É conhecida como a rainha do thriller nórdico. Falamos de Camilla Läckberg, autora sueca de 48 anos que já vendeu mais de 30 milhões de cópias em 60 países. O seu novo livro, “A Caixa”, foi escrito com um famoso mentalista sueco, Henrik Fexeus. E também está a ser um bestseller — chegou às livrarias portuguesas a 26 de setembro e desde então não deixou o top 3 de vendas.
A narrativa arranca quando uma mulher é encontrada morta numa caixa de madeira. O seu corpo foi perfurado por espadas e a polícia de Estocolmo fica perplexa. Parece uma espécie de truque de magia que acabou em tragédia. A investigação fica a cargo de uma equipa especial: um grupo de agentes pouco convencionais onde se destaca Mina Dabiri.
É ela que tem a ideia de envolver o mentalista Vincent Walder no caso, alguém com um profundo conhecimento da linguagem corporal e do mundo do ilusionismo. Apesar das suas personalidades fortes, juntos terão de enfrentar uma mente perversa e também brilhante — que está por trás daquele crime. E a única forma que têm para evitar que mate outra vez é conseguirem compreendê-lo ao ponto de poderem antecipar os seus passos.
A edição da Suma de Letras tem 648 páginas, é o primeiro capítulo de uma trilogia e está à venda por 21,56€. A NiT falou com Camilla Läckberg e Henrik Fexeus sobre “A Caixa”. Leia a entrevista.
O que veio primeiro? A ideia para uma história como esta? Ou a ideia de colaborarem juntos? Já se conheciam?
Henrik Fexeus (HF): Bem, já nos conhecíamos, mas nunca sonharíamos em colaborar.
Camilla Läckberg (CL): Sim, somos amigos há 15 anos, mas nem somos de trabalhar com outras pessoas. Por isso, a ideia veio primeiro. O Henrik teve uma ideia muito original sobre o Vincent, este mentalista, e começou a contar-me sobre ela quando estávamos a socializar. Eu comecei a acrescentar coisas, ele acrescentou outras, e de repente percebemos que estávamos a fazer um workshop durante algumas horas [risos]. E que tínhamos uma ideia que exigia que ambos a escrevêssemos.
HF: Porque a ideia não me pertencia ou à Camilla, pertencia a ambos.
CL: Foi uma colaboração que começou de uma forma mesmo orgânica. E, de forma relutante, começámos a trabalhar um com o outro [risos].
HF: Não tínhamos a certeza se o íriamos conseguir [risos].
Como foi o desenvolvimento da ideia? Qual foi o imput de um e do outro?
HF: Essa é uma pergunta difícil… A Camilla veio com tudo o que sabia sobre criar um universo de personagens e eu fiquei mais com o aspeto do mentalista, mas diria que equilibrámos as ideias um do outro e construímos em cima das ideias do outro. Por isso, hoje é muito difícil dizer quem inventou o quê.
CL: Misturámos tudo. No início, o Henrik tinha mais a parte do mentalista e eu a parte do crime e da investigação policial. Mas depois ficou misturado. Eu faço algumas das partes mais nerd, ele fez algumas das partes mais policiais, por isso está tudo cruzado.
Inspiraram-se nalguma coisa em particular para criar a narrativa?
HF: Bem, acho que nos inspirámos por muita coisa, mas a ideia do Vincent veio do facto de… Têm havido bastantes mentalistas na cultura pop nos últimos tempos. E sempre achei que estavam a não representar da melhor forma o que é ser um mentalista. Porque, do meu ponto de vista, se te decides tornar um mentalista, é porque provavelmente existe algo de errado contigo. Não és aquele tipo super fixe que consegue ler linguagem corporal e resolver crimes. Provavelmente também tens muitos demónios. Aí nasceu a ideia do Vincent, ao tentar retratar um mentalista de uma forma mais honesta. A inspiração veio também da minha vida e de como eu entendo o mentalismo. Mas para a narrativa, acho que todas as alusões mágicas…
CL: Basicamente, os dois adoramos coisas nerd e queríamos combinar isso com um thriller criminal.
Henrik, diria que há muito de si neste mentalista fictício?
HF: Absolutamente. Ele não é completamente eu…
CL: Ele é bastante tu.
HF: Eu sou ligeiramente melhor nas interações sociais do que o Vincent. Não tenho de beber aquelas garrafas todas. Gostava, mas não preciso, é a diferença [risos].
Camilla, obviamente está muito habituada a criar histórias misteriosas, thrillers que envolvem crimes e investigações policiais. Qual foi a coisa mais fascinante desta história em específico?
CL: Adoro que tenhamos acrescentado… É quase um mundo de conto de fadas. Acrescentámos magia ao mundo quotidiano e acho que isso foi o que mais gostei. É muito terra a terra, mas em simultâneo existe um toque de magia por cima de tudo.
HF: Sim, estes livros podiam ser quase histórias de fantasia. São personagens realistas e a narrativa passa-se na Estocolmo da atualidade, mas existe uma sensação de uma realidade enaltecida, uma realidade fantástica de que ambos gostamos muito.
E isso foi um desafio? No sentido em que queriam ter essa vertente de fantasia, mas que não estivesse demasiado presente?
CL: Acho que foi muito natural, não houve dificuldades em definir a quantidade certa. Simplesmente desde o início que tivemos o nível certo das duas coisas.
HF: O que fizemos foi, durante os primeiros três ou quatro meses, tentámos escrever juntos para perceber se o conseguiríamos fazer e para tentar encontrar uma linguagem comum, um estilo de ambos. E acho que o realismo enaltecido veio daí, tornou-se o nosso estilo.
Qual foi, então, o maior desafio?
HF: Fazer com que não fosse mais longo [risos].
CL: Começa a crescer e a crescer, a ficar mais espesso, e a nossa editora fica completamente devastada. “Não o façam maior!”. Divertimo-nos muito a escrevê-lo e muito surpreendentemente não exigiu grande esforço escrevermos juntos. Ficámos ambos bastante surpreendidos que isto tenha corrido tão bem. Mas não houve grandes problemas e obstáculos, foi algo muito suave. E quando um não tinha ideias ou tinha pouco tempo, o outro poderia escrever.
É uma das vantagens de escrever com outra pessoa.
CL: Sim, agora escrevi um livro sozinha e de repente comecei a falar com alguém… “Não, aqui estou sozinha!” [risos]. Sou a única aqui para resolver isto.
As reações que tiveram dos leitores era aquilo que esperavam?
CL: Até foi mais bem recebido do que esperávamos. As críticas foram muito positivas, e os leitores adoraram. Ficaram um pouco obcecados.
HF: Até houve leitores que desenharam a história toda num quadro branco, só para ver se conseguiam colocar tudo junto no sítio certo. Houve algo que deliberadamente deixámos no livro que é um erro… Há uma referência a um tipo de bolo específico.
CL: De um café conhecido de Estocolmo.
HF: E o Vincent compara as camadas do bolo aos tecidos do corpo humano. E aquela pastelaria específica faz aquele bolo com menos uma camada. E tivemos pessoas a comentar isso.
CL: Há muitas pessoas com Asperger a ler o nosso livro [risos].
HF: Os comentários têm sido assoberbadores. Nós gostávamos daquilo, mas também entendíamos que poderia não ser para toda a gente. Mas parece que é.
CL: A reação mais bonita que tivemos, e isto para nós foi uma surpresa, é que ouvimos de várias pessoas com síndrome de Asperger ou perturbação obsessivo compulsiva, e de familiares, que nos escreveram a agradecer: “Obrigado por escreverem de uma forma tão amável, de uma forma tão compreensiva e inclusiva”. Disseram que o descrevemos muito bem. E ficámos muito felizes com isso.
HF: Simplesmente escrevemos sobre estas pessoas como as conhecemos. Gostamos de conviver com pessoas estranhas. Nós somos pessoas estranhas. A forma como o Vincent e a Mina se dão tão bem mas têm de enfrentar o resto do mundo, isso nunca foi uma decisão consciente. Foi a maneira como tinha de ser. Mas aparentemente não é algo assim tão comum na literatura. Muitas vezes há um conflito. E aqui só queríamos cuidar deles.
Como estavam a dizer, houve fãs que até desenharam, digamos, o enredo. E sei que a Camilla escreve de uma forma muito visual, que imagina as cenas e depois as escreve. Também foi o caso neste livro?
CL: Sim, e encontrámos essa linguagem comum muito rapidamente. Conseguimos mesmo ver as cenas a acontecer enquanto as escrevíamos.
É como um olhar cinematográfico.
CL: Sim, somos grandes fãs de filmes e somos observadores, acho que nos é muito natural abordar a história dessa forma, como se fosse um filme.
HK: Quase que conseguimos ver os ângulos da câmara [risos].
Gostavam de ver esta história no ecrã?
CL: Isso seria fantástico. Vamos ver o que acontece.
E esta história tem continuação.
HK: Sim, é uma trilogia. O segundo livro saiu na primavera passada na Suécia e um terceiro livro vai sair daqui a um ano.
CL: Sim, estamos agora a escrevê-lo.
HK: A história começa n'”A Caixa”, mas só termina no terceiro livro.
CL: Temos um fio condutor mais alargado do que apenas cada livro. Por isso tens de ter os três livros para obteres todas as respostas.
HK: E quando começámos “A Caixa”, já sabíamos o que ia acontecer em toda a trilogia e como iria acabar.
CL: Por isso temos um plano muito claro e há imensas coisas escondidas nos primeiros dois livros de que só te vais aperceber até leres o terceiro.
A ideia da trilogia tem a ver com a dimensão e a profundidade da história?
CL: A ideia começou por ser um livro, mas acho que depois disse a certo ponto: Henrik, isto não é um livro, isto são três. Porque percebemos que tínhamos demasiado material para apenas um livro. Tivemos que o tornar uma trilogia. Adoramos as nossas personagens principais. Estamos apaixonados com o Vincent e a Mina, são como se fossem pessoas reais para nós. Amamo-los verdadeiramente.