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João Pedro Porto, o escritor elogiado por Valter Hugo Mãe e Artur do Cruzeiro Seixas

O autor — que é um grande fã de Steven Spielberg — é o novo convidado de Luís Borges na rubrica Embaixada dos Açores.
É um dos maiores autores açorianos.

Com apenas 40 anos, João Pedro Porto é um romancista notável com três obras a caminho, um lastro de sucesso, uma aventura pela poesia em preparação e também um volume de contos em curso. Acrescenta a tudo isto o pormaior de ser psicólogo clínico e vir de uma longa linhagem de escritores açorianos capazes de vingar nas duas margens do Rio Atlântico ao mesmo tempo que, por vezes e assaz ironicamente, passam despercebidos ao “tutor” lisboeta.

Culto, intemporal, com uma escrita prodigiosa, JPP é visto assim, por outros génios: Artur do Cruzeiro Seixas, mestre do surrealismo português, disse que cada palavra sua está “grávida de outra”. Mário Cláudio descreveu-o como “uma voz que se impõe, com direito confirmado à eternidade possível”. E, sobre ele, Valter Hugo Mãe escreveu: “Reverberam séculos nas suas construções. Um invasor absoluto, um denunciador. João Pedro Porto é cénico, performativo, esdrúxulo, temperamental, mas sem arrogância. Apenas luxuoso, desse luxo de poder fazer”.

Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar… ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
Fácil: Caro Sr. Spielberg, colocar a minha vida na tela é lá colocar todos os seus filmes, também, como notas a pontuar a pauta. Comece com os Salteadores. A minha mãe sentada na fila da frente, discorrendo ter um filho que daquilo gostasse. Depois eu mesmo no útero, pontapeando ao som do Sr. Williams e ao levantar voo de uma bicicleta. A minha primeira grande febre, siderado a ver os Encontros Imediatos. As milhentas repetições em VHS do meu filme favorito, “O Império do Sol”. A maior experiência cinéfila em 93. E por aí fora. Ponha-me lá a fazer montanhas com o puré e a usar uma Fedora, Senhor Spielberg, porque fez-me o senhor a infância, ampliada na capacidade de sonhar acordado. Acabaria tirando o dedo do botão vermelho no elevador, dizendo que do seu império só é rival o do David Lean. E depois falaríamos do Lawrence da Arábia pelo resto da viagem, e de como o truque de apagar fósforos com os dedos é não nos importarmos com a dor disso.

O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e porquê?
Tenho algumas profissões e nenhuma, pois são em nada canónicas. Mas eu diria que qualquer dia que acabe com a sólida sensação de ter ajudado alguém a ver o mundo com outra calibragem, uma que dê para mais felicidade, será um dia feliz para mim, também.

O que é que Portugal Continental bem poderia aprender com os Açores?
O estoicismo de viver entre um tempo e outro — o que faz e o que passa. Entre o passado e o futuro, sem isso ser bem um presente. E entre a bonança e a tempestade, numa fronteira desmilitarizada de medo, e pontuada por coragem.

De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo?
Criar é escapar. Como escapar? A resposta ser-me-á sempre: escrever, compor, desenhar. Enfim, inventar o que lá não está. Mas, em boa verdade, o que lá não está pode não estar em qualquer outro lugar. Podemos ser ilhéus num monte alentejano, numa duna do Namibe, num pico em Zermatt. Quem se sinta só num ermo é, também, açoriano, mesmo que esse ermo seja o confim do seu próprio pensamento.

O autor.

O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Que por serem ilhas são coisa menor, como se o tamanho na geografia ditasse tanto, quando não dita nada. O isolamento, tão pouco. Aliás, quantas vezes os pés crescem para além do sapato? Quantas vezes coisas postas em caixas lhes rebentam com as tampas? O próprio mundo está isolado no braço da galáxia, é pequeno também, e abarrota de acontecimentos, bons ou maus. Se por cada ideia humana, o globo crescesse um metro, concorreríamos com o universo na sua expansão.

Que crime cometerias se não houvesse castigo?
Nenhum que não cometesse dada a certeza de castigo. De qualquer modo, costumo dizer que o pior crime é matar o Tempo. E esse tem sempre castigo.

Como é que a tua família reage à tua profissão?
Não reage. Não pode. A minha deontologia não permite. Isto quanto à psicologia clínica e à sua ética. Quanto à literatura, lêem-me, e isso faz-me sempre muito feliz.

Aquele sonho por realizar é?
Impossível de escolher. São tantos. Vão aparecendo, até. Mas ser realizador de cinema, arquitecto, esgrimista ou piloto de F1 serão sempre aqueles que primeiro me assaltam.

Finalmente, para acabar de forma fácil, qual é o sentido da vida?
Vivê-la aproveitando, neste gerúndio tão açórico. Quanto ao aproveitamento, deixo-o ao critério de cada um. Uma vida não aproveitada é uma vida sem sentido e não vivida. Eis a lógica simples. Já o resto, de simples não tem nada.

Um restaurante?
Tã Gente, Wine Tapas & Gin no centro de Ponta Delgada, mas com uma surpreendente e segura restauração.

Vista?
Do alto do Maranhão. Lá cresci a ver a ilha ao comprido, norte à esquerda, direita para baixo – que seria um bom comentário político.

Banhos/zona balnear?
Poços de S. Vicente, lá perto. Mar do norte, aberto, temperamental, uma criatura formidável.

Ritual/tradição?
As pessoais. As pequenas, exclusivas lá de casa; as de uma manhã de Sábado.

Artista referência ou que admire (nas ilhas, vivo ou morto)?
Urbano, pintor. Sempre surpreendente, a tentar e a conseguir a eternidade possível.

Obrigatório de visitar?
Museu Carlos Machado e todos os seus núcleos; e justamente a obra de Urbano Resendes que lá está em exposição permanente. E o Fundo José Ernesto Resendes — uma biblioteca no Centro Natália Correia.

 

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