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Filipa Martins sobre Natália Correia: “Se ela fosse francesa, seria um nome mundial”

A NiT entrevistou a autora da biografia “O Dever de Deslumbrar”, que tem sido um sucesso.
Foto de Vitorino Coragem

Escritora, política ou pensadora, Natália Correia é uma figura ímpar do século XX em Portugal. Depois de a retratar na série da RTP “Três Mulheres” e no documentário “Insubmissa”, a escritora, argumentista e jornalista Filipa Martins assina a biografia para contar definitivamente a sua história. 

“O Dever de Deslumbrar” tem 696 páginas e é o resultado de seis anos de trabalho. A edição da Contraponto está à venda por 22,41€. Foi lançada neste mês de março e tem corrido tão bem que já vai na segunda edição. Filipa Martins leu aprofundadamente toda a obra da autora (inclusive os seus inúmeros textos na imprensa), visitou o seu espólio nos Açores, entrevistou dezenas de pessoas.

A biografia retrata esta mulher destemida e controversa, cuja vida foi recheada de aventuras e pormenores “deliciosos”, mas que acima de tudo se destacou pelo seu pensamento livre e independente, pela sua visão sobre a condição feminina ou a sociedade portuguesa. Foi a autora mais censurada durante o regime do Estado Novo, mas também sofreu fortes represálias e foi tratada como reacionária no PREC. Certo é que Natália Correia não deixou ninguém indiferente. Leia a entrevista da NiT com Filipa Martins.

O livro tem corrido muito bem, não é? Existe muita procura.
Sim, a todos os níveis. Quem leu está a gostar muito. E, depois, naturalmente que há opiniões que nos envaidecem mais do que outras. Nos Açores quem apresentou foi o João de Melo, em Lisboa foi a Lídia Jorge. Ambos foram muito generosos e consensuais na avaliação que fizeram. Do ponto de vista de recetividade do público, de vendas em livrarias, também.

Estava à espera?
Não tinha grandes expetativas sobre nada. Sei que a figura da Natália é hipnótica. E agora percebo que toca várias gerações. Naturalmente que ela diz muito a uma geração que ainda se lembra dela porque é contemporânea, mas pela precocidade do pensamento, pelas ideias libertárias, por ser uma liberdade que hoje em dia está até um pouco ameaçada, também reúne muito interesse junto de uma população mais jovem — mais jovem até do que eu. E isso tem sido muito gratificante. Espero que seja um caminho para também começarem a conhecer melhor a obra dela. 

Já tinha escrito sobre a Natália Correia na série “Três Mulheres”. Foi a partir daí, de ter descoberto mais sobre ela, que surgiu o interesse — e, depois, a oportunidade — de escrever esta biografia?
Esta história remonta a 2016 ou 2017. Conheci o Fernando Vendrell, que tinha lido o meu primeiro romance, “Elogio do Passeio Público”, uma fantasia sobre o Estado Novo, e ficou agradado com o ambiente que criei, de asfixia e alguma infantilização da sociedade que foi promovida pelo antigo regime. Na senda disso, desafiou-me para escrever a série “Três Mulheres” — sobre três mulheres de exceção no Estado Novo, Snu Abecassis, Vera Lagoa e Natália Correia. Das três, a personagem que me pareceu mais interessante de aprofundar era sem dúvida a Natália Correia. Pela sua complexidade, pelo facto de ter sido extraordinária em várias áreas do conhecimento, por trilhar caminhos tão distintos como a política, a literatura, o ensaio, o pensamento sobre a mulher, a vida partidária — apesar de a desprezar de alguma forma. Depois, pela sua história, desde que nasceu e saiu dos Açores e veio para Lisboa e não se adaptou à escola do Estado Novo porque era uma fábrica de fadas do lar; a forma como encontrou os seus mestres, como Cardoso Marta ou António Sérgio, a forma como apoiou todos os candidatos da oposição, desde Norton de Matos até Humberto Delgado; e depois o seu comportamento e ideário; pareceu-me imediatamente que seria a figura mais interessante para poder tratar biograficamente. É nessa altura que é lançada a coleção de Grandes Figuras da Literatura da Contraponto, um projeto extraordinário que vem reposicionar a biografia no centro do debate em Portugal — que era uma coisa inexistente. E surge o convite do editor Rui Couceiro para abraçar este projeto. Eu tinha a ingenuidade de achar que — depois de toda a pesquisa que tinha feito, de algumas entrevistas que fiz para a série e, depois, para o documentário — já tinha uma visão global da vida da autora. Completamente errado [risos].

