Na terça-feira passada, 15 de junho, o parlamento da Hungria aprovou uma lei que proíbe a “representação” e a “promoção” da homossexualidade e transexualidade junto dos menores de 18 anos — e, por isso, em espaços públicos. A contestação às medidas tomadas tem sido muita, até porque a legislação promete ter um grande impacto no setor da cultura e educação, entre outros.
A lei foi aprovada por 157 deputados, incluindo os do partido no poder, o Fidesz, do primeiro-ministro conservador e nacionalista Viktor Orbán. As medidas que visam a comunidade LGBTQIA+ estavam incluídas num conjunto alargado de legislação de proteção de menores, que inclui ainda medidas de combate à pedofilia — o que terá tornado mais difícil a que certos deputados se opusessem.
Os críticos têm acusado os defensores desta lei de quererem associar a pedofilia à homossexualidade. Na segunda-feira, foi convocada uma manifestação pela Amnistia Internacional, que juntou mais de cinco mil pessoas em Budapeste — na mesma altura que a capital húngara acolhe jogos do Euro 2020.
A Amnistia Internacional acusou a Hungria de “copiar modelos ditatoriais que vão contra os valores europeus“ e declarou que a aprovação da lei é uma “grave restrição” à liberdade de expressão e aos direitos dos cidadãos. Muitos críticos têm comparado esta lei com aquela que foi aprovada na Rússia em 2013, que proíbe a disseminação de “propaganda de relações sexuais não tradicionais” junto dos jovens.
A Comissão Europeia já anunciou que irá investigar a aprovação desta lei, disse Ursula von der Leyen ainda na semana passada. “Muito preocupada sobre a nova lei na Hungria”, escreveu a presidente da Comissão Europeia. “Estamos a averiguar se viola legislação relevante da União Europeia. Acredito numa Europa que acolhe a diversidade, não numa que a esconde das nossas crianças. Ninguém devia ser discriminado com base na sua orientação sexual.”
Várias organizações de direitos civis têm alertado para o facto de o clima de hostilidade em relação à comunidade LGBTQIA+ na Hungria ter aumentado nos últimos anos. Recorde-se de que o próprio Cristiano Ronaldo, no jogo de Portugal contra a Hungria na fase de grupos do Euro 2020, terá sido alvo de insultos homofóbicos por parte de adeptos húngaros nas bancadas. A UEFA comprometeu-se a investigar o incidente.
Em dezembro do ano passado, a Hungria proibiu a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e interditou o registo civil de mudanças de sexo. Desde 2004 que o país é um estado-membro da União Europeia, cuja Carta dos Direitos Fundamentais proíbe qualquer discriminação com base na orientação sexual. Na primavera de 2022, volta a haver eleições legislativas no país. Viktor Orbán é primeiro-ministro desde 2010. Antes já tinha ocupado o cargo: entre 1998 e 2002.
Curiosamente, a Hungria era um dos países mais progressistas da Europa central no que diz respeito a este tema. A homossexualidade foi descriminalizada no início dos anos 60 e a união civil entre pessoas do mesmo sexo passou a ser possível em 1996.
O que está em causa desta vez?
Qualquer “conteúdo” que possa ser pensado para menores de 18 anos não poderá ter referências à homossexualidade ou à transexualidade, nem personagens que se encaixem na comunidade LGBTQIA+, nem sequer elementos simbólicos como uma simples bandeira arco-íris.
“Há conteúdos que as crianças de certa idade podem não compreender da melhor forma, e podem ter um efeito negativo no seu desenvolvimento dada a sua idade, ou que as crianças não consigam simplesmente processar, e que consequentemente poderão confundir os seus valores morais ou a imagem que têm de si ou do mundo”, disse um porta-voz do governo.
Para dar exemplos de como isto poderá alterar significativamente a oferta cultural na Hungria, o canal privado de televisão RTL Klub Hungary, o mais visto do país, realçou que a lei proíbe que menores de 18 anos vejam alguns filmes da saga de “Harry Potter”, “O Diário de Bridget Jones”, “Filadélfia” ou “Billy Eliot”, nos quais há referências à homossexualidade ou existe uma personagem que se encaixe na comunidade LGBTQIA+.
“Séries como ‘Uma Família Muito Moderna’ seriam banidas, assim como alguns episódios de ‘Friends’”, sublinhou ainda a estação de televisão. De acordo com a lei, algumas destas produções poderão continuar a ser exibidas, mas em horários tardios. Porém, muitos detalhes e especificidades não estão ainda definidos — e há uma clara subjetividade no critério para definir o que se trata de conteúdos a proibir ou não a menores.
O canal declarou condenar a homofobia. “Preocupamo-nos que a lei magoe gravemente a liberdade de expressão, os direitos humanos e as liberdades básicas”, escreveu em comunicado. Outras estações, como a HBO, juntaram-se ao protesto.
Os anúncios publicitários também estão incluídos. Por exemplo, o vídeo promocional que a Coca-Cola lançou em 2019, que inclui um casal de homens, deixaria de ter autorização para ser transmitido na Hungria. O mesmo acontece com livros, peças de teatro ou outras vertentes artísticas. Nas escolas, só pessoas autorizadas poderão falar de homossexualidade e de transexualidade.
No início deste ano, o governo húngaro obrigou uma pequena editora a colocar avisos num livro de contos de fada reimaginados, alertando para o facto de conter “comportamentos inconsistentes com papéis de género tradicionais”.
O livro, concebido para promover a tolerância de minorias étnicas e sexuais, contém, por exemplo, uma Cinderela de etnia cigana e uma Branca de Neve lésbica. Viktor Orbán considerou a publicação como um “ato provocativo” que tinha passado os limites. Os críticos dizem que ao longo dos seus mandatos tem havido uma escalada de intolerância face às minorias na Hungria, tanto social como legislativa.