Assina como Afonso Noite-Luar, mas ninguém conhece a sua verdadeira identidade. Também não é preciso. Apesar de ser um anónimo, é o mais célebre escritor erótico português. Começou nas redes sociais, a escrever pequenos textos. Conquistou um público, sobretudo feminino. Entretanto foi descoberto pela Manuscrito Editora, que tem publicado os seus livros.
A sua obra mais recente, editada em junho, é “Rei do Bluff”. Conta a história de Camila, que, quando chega a uma ilha paradisíaca para a despedida de solteira de uma amiga, se depara com Eduardo. Ele é sensual, misterioso, poderoso e bastante confiante. E quer muito que Camila se torne sua.
A protagonista não estava a pensar conhecer ninguém nesta viagem, mas Eduardo vai fazer com que mude de ideias. “Enquanto Eduardo e Camila viajam neste mundo sedutor de jogo, sexo e poder, o inesperado acontece. Talvez não seja apenas uma aventura. Talvez seja algo mais. E talvez nem todos estejam dispostos a permitir que isso aconteça”, pode ler-se ainda na sinopse. “Rei do Bluff” está à venda por 16,11€.
Pela primeira vez no seu percurso de seis anos, Afonso Noite-Luar aceitou dar uma entrevista. Conta como começou a escrever, explica que tem sempre presente uma perspetiva de empoderamento feminino, e aborda os problemas com que se tem deparado nas redes sociais por causa do seu conteúdo. Fala também, claro, das razões pelas quais não dá a cara — aliás, esconde-a com uma máscara, que vai estar em exibição na próxima edição da Feira do Livro de Lisboa, que arranca a 25 de agosto. Leia a entrevista da NiT.
Quando e como é que começou a escrever?
Foi em 2016 que comecei a divulgar nas redes sociais o que escrevia, mais concretamente no Facebook e Instagram. Percebi que tinha uma boa recetividade por parte do público e isso deu-me força para continuar a partilhar o que ia dentro da minha cabeça. Inevitavelmente, comecei a crescer muito nas redes sociais e acabei por ser descoberto pela Manuscrito Editora, que publicou o meu primeiro livro em 2017.
Já era um leitor ávido? Tinha interesse na área da literatura há muito tempo?
Sempre gostei de histórias. De lê-las, vê-las, ouvi-las e contá-las. A literatura sempre existiu na minha vida e em mim. A dada altura, decidi que também eu queria começar a existir para a literatura. A erótica, especificamente. É esse o meu lugar e é nele que quero que me coloquem.
Porque é que o género erótico é o seu lugar?
Quando comecei a divulgar os meus textos eróticos, fi-lo porque queria falar abertamente sobre sexo e amor. São muitas vezes dois mundos separados, sobretudo na literatura, e nunca acreditei nisso. Sentia também que faltava neste registo literário um autor preocupado, tanto quanto eu me preocupo, com a mensagem que passa aos seus leitores. Acredito que o sexo é uma parte muito importante das nossas vidas e deve ser experienciado sem tabus. Infelizmente, neste registo literário em particular, as histórias podem muitas vezes levar a interpretações dúbias.
Em que sentido?
Preocupo-me muito com o empoderamento, em particular o empoderamento feminino. Nas relações, sejam elas sérias ou casuais, as expetativas, desejos e vontades têm de estar alinhadas. Nenhum relacionamento pode fazer-te sentir que és insuficiente, que não és uma prioridade, que não és desejado/a, respeitado/a. Acredito no sexo com amor-próprio. Sempre. Só que passar essa mensagem na literatura erótica tem os seus desafios. No universo sexual, algumas fantasias podem parecer que são um passo atrás no empoderamento feminino. Sobretudo quando a personagem abdica do controlo. No entanto, acredito que é precisamente o contrário: nos meus livros, os limites são estabelecidos por elas. Procuro que isso seja bastante claro nas minhas palavras.
Antes de começar a escrever, era um leitor deste tipo de romances?
Considero-me bastante eclético no que diz respeito às minhas escolhas literárias. A literatura erótica faz parte desse leque, mas não é, de todo, o género de livros que mais leio. Gosto de aprender e beber de outras linguagens. E acho que isso foi e é fundamental para o meu sucesso.
Tem alguma referência nesta área?
Nesta área, em específico, não posso dizer que tenho referência de algum autor, mas tenho referência de algumas personagens, nas quais me inspiro, embora não as vá nomear.
De que forma é que se inspira para criar estas histórias?
Lendo, vendo filmes e, acima de tudo… vivendo. Experienciando e ouvindo histórias de quem está à minha volta. Depois é uma questão de trabalho, disciplina e talento.
A sua vida pessoal acaba por influenciar as histórias que escreve? Ou existe um distanciamento grande?
