá está, eu venho a Portugal a toda a hora. Vivi aqui a minha vida toda, portanto… Por enquanto está a ser benéfico artisticamente sentir saudades e estar num país onde me sinto pequeno. Essa perspetiva acaba por me ajudar, criativamente, e no meu estado de espírito enquanto artista.”

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