Massimo e Laura casaram e embarcaram numa lua de mel de sonho. Ela acompanha-o pelo green, tal qual uma caddy obediente. A jovem polaca parece aborrecida e amassada pelo calor. Massimo agarra no taco e prepara-se para a tacada final quando Laura se atravessa no caminho, rumo à bandeira que assinala o buraco.
Simula uma pequena dança sensual na bandeira transformada em varão improvisado, antes de a retirar do seu sítio. Sentada ao nível da relva verde extremamente bem aparada — conforme se exige num bom green —, Laura aproxima-se do buraco e, sobre ele, afasta a saia e abre as pernas. À sua frente, de taco na mão, Massimo morde os lábios, enquanto ergue o taco que repousava entre as pernas, apenas para soprar ligeiramente no ferro, antes de executar o putt. A bola acerta em cheio no alvo e Laura esboça um esgar de prazer — visivelmente excitada pelo aparente talento do marido para o golfe.
A cena é o corolário do absurdo mundo de “365 Dias”, a saga polaca que saltou para a televisão em 2020 através da Netflix e rapidamente se tornou num caso de sucesso — recorde a crítica da NiT. A culpa reside na fórmula estapafúrdia do erotismo soft, combinado com a típica narrativa de telenovela e uma estética mais próxima do seu primo “As 50 Sombras de Grey”.
A sequela televisiva era inevitável, ou não tivesse a história escrita pela polaca Blanka Lipińska, que decidiu recriar a saga de E. L. James, depois de umas aventureiras férias na Sicília. O resultado? Uma trilogia que desenha um cenário de sol, muitas fantasias sexuais e um bom lote de bonitos sicilianos com uma libido descontrolada. Tudo sob um aroma nauseabundo a pornografia barata e a ocasional (e desnecessária) violência sexual.
Os criadores parecem, contudo, ter aprendido pelo menos uma lição com o primeiro filme: Massimo Torricelli, o protagonista, parece ter refreado o ímpeto de agarrar nas mulheres quando, como e onde queria. Recorde-se que foi ele quem anestesiou e raptou Laura, uma polaca por quem se apaixonou à primeira vista, e que manteve em cativeiro até que se deixasse deslumbrar pelo estilo de vida milionário — e pelos seu físico esculpido.
Num exercício que não deixa elogios a qualquer uma das personagens — ele é a caricatura do macho latino, ela é uma gold digger —, tenta simular-se uma bonita história de amor que termina com um aparente atentado. O primeiro filme deixa-nos em suspense: os rivais de Massimo queriam feri-lo ao matarem a sua mulher, que na última cena desaparece num túnel de onde nunca terá saído.
Eis-nos de volta ao mundo fantástico de Blanka Lipińska, pintado com cenas abaladas por temas pop genéricos e um visual de videoclipe. O estilo é levado a um extremo, ao ponto de “365 Dias: Naquele Dia”, parecer todo um ele um videoclipe com pequenas pausas para (pouco) diálogo e (muito, mesmo muito) sexo.
“Não tenho cuecas”, é a primeira fala entregue a Laura, que afinal não morreu, mas que se prepara cumprir o noivado celebrado no primeiro filme. De vestido de noiva, ainda antes da cerimónia, dá a deixa para que Massimo comece a primeira cena de sexo. Vale a pena contá-las.
São um total de cinco momentos de acasalamento, bem apertados entre os primeiros vinte minutos do filme. Serão pelo menos mais sete até ao final da produção que tem pouco menos de duas horas de duração total — uma honrosa média de uma cena de sexo a cada dez minutos.
Para quê perder tempo com narrativas, sobretudo uma que explique como é que Laura saiu viva do atentado no túnel que aparente a tinha vitimado, quando se pode saltar diretamente para o coito? O salto temporal permitiu também retirar da equação a gravidez de Laura, um aborto provocado pela tentativa de assassinato mal-sucedida.
