Apague o nome de Kanye West da sua memória. A partir de agora — e de acordo com os tribunais norte-americanos —, o rapper passa a chamar-se simplesmente Ye. A decisão oficial das autoridades americanas chega no seguimento de um pedido oficial feito pelo músico em agosto, na altura justificado pelo próprio por “motivos pessoais”. A explicação pode estar mais atrás, em 2018, ano em que o músico lançou o disco intitulado “Ye” — um título que explicou por ser uma palavra comum na Bíblia.
Esta não é sequer a coisa mais bizarra que West fez nos últimos dias, ele que surgiu no aeroporto JFK, em Nova Iorque, escondido atrás de uma máscara de borracha de cor de pele branca. Um dia depois voltou a usá-la, sentado à mesa numa esplanada, frente a frente com Michael Cohen, homem ligado à comitiva pessoal de Donald Trump.
West não comentou, mas Cohen revelou que o rapper decidiu usar a máscara para ter alguma privacidade e evitar que fosse reconhecido. Não teve grande sucesso — e o insucesso tem, de resto, marcado os últimos anos do artista.
Dizer que a vida de West tem passado por um período turbulento é um eufemismo. A travar um confuso divórcio com a celebridade sempre presente Kim Kardashian — ora aparecem juntos, ora separados, a confundir todos os que acompanham o espetáculo judicial — e a enfrentar críticas pouco simpáticas sobre o seu mais recente disco, “Donda”, o músico de 44 anos dá a sensação de estar sempre a um pequeno passo de um novo escândalo.
Sempre perseguido pelos rumores da instabilidade da sua saúde mental, atirou-se de corpo e alma à produção de “Donda”, cuja reta final antes do lançamento ficou marcada por uma série de loucuras. Entre elas, a residência temporária de West numa sala de um estádio, sob vigilância permanente de uma câmara em livestream.
Criar no meio da loucura
Quando uma figura surgiu no meio das bancadas de uma partida da liga norte-americana de futebol, vestida com calças brilhantes e reluzentes, blusão vermelho vivo e a cabeça tapada com uma meia de nylon, todos se questionaram de quem se tratava. Rapidamente se descobriu que era Kanye West.
O estádio tinha sido palco da primeira listening party do seu novo disco, ainda por lançar. Nessa festa, milhares encheram as bancadas e puderam ouvir as primeiras rimas e batidas dos novíssimos temas. Quando o público se foi embora, West ficou. Não só ficou como pernoitou naquela que iria ser a casa durante as semanas seguintes. Só sairia dali quando tivesse nas mãos o disco que pretendia.

O disco foi finalmente editado a 29 de agosto, após sucessivos adiamentos. Mas durante todo esse processo, meio mundo estava distraído com a implosão do casamento entre West e Kardashian. Depois de em 2020 West ter abordado o possível fim do casamento — isto depois de revelar que o casal havia discutido a possibilidade de recorrer a um aborto durante a gravidez do primeiro filho —, acusou ainda a família Kardashian de o ter tentado “prender”.
A oficialização chegaria apenas em fevereiro de 2021, com a apresentação oficial do pedido por parte de Kim Kardashian. O divórcio avançou e a saúde e o estado mental de Kanye West terão sido alguns dos motivos para o fim da relação.
Foi nesse momento complicado que West se sujeitou ao escrutínio total, entre concertos de audição dos temas inacabados e o exercício voyeurista de se deixar observar através de uma câmara.
A fase final da produção foi acompanhada através das fotos e de ocasionais diretos nas redes sociais. Por vezes sozinho, outras acompanhado de colaboradores, a verdade é que a escolha invulgar reflete um duvidoso estado mental do artista.
Ainda mais estranho: numa das listening parties, a ex-mulher decidiu aparecer nas bancadas. West sabia e dedicou-lhe um dos novos temas que refletia sobre a vida familiar do músico e garantia que Kardashian ainda está apaixonada por si. O músico chegou mesmo a chorar durante a apresentação.
Perante o cenário, muitos questionaram-se se não estaria Kanye West no meio de outra crise de saúde mental, à imagem da que sofreu em 2016 e que o levou a ser internado num hospital psiquiátrico.
Há algo de errado com Ye
Um ano antes, Kanye era fotografado a caminhar sobre a água ao som de um gospel épico com os filhos ao seu lado. A estranha missa dominical, ministrada por um pasto e celebridade de televisão, era já um hábito para a família Kardashian West.
Ao mesmo tempo, o rapper despejava mais de seis milhões de euros numa improvisada — e inútil — campanha eleitoral às presidenciais que nunca teve hipótese de ganhar e onde o seu nome surgiu no boletim em apenas 10 estados.
Entre discussões sobre se o rapper é um génio do marketing ou se precisa de apoio psiquiátrico, a verdade é que ninguém pode negar que é uma máquina bem-oleada de produção de momentos polémicos. O momento mais dramático e revelador terá acontecido em 2016. “Deus fez-me ajoelhar por várias vezes. A primeira vez que aconteceu, pôs-me num hospital em 2016, onde eu comecei realmente a ler a Bíblia”, disse mais tarde sobre o episódio.

A 19 de novembro, durante uma digressão e ao fim de três temas, o rapper lançou-se num monólgo desconexo e quase incompreensível que durou cerca de 15 minutos. Perante uma multidão agastada, atirou-se a Beyoncé, Mark Zuckerberg, Hillary Clinton e Jay-Z — músico com quem estava publicamente de relações cortadas e que nessa noite pediu para lhe ligar.
“Ainda não me ligaste. Jay-Z, eu sei que tens assassinos. Por favor não os mandes contra mim. Por favor, liga-me. Fala comigo como um homem”, disse antes de deixar um recado à imprensa: “Preparem-se para um dia em cheio, preparem-se porque o espetáculo terminou”. O concerto agendado para o dia seguinte acabou por ser cancelado a quatro horas do início. O resto da digressão também.
Dois dias depois, as autoridades californianas recebiam um pedido de ajuda pelo telefone. Kanye West ter-se-ia envolvido numa luta na casa do seu personal trainer. Durante mais de duas horas, amigos e autoridades tentaram convencer o músico a ir até ao hospital de forma voluntária, para
receber apoio psicológico.
A passagem pelo hospital durou apenas uma semana. Diagnosticado com uma “psicose temporária” fruto de um estado drástico de privação de sono, cansaço e desidratação, já ninguém podia ignorar de que algo de muito errado se passava na mente de Kanye West. Os episódios esporádicos eram cada vez menos espaçados e cada vez mais enigmáticos.
West revelou mais tarde que além do álcool, também as drogas tiveram um papel crucial nos momentos mais polémicos dos anos recentes. O vício em opiáceos, prescritos depois de ter feito uma lipospiração, terá sido um dos rastilhos da crise de 2016.
“Dois dias antes de ir para o hospital estava sob o efeito de opiáceos. Estava viciado naquilo. Tinha feito uma cirurgia plástica porque queria estar bonito para vocês todos. Fiz uma lipoaspiração porque não queria que me chamassem gordo”, confessou em entrevista ao “TMZ”.
A verdade é que em 2020, pouco ou nada mudou. Num acesso de raiva e loucura, West lançou-se ao Twitter para falar sobre tudo, num chorrilho de tweets que rapidamente foram apagados. Neles, acusou a mulher e a sogra de tentarem forçá-lo a ser internado num hospital psiquiátrico.
O estado mental complexo de Kanye West é hoje indesmentível. Kim Kardashian revelou em 2020 que o então marido sofria de doença bipolar. “Qualquer pessoa que o tenha ou que conheça alguém nesta situação, sabe o quão complicado e doloroso é entender tudo isto”, revelou, motivada a tornar o assunto público “por causa do estigma e das conceções erradas que as pessoas têm sobre a saúde mental”.
“Ele é uma pessoa brilhante, mas complicada. Além das pressões naturais de ser artista e ser negro, além de ter vivido a perda dolorosa da mãe, ainda tem que lidar com a pressão e isolamento de ser doente bipolar”, escreveu.
Um tema delicado que o próprio West havia abordado numa conversa com David Letterman: “É um problema de saúde. É como uma entorse no cérebro, como ter uma entorse no tornozelo. Se alguém tem uma entorse, não vais puxar por ela. Connosco é assim, uma vez que o cérebro chega a esse ponto, as pessoas fazem de tudo para o tornar pior”.
Kanye West é um enigma. Onde é que termina o génio dos golpes de marketing e começa a mente vulnerável de um homem doente? De pista em pista, entre confissões e revelações, o cenário vai ficando cada vez mais claro e, em certos momentos, assustador. Revisitar antigas declarações ajudam a perceber quão perigosa pode ser a doença mental num homem com um ego gigante — e sem ninguém que lhe defina os limites. “Oh sim, pensei muitas vezes em matar-me. É sempre uma opção. Como diz o Louis C.K.: folheio o manual e pondero todas as possibilidades”.