Olhando para trás, qual era a percentagem dessa visão global que tinha na altura?
20 ou 25 por cento, não sei. O que veio a seguir foi muito mais extraordinário. E é uma das razões pelas quais a Natália é tão fascinante. Só o facto de dizermos Natália e não dizermos o sobrenome, porque não é preciso, já nos mostra bem o quão pública ela aparentava ser. É daquelas pessoas que não precisam de acrescentos. E toda a gente tem uma história sobre ela ou conhece algum detalhe. O mais anedótico, o menos… Ela dava-nos uma falsa sensação de familiaridade, que é profundamente enganadora.

Até porque Natália Correia teve uma vida cheia de histórias, de aventuras, de pequenos pormenores…
Todos deliciosos e reveladores da sua personalidade, mas que por si só não criam uma unidade, um puzzle único. Eu já o tinha iniciado, mas parti para a leitura da obra dela, de uma forma mais sistemática — que é gigante. Não são só as obras que ela publicou de ensaio, romance, poesia. É tudo o que ela escreveu na imprensa. Ela teve uma participação praticamente ininterrupta desde os anos 40, quando começou a escrever; nos anos 50 talvez menos; mas retoma nos anos 60; e até praticamente à sua morte, no final dos anos 80. E principalmente na imprensa havia uma cozedura enorme entre as suas opiniões e a atualidade. Portanto, é evidente que contar a história dela é contar a história do País.

Muitas pessoas têm dito isso em relação ao livro, que faz um retrato do tempo da Natália Correia.
Sim, mas não como observadora ou forma de contextualizar a sua vivência. É mesmo como protagonista. E não era numa área específica, não era só na política, ela tocou todas as áreas. A par dessa visão muito límpida e dessa capacidade analítica do seu momento histórico, tinha uma enorme capacidade de antecipação do futuro. Foi a minha maior surpresa. Se calhar até elegia três.

Quais são?
Primeiro, a precocidade do pensamento feminino. Ela escreve coisas em meados dos anos 40, com 20 e poucos anos, a partir de um país em ditadura, que Simone de Beauvoir só viria a escrever mais tarde, em 1949, quando publica “O Segundo Sexo”. Portanto, se ela fosse francesa seria um nome mundial. E porquê essa precocidade? É aquele momento em que o pensamento se cose com a biografia. Ela refletiu sobre o papel da mulher como nunca antes se tinha refletido em Portugal, porque vivenciou essa luta de amputada com o Estado Novo. Foi abandonada pelo pai quando era muito jovem. Viu a mãe a ter de rogar ao ministro do Interior para que lhe fosse passado um passaporte. Viu um familiar homem ficar com a administração dos bens em São Miguel e elas — ela, a mãe e a irmã — vieram para Lisboa com uma mão à frente e outra atrás. Teve que casar aos 18 anos para se conseguir emancipar. Viveu num casamento abusivo, com um homem muito mais velho, do qual só se livrou porque teve de ir a tribunal assumir-se enquanto mulher adúltera. Todos esses condicionalismos que ela viveu na pele permitiram-lhe projetar um pensamento completamente precoce. Naturalmente que havia outras mulheres nesta situação, mas Natália era uma autodidata por excelência. Ela conseguiu unir a vivência com um pensamento escolástico sobre a sua própria posição naquela sociedade. Os primeiros textos sobre a mulher são revolucionários. E são extraordinários tendo em conta que são publicados no Estado Novo. Ela era até bastante divertida a tentar catequizar os homens. Há artigos em que tenta explicar que as mulheres deveriam trabalhar, dizendo que o acesso ao mercado de trabalho era benéfico para todos porque assim o casamento deixava de ser um arranjo de conveniência — porque as mulheres precisavam de casar para saírem de casa dos pais, e a sua liberdade era transferida da mão do pai para a mão do marido — e assim passariam a casar por amor. O que fazia com que não tivessem entregues a ócios e, em última instância, que traíssem os maridos. Ela foi para os jornais, nos anos 40, dizer: deixem as vossas mulheres trabalhar porque de outra maneira elas não vos vão ser fiéis. Todo este pensamento, além de ser muito inteligente, tem muita graça. E um dos traços característicos dela sempre foi o sentido de humor.

