Livros

Luísa Sobral: a bookstagrammer que nos ensina a ler os melhores livros

A cantora e compositora acaba de lançar o seu primeiro romance. O culminar de uma paixão de miúda que a trouxe até um estatuto improvável na Internet.
É um fenómeno das redes.

Quando era miúda, as férias eram a altura favorita do ano de Luísa Sobral, embora não pelos motivos habituais. Era o momento em que tinha “oportunidade para ler sem restrições”. Quando viajava com a família, levava sempre consigo uma mala pequena com todos os livros que se seriam a sua companhia ao longo de semanas a fio. “A felicidade de ir comprar livros ainda se mantém nos dias de hoje”, conta à NiT sobre a paixão incutida pela mãe.

“Mãe, gosto muito de ti, mesmo que às vezes estejas a ler e não me ligues nenhuma”, lê-se numa das passagens de um caderno de Luísa, encontrado pela progenitora numa das mais recentes limpezas gerais da casa de infância. E a par da música, a literatura tem sido um dos principais focos da cantora (e autora) de 37 anos. Depois de ter lançado vários livros para os miúdos, publicou a 17 de fevereiro o seu primeiro romance, “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé”.

A história, que demorou cerca de um ano a ser terminada, nasceu de uma notícia num jornal enviado por uma amiga que falava sobre o casal alemão que se tinha mudado para Vila Real, tendo, depois, alterado os seus nomes para Maria Feliz e José Feliz. No excerto, também descobriu que se tinham suicidado juntos. “Achei interessante a ironia do casal Feliz ter tido este fim. São estas ironias que me fascinam sempre.”

Esta história marcou-a de tal maneira, que lançou uma canção dedicada à