O pai, Pedro Lima, era uma cara bem conhecida de todos. A de João Francisco, nem por isso. O suicídio do pai em 2020, aos 49 anos, foi o momento que marcou a vida do jovem, que encontrou na escrita um “efeito terapêutico e catártico”. Em 2022, agarrou-se às páginas e escreveu. Umas vezes em prosa, em divagações. Noutros casos em poemas, quadras que se vão intercalando e que revelam os estados de alma de um pai que perde um filho.
Esses textos foram agora compilados e editados em “Já Não Sou o Que Era Agora Mesmo”, o primeiro e, em princípio, o único livro que João Francisco Lima planeia assinar. Editado pela Oficina do Livro, foi apresentado a 31 de maio e já está à venda nas livrarias por 14,50€.
Atleta de râguebi e licenciado em gestão, vive atualmente na Irlanda, onde finalizou a obra que dedica a um “homem bom, justo, belo, genuíno, sério, admirável”. À NiT, o jovem autor explica como tudo aconteceu e qual o grande objetivo desta compilação de divagações e desabafos.
Quando é que começou a escrever e quando é que percebeu que a escrita era parte importante da sua vida?
Comecei a escrever efetivamente para celebrar o que seriam os 50 anos do meu pai. Aparentemente há relatos de escrever pequenas quadras quando era pequeno, mas esse hábito perdeu-se com o tempo. A escrita passou a ser parte da minha vida quando após esse momento me apercebi do efeito terapêutico e catártico que este processo tinha em mim. Hoje uso-a como forma de reflexão e concretização dos meus estados de alma, permitindo-me ao mesmo tempo, através deles, à criação de algo que transcende as próprias palavras.
Como é que surge a ideia e a oportunidade de lançar este livro?
Surge como desafio a uma compilação das minhas ideias que fui partilhando nas várias intervenções que tenho vindo a fazer enquanto Embaixador da Saúde Mental. No primeiro momento o timing não era ideal, mas depois de escrever várias das peças presentes no livro, e depois de receber feedback das pessoas mais próximas, decidi propor à Leya esta ideia de combinar os poemas com as reflexões e pensamentos que surgiam quer na sua criação, quer na sua análise posterior.
Fala logo no arranque do livro em desabafos. É o que ali está? Desabafos que foi escrevinhando ao longo do tempo?
Os desabafos concretizam-se nos poemas e alargam-se nas divagações. São conversas comigo mesmo, em busca de respostas que são inconclusivas, na medida em que vão variar com o tempo e com a forma como irei olhar para a vida à medida que ela passa. São efetivamente um descarregar para o papel de toda a entropia que se acumula e que precisa de ser desconstruida para ser estruturada e direcionada para a criação de valor.

Quando é que foram escritos os textos?
Todos foram escritos no ultimo ano. Mas a pergunta é curiosa porque surgiu várias vezes a questão “quanto tempo demorou a escrever este livro?” e eu tendia a responder “um ano” mas na realidade este livro foi escrito ao longo da minha vida toda, simplesmente primeiro como agente, e só depois como narrador.
O livro arranca com um poema que vai diretamente ao seu pai, às memórias. Ele está omnipresente neste livro?
Ele está omnipresente como qualquer pai está. Felizmente essa omnipresença para mim foi e tem sido espetacular e exemplar. Naturalmente como pessoa presente e referencia na minha vida, e depois associado ao meu maior trauma, é só natural que seja uma personagem muito importante e preponderante nesta obra.
Fala em “desabafos de quem observa os erros do passado e se impede de os perpetuar no futuro”. Que erros são esses?
São erros meus e dos outros. Todos os cometemos, mas se escolhermos aprender com os nossos e com os dos outros, conseguimos crescer exponencialmente mais. Os erros em si mantenho-os no foro pessoal, mas não passam de circunstâncias naturais da vida de cada um. A diferença está na reflexão que decidimos fazer, e nas lições que conseguimos não só tirar, como incorporar na nossa forma de abordar a vida dai para a frente.
A saúde mental, que desempenhou um papel tão crucial na história do seu pai, está também muito presente. Fala em “dar a mão a alguém que se sente encurralado, sozinho e incompreendido”. E termina ao dizer que está ali também “a dar a mão a mim mesmo”. O livro é também uma forma de terapia para si próprio?
Eu não fui até hoje diagnosticado com qualquer tipo de perturbação de saúde mental. Portanto nesse aspeto a resposta é negativa. No entanto, o livro é sim um processo terapêutico, acima de tudo por obrigar a um processo extenso e intenso de auto-conhecimento. Esse processo, e a abertura para lidar com o que quer que encontremos, é essencial para a sustentabilidade de um estado de espírito saudável.
Diria que este livro é um evento único ou esta é uma área que gostava de explorar mais? Gostava de editar mais livros?
Não tenho expectativas. Continuo a escrever. Se considerar voltar a fazer sentido uma nova partilha, e houver interesse e apetite das pessoas para conhecerem um pouco mais do que tenho para partilhar, talvez pondere. Até lá, desfrutar de algo tão bom e bonito como o eternizar de parte de mim numa obra.