A minha experiência pessoal, assim como a forma como vejo a vida, o sexo e a mulher, de uma forma geral, influenciam muito o meu trabalho. Nos livros não falo da minha vida pessoal, mas eles refletem a minha visão do mundo. Quando escrevi o meu primeiro livro, “Nada Menos Que Tudo”, que reunia textos sobre amor, sexo, desejo, entre outros, terminei com “Os Mandamentos do Afonso”. São cem, no total. O primeiro e mais importante de todos é o “ela primeiro”, que acabou por ser o título do primeiro livro da trilogia que escrevi depois. Acredito profundamente nisto: para mim, a mulher está sempre em primeiro lugar. O meu prazer vem de lhe dar prazer. Não raras vezes, há mulheres que se perdem em relações tóxicas, onde não são valorizadas e amadas. Onde desculpam tudo e se colocam constantemente em segundo plano, com receio de ficarem sozinhas. Também há homens a quem isto acontece, claro, mas conheço e oiço todos os dias muitas histórias de mulheres que passam por isto. Quero fazê-las acreditar que elas merecem mais. Que elas devem exigir relações que as preencham, que lhes tragam felicidade todos os dias e não apenas de vez em quando. E quero que elas saibam também que merecem viver a sua sexualidade em pleno, sem medo de libertarem o seu lado mais atrevido, de acabarem com vergonhas, tabus, receios. Não acredito em vidas mornas, e não quero que os meus leitores se deixem levar por isso.
Como definiria o seu público?
Leitores exigentes e descomplexados. Se forem muito certinhos, mesquinhos e cheios de pruridos e tabus obviamente que não irão gostar do que escrevo. O que não significa que não devam ler, já que os meus livros passam uma série de valores fundamentais sobre liberdade, aceitação, amor-próprio e empoderamento que só podem fazer bem. Claro que a grande maioria dos meus leitores são mulheres, mas os meus livros são escritos a pensar em qualquer género.
Também tem uma grande presença nas redes sociais. Como é que teve a ideia de começar a escrever frases com bastante potencial para serem partilhadas?
Em 2016, comecei por partilhar textos nas redes sociais e não frases. Partilhava pequenos textos, pequenos contos e o público parecia gostar muito. Em pouco mais de um ano, somei 170 mil seguidores no Facebook e 90 mil no Instagram.
Mas depois teve problemas com a política de conteúdos das redes sociais.
Sim. As redes sociais censuram muito este tipo de conteúdo e no espaço de um mês, entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, perdi tudo. Todas as contas que tinha foram simplesmente eliminadas. Tinha ainda uma conta de backup no Instagram com cerca de 20 mil seguidores (já antecipando que algo de mau poderia acontecer), mas também essa foi eliminada pela plataforma uma semana depois. Era como se eu tivesse um negócio de rua e me tivessem literalmente fechado a loja. Tive de começar do zero. Voltei a criar Facebook e Instagram, mas quando cheguei aos 50 mil seguidores, as minhas contas foram novamente banidas.
O que fez a seguir?
Voltei a começar tudo de novo, claro. Hoje continuo aqui, apesar das denúncias e tentativas de banir as páginas. Ainda não consegui recuperar os números que tinha em 2017, mas sigo mais forte do que nunca. Tive, naturalmente, de repensar a forma como comunico nas redes sociais e por isso é que só partilho algumas frases mais ligeiras. Mas nos livros, felizmente, ainda não há censura e o conteúdo é mais pesado. Agradavelmente mais pesado.
Recentemente publicou o seu novo livro, “Rei do Bluff”. Inspirou-se nalguma coisa em particular para criar esta história?
Há muito que queria explorar o universo do jogo, das cartas, dos casinos, das apostas. Este foi o ano para o fazer. Acho que a combinação foi perfeita. Este é, para mim, o meu melhor livro e o público tem reconhecido isso mesmo. Tem sido um sucesso e estou muito agradecido aos meus leitores fiéis que me seguem há anos e que me viram passar por tantas quedas. Isto é por eles e para eles.
Olhando para as características deste livro, como é que o distinguiria dos anteriores?
É um livro mais dinâmico, mais excêntrico, mais rico em vários sentidos. Com mais ação, peripécias, reviravoltas e cenas escaldantes fora da caixa. Não tenho dúvidas de que os leitores se vão apaixonar pelo enredo, pelos personagens e pelos cenários. É o meu maior e melhor livro. Sem dúvida.
O livro vai ter continuação?
Não tenho planos de o fazer. Apesar de ter lançado uma trilogia antes de “Rei do Bluff”, esta história foi pensada como um livro único. A história tem um princípio, meio e fim.
Antes de existir o pseudónimo Afonso Noite-Luar, escreveu alguma coisa sob outro nome?
Não.
Porque decidiu esconder a sua identidade?
Privacidade e segurança, que é algo que valorizo muito no meu dia a dia. Percebo que haja curiosidade e que haja quem goste de inventar nomes para mim, mas aproveitava esta minha primeira entrevista (de sempre) para pedir que respeitassem o meu anonimato. Sou um anónimo e gosto muito disso. Nunca tinha falado com nenhum meio de comunicação social. Decidi dar esta entrevista porque senti que os meus leitores mereciam “ouvir-me” pela primeira vez, fora do universo das redes sociais. Gosto muito de escrever, e gosto muito de escrever romances eróticos, mas não quero que as pessoas saibam quem sou.
Acredita que nunca vai revelar a sua identidade?
Nunca digo nunca, mas não tenho mesmo planos para o fazer. Se calhar até poderia vender mais livros, uma vez que o anonimato me limita um pouco. Não posso fazer apresentações, sessões ou ir a programas de televisão, por exemplo. Mas, para mim, há outros valores que se levantam. E poder andar tranquilo no meio das pessoas é um deles.
A sua família e amigos próximos conhecem o seu trabalho? Ou também se mantém anónimo junto deles?
Alguns sabem que escrevo livros eróticos, mas são poucos. Há pessoas bem próximas de mim que não sabem e vão continuar sem saber.