Para João Tordo, o planeamento é tudo. E no que toca a livros policiais, a carga é bastante maior do que a dos seus romances. Quando, em fevereiro de 2023, fez as malas para passar uns dias a esquiar na Serra Nevada, levou consigo a ideia “já bem estruturada” do que seria a sua próxima obra. No regresso, tudo tinha mudado.
A primeira passagem pelas pistas foi desastrosa. Um acidente provocou um deslocamento do ombro do escritor de 49 anos, que ficou impossibilitado de esquiar. Preso no hotel, começou a reparar nos detalhes — e encontrou algo de familiar nos corredores, na decoração e na localização.
“Tudo aconteceu num sítio muito particular. O hotel em que estávamos também era muito estranho, velho e poeirento, parecido ao do ‘The Shining’. Graças a este pano de fundo, comecei a perceber que o plano que tinha para o terceiro volume não era tão bom como a história que estava ali”, conta à NiT.
O rascunho inicial foi completamente alterado e o resultado final chegou às livrarias a 4 de novembro. “Os Dias Contados” volta a acompanhar a famosa Pilar Benamor, uma das personagens favoritas dos seguidores de João Tordo. No entanto, a obra recua no tempo, a uma época em que a protagonista tinha apenas 25 anos e não os 32 com que os leitores a conheceram.
A história começa em fevereiro de 2013, após um acidente na neve dar origem a uma cadeia de acontecimentos que culminam no primeiro caso de investigação que cai nas mãos de Pilar — antes de ter qualquer estatuto de relevância dentro da PSP.
Quando o compositor Flores Baltazar regressa com o filho e a mulher de umas férias de esqui, nas quais se feriu com gravidade, apodera-se da família um mal-estar existencial. Tudo se agrava quando, à porta da escola do filho, Baltazar se envolve num confronto com o pai de outro aluno. Os polícias chamados ao local são os agentes Costa e Benamor.
Serão também eles a atender, dias depois, a chamada relacionada com o cadáver de uma prostituta num clube noturno. Os contornos macabros do crime remetem Pilar para o célebre caso do Embalsamador, um psicopata que aterrorizou Lisboa anos antes e conduziu o seu pai ao desespero.
“Ao longo da investigação, Pilar levanta o véu de uma rede de tráfico humano e enreda-se num perigoso feudo familiar. Quando um segundo cadáver embalsamado aparece à porta da esquadra, com um recado sinistro para a agente, instala-se a certeza de que o caso do Embalsamador não ficou resolvido”, lê-se na sinopse. Depois, corre contra o tempo e contra a própria polícia para resolver este caso, ao mesmo tempo que tenta proteger a família Baltazar.
Antes de ser um policial, este é um livro que vai revelar aos leitores um pouco do passado da Pilar. “Queria ver quem era esta rapariga, como chegou à polícia e como a morte do pai dela teve influência na sua personalidade e carácter”, explica.
A ligação com o progenitor será fulcral no desenrolar da narrativa — até porque lhe vai chegar às mãos um caso que o pai não conseguiu resolver em vida. “Isto vai permitir que nos próximos livros desenvolva ainda mais os temas ligados com o passado e a vida pessoal dela.”
João Tordo está ciente de que os seus leitores acabaram por criar uma relação bastante forte com esta personagem. O processo foi demorado, mas “um a um, terra a terra, livro a livro e leitura a leitura” conseguiu, ao fim de 20 anos, criar uma legião de fãs leais. “Com o passar do tempo começaram a aparecer os frutos.”
Agora, confessa, o importante é ir-se desafiando — nem o Prémio Saramago de 2009 fez com que se desleixasse. “É muito importante para mim ir encontrando novos desafios. Os livros que escrevia antes são completamente diferentes dos que escrevo agora, embora a voz seja a mesma.”
Não pretende abandonar os policiais que o fascinam desde que, em miúdo, se deslumbrava com as histórias de Sherlock Holmes e de Agatha Christie que encontrava nas estantes.
“Quando temos uma narrativa com crimes difíceis de compreender e de aceitar, conseguimos colocar as personagens em posições muito extremas e são forçadas a libertarem-se das amarras. O que me apaixona não é o crime, são as personagens”, realça.
Depois do lançamento de “Os Dias Contados”, João Tordo vai focar-se numa grande novidade para a televisão: uma série da RTP baseada no livro “Águas Passadas”, de 2021 — foi o primeiro título do autor protagonizado por Pilar. As gravações deverão começar no verão do próximo ano — por enquanto ainda estão na fase de escrita do argumento — e, esta quinta-feira, 7 de novembro, revelou que a protagonista será Helena Caldeira, atriz conhecida pela participação em “Rabo de Peixe”.
“A Caracol [a produtora] sugeriu logo a Helena e eu já tinha pensado nela também. Há um lado nela que é meio sombrio e isso é importante para esta personagem. Também precisava de ser uma rapariga jovem, fisicamente mais frágil, mas, ao mesmo tempo, corajosa”, aponta. Leia o artigo da NiT e saiba mais sobre esta produção.
“Os Dias Contados” já está disponível nas livrarias e online. Foi publicado pela Companhia das Letras e tem 560 páginas. Atualmente, pode ser adquirido por 19,76€, graças a um desconto de dez por cento (o valor habitual será de 21,95€).