Tem 696 páginas.

Tendo em conta o contexto difícil desta mulher, o que é que a levou a ter esta capacidade intelectual tão acima da média? Outras pessoas viveram nas mesmas condições, mas poucos partilhavam estes traços.
Ela foi extremamente influenciada pela mãe. A Natália é o resultado das características maternas exacerbadas. A mãe era professora primária, casou tarde para a época, foi abandonada pelo marido e teve de ser chefe de família. Era uma mulher extremamente culta, tocava piano e lia às filhas desde muito cedo. Como ela diz, educou-a para os mitos da antiguidade antes sequer de lhe falar de religião. Sendo que estamos a falar dos Açores. Sendo Portugal um país extremamente católico e religioso, os Açores ainda eram um meio onde essa religiosidade era mais exacerbada. Era também uma mulher democrática, que prezava a sua liberdade, que recebia na sua sala de estar em São Miguel os deportados do regime — os presos políticos que eram enviados para os Açores. Portanto, desde muito jovem que a Natália ouviu falar na sua sala de eleições livres e pensamento livre. E era a mãe que lhe pastoreava as leituras numa fase iniciática. Depois, quando veio para Lisboa, isto manteve-se. Os primeiros relatórios que surgem na Torre do Tombo sobre a família da Natália visam a mãe, não a visam a ela. E é através do círculo de amigos da mãe — nomeadamente Cardoso Marta — que a Natália vai começando a colecionar os seus mestres e a aprender com eles. Mas o portal foi sempre a mãe.

E quais foram as outras duas características que mais a surpreenderam nesta descoberta?
A sua coerência política. Uma das ideias feitas que se tem em relação à Natália é que ela era uma espécie de cata-vento político. Porque no Estado Novo foi considerada criptocomunista pela PIDE, porque estava em tudo o que era abaixo-assinado contra o regime. No PREC, foi considerada reacionária, porque foi das poucas pessoas a denunciar aquilo que ela chamou uma ditadura de esquerda durante o período gonçalvista. Foi esbofeteada numa assembleia da Associação Portuguesa de Autores, quando estavam a discutir a nacionalização do teatro. Ela era totalmente contra e um dos funcionários deu-lhe um estalo. Disseram-lhe que ela não tinha a dignidade para usar a palavra camarada. E ela que tinha sido a autora mais censurada durante a ditadura voltou a ser censurada durante o PREC. A crónica que escreveu n'”A Capital” foi censurada. Criou um suplemento dentro d'”O Século” que foi sumariamente encerrado pelo Conselho de Revolução — que é algo que poucas pessoas sabem. E depois foi censurada pelo próprio partido no qual militava, quando votou a favor da interrupção voluntária da gravidez. Era uma mulher humanista dentro de um grupo parlamentar de direita, principalmente depois da morte de Sá Carneiro. Foi alvo de dois processos disciplinares e soube pelos jornais que lhe tinham retirado a confiança política, mas ela foi extremamente rápida a responder e disse: “Demoraram muito tempo porque já não tinham a minha”. Tornou-se independente e, mais tarde, juntou-se aos Renovadores. Tornou-se bastante próxima de Ramalho Eanes, mas não apoia o candidato à presidência apoiado pelos Renovadores, e vai apoiar Maria de Lurdes Pintassilgo. Quando vemos isto de fora, parece que efetivamente ela muda de opinião. Mas a questão não é essa. Temos é de ver que ventanias varreram o País em cada momento. E se conhecermos o seu código de conduta, rapidamente compreendemos as suas posições políticas. 

Era realmente coerente e independente?
Não foi a Natália que mudou, foram as circunstâncias. Em função do contexto, decidia com base na sua cartilha moral. E isso é extraordinário. Outra coisa que me surpreendeu foi a sua capacidade de prever o amanhã. A título de exemplo, sempre foi uma das vozes críticas da entrada de Portugal na Comunidade Europeia. Ela era associativista, corporativista, era a favor de um projeto europeu — mas que não fosse um acordo de merceeiros. Acreditava que a Comunidade Europeia tinha começado muito mal pelo aço e pelo carvão, quando devia ser um projeto cultural. E quando assinámos o Tratado de Maastricht, houve um beberete no Botequim [o bar de Natália Correia em Lisboa], passaram-lhe uma taça de champanhe e ela atirou-a ao chão e disse “puta que pariu Maastricht, vocês não estão a perceber o que vem aí”. E o que vinha aí na sua opinião era uma exacerbação da xenofobia e o crescimento da extrema-direita na Europa. Porque o projeto europeu era tecnocrata, não respeitava as especificidades culturais de cada país.

Quarenta anos depois…
Aqui estamos, a ver efetivamente que essa voz oracular que ela lançou sobre o futuro se está a concretizar. 

Esta Natália que veio a descobrir, os tais 75 ou 80 por cento que veio a descobrir depois da série e do documentário, acabou por realçar as características que já lhe conhecia? Ou mudou algo na forma como a via?
Deu-lhe unidade e passei a percebê-la. Passei a perceber o seu gesto largo, o seu barroquismo no falar — que às vezes era incompreensível mas ao mesmo tempo hipnótico… Apanhei uma notícia em que o Herman José dizia que, na sua opinião, a melhor comunicadora em Portugal era a Natália Correia. Quando ela tinha o programa “Mátria”, ele entrava num restaurante e ninguém ousava falar enquanto ela estava na televisão. Ele disse assim: “Ninguém percebia absolutamente nada, mas ninguém ousava sequer pestanejar porque ela era hipnótica”. Representava efetivamente uma mátria. Não uma mátria perfeita, porque seria um profundo aborrecimento, mas era a mátria do País. Se tivermos de escolher uma figura feminina do século XX português, para mim é sem dúvida a Natália Correia. E ao compreendê-la, ao conseguir correlacionar a sua biografia com a sua obra, perceber de onde é que determinadas coisas vieram… Porque a primeira leitura que fiz da obra foi inocente. Só quando comecei a ter um mapa cronológico, a associar acontecimentos, é que consegui perceber porque é que determinados textos apareceram em determinada altura. No caso dela, há esse duplo vórtice contínuo entre a vida e a obra. Há muitos pontos de toque. De onde vinha a sua teatralidade? O seu gosto pelo inusitado? Dizem que foi ela que juntou o Sá Carneiro com a Snu Abecassis, mas ela fazia isto comumente com os amigos de casa, estava sempre a tentar emparelhá-los. O seu sentido de humor, a sua acutilância. Todas essas características, que chegam até nós como episódios distintos uns dos outros, ganham uma enorme coerência quando tens um mapa global da mulher, quando consegues vê-la de corpo inteiro. E o que pretendi com esta biografia foi fazer esse retrato — que fosse justo, não justiceiro. Que permita a quem lê compreender a mulher na situação. E que não fosse apenas uma sucessão de episódios caricatos, que no caso da Natália é extremamente fácil.

Também enriquecem o trabalho, mas não se resume a isso.
Eles estão lá. Ou seja, todas essas historietas — algumas mais conhecidas, outras completamente inéditas — estão lá. O facto de ela não gostar de ir à praia, por exemplo. Ela não gostava de envergar o fato de banho, o que é interessante vindo de uma mulher tão libertária. Mas fazia uma concessão à democracia e quando foi apoiante do Humberto Delgado, para que não fossem ouvidos pela PIDE, encontravam-se na Praia da Torre, lançavam-se ao mar, davam umas braçadas e a PIDE ficava no areal a vê-los ao fundo. Todos esses detalhes, essas histórias cheias de graça e que são exemplificativas do que era a Natália… Todo aquele período conturbado do PREC, o facto de ter recebido o Grupo dos Nove no Botequim, foi lá que foi escrito o início da estabilização democrática em Portugal. Mas a Natália além de os receber e apoiar essa linha moderada, aproveitou para lhes corrigir a gramática do documento [risos]. Essas coisas estão na biografia, mas estão no seu contexto e isso permite-nos compreender melhor a complexidade desta mulher.

Além da leitura da obra e das tais inúmeras colunas na imprensa que ajudaram a definir este retrato, certamente também fez muitas entrevistas. Tem ideia de quantas foram? Quem foram as pessoas mais fulcrais?
O meu trabalho foi muito apoiado pelo tratamento extraordinário do espólio da Natália a guardo da Biblioteca Pública de Ponta Delgada. A Natália não tem herdeiros naturais. Não teve filhos, não há família. A irmã que ela tinha desapareceu no Brasil à conta de uma seita. O pai e a mãe morreram, naturalmente. O marido morreu. Todo o espólio está neste momento na biblioteca de Ponta Delgada. Fizeram um trabalho extraordinário de catalogação, sem o qual eu não conseguiria jamais fazer esta biografia. Depois, há pessoas que têm trabalhado de uma forma inequívoca o legado da Natália — tendo um contacto direto com o espólio e trabalhando os inéditos. Tudo aquilo que a Ponto de Fuga tem publicado nos últimos anos são documentos históricos muito valiosos e de uma enorme correção. À frente dessa procura está Ângela Almeida, uma das principais estudiosas da obra da Natália, que cito inúmeras vezes; e já havia uma fotobiografia muito boa da Ana Paula Costa, que também cito sobejamente. Depois tive a felicidade de conseguir falar com muitos dos contemporâneos da Natália, algumas pessoas mais públicas, outras menos. O Fernando Dacosta é uma das pessoas que têm mais preservado a imagem de Natália enquanto personagem ativa do espaço público. Mas depois falei com muita gente. Falei com amigos privados, sócios do Botequim, foram dezenas de entrevistas.

Foram seis anos de trabalho. O que acabou por demorar mais? Pelo meio houve uma pandemia, claro, e vários outros projetos do qual fez parte.
Além do facto de ter de consultar um espólio gigante, de ter que entrevistar e recolher toda esta informação, de ter que ler a obra da Natália que é imensa, de ter que cruzar tudo, houve a necessidade de sistematizar, ligar, criar um fio condutor para esta história. Porque sou ficcionista, embora aqui tenha apelado a competências minhas enquanto jornalista. Foram estas competências que me permitiram contar uma história que, sendo cronológica, consegue ir atrás e à frente para relacionar grandes temáticas. Antes de tudo, precisei de ter uma visão global na minha cabeça. E houve um momento, que foi de viragem, quando, numa das idas aos Açores, encontrei um papel não datado no meio de outras coisas. E quando li percebi imediatamente a que período se referia e quem é que ela estava a visar naquela nota. Porque já tinha esse mapa mental. Não tenho muitas características da Natália, mas há uma que efetivamente tenho: a minha desorganização espacial. Não pus um quadro de cortiça na parede, não fiz uma cronologia, não pus Post-its por todo o lado, não fiz ligações, nada. Mas abri várias pastas no desktop do computador — que se parece sempre com um quadro do Pollock — e a minha secretária no escritório é uma mesa de jantar. Ia crescendo e crescendo num volume de livros, papéis, recortes, tudo amontoado. Ao ponto de as pessoas, quando entravam no escritório, não me verem. Mas a verdade é que estava a criar um puzzle mental de várias dimensões na minha cabeça. E ela ajudou-me. Porque ela é de uma extrema coerência. Quase que acabou por ser fácil.

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