Na verdade, uma Laura grávida ou a amamentar um recém-nascido seria o maior perigo para a libido de adolescente deste “365 Dias: Naquele Dia”. Assim, resolveu-se o problema sem grandes chatices ou complicações na narrativa.
Laura surge mais confortável no seu papel de mulher de um mafioso, mas igualmente insatisfeita. Se no primeiro filme estava presa contra a sua vontade por um criminoso que queria o seu amor à força, agora vê-se novamente em cativeiro devido ao excesso de zelo de Massimo, que teme que volte a sofrer um novo atentado.
As falas nem sempre são percetíveis e o objetivo parece ser mesmo esse. Os diálogos são propositadamente abafados pelas diferentes canções que poderiam, na verdade, ser apenas uma. As batidas repetem-se, os ritmos também, o sexo igualmente.
As ocasionais tentativas de humor são infantis, tal como o enredo perfeitamente absurdo da sequela, que só começa a ser montado a meio do filme, quando as cenas de sexo se tornaram já apenas um motivo para mais um fast forward.
É preciso deixar uma nota de apreço à visão da Netflix, tantas vezes criticada pela criação de uma opção que permite assistir aos filmes a velocidades mais rápidas. Se eu próprio duvidei do mérito de tal ferramenta, penitencio-me hoje por não ter tido a clarividência de ver nela todo o seu potencial. Fica a dica: “365 Dias: Naquele Dia” é a ocasião perfeita para usar e abusar do pequeno botão.
Claro que não vê-lo, de todo, seria a forma perfeita de evitar atormentar o cérebro com o enredo maquiavélico que esperava Massimo e Laura. A polaca, angustiada, surpreende-se com o surgimento de um atraente jardineiro, musculado, tatuado.
Infeliz com a vida de dondoca, os problemas conjugais criam atrito no casal. Nem a oferta de uma empresa de vestuário — para que se pudesse entreter — parece ter convencido Laura, que acaba por encontrar o marido a traí-la com outra mulher durante uma festa.
Assoberbada, Laura foge e encontra o jardineiro à saída da casa. Ao volante do seu Volvo de luxo, este operário humilde é o galã de que a polaca precisava. O jovem solteiro protege-a na sua moradia de luxo, apresenta-lhe a irmã. É carinhoso, fofinho e, claro, um mentiroso.
É aqui que o enredo se revela em toda a sua patetice. Nacho é, afinal, o filho do líder da família mafiosa rival dos Torricelli. Num plano para retirar do poder o “imprevisível” Massimo, resgataram Laura como forma de o chantagear a entregar o trono ao seu irmão gémeo malvado.
Suscitado apenas numa breve e fugaz conversa entre as diversas cenas de sexo, Massimo foi evasivo, mesmo após revelar que tinha um irmão de que Laura nunca tinha ouvido falar. Afinal, Massimo nunca traiu Laura: quem ela viu no quarto era o seu irmão, Adriano, que era peça-chave de todo plano.
A novela atinge o seu auge de absurdidade nos momentos finais. Com o plano em andamento, o vilão Adriano — para que saibamos distinguir as personagens, Michele Morrone, decidiu adotar todos os tiques de um cocainómano — decide deitar tudo ao ar e raptar Laura. Juntos, Nacho e Massimo, de fatos impecavelmente engomados e aprumados, tentam resgatá-la.
Já sem ideias, os criadores decidem repetir a fórmula dramática do final da primeira parte da trilogia, desta vez um pouco mais gráfica. Laura é alvejada, Adriano e a sua parceira também. O fim? Isso queríamos nós.
Se a cena final não o deixou bem claro, saiba-se que Blanka Lipińska teve o desplante de escrever mais um capítulo que parece até ter irritado os próprios fãs da saga. E ao que tudo indica — a sequela está a arrasar nos tops dos mais vistos na Netflix —, plataforma e produtores terão todos os motivos para o adaptar também à televisão. Será, sem dúvida, mais um hit nos tops para a Netflix, mas igualmente mais um motivo para gastar o dinheiro da subscrição noutra plataforma. 200 mil pessoas não podem estar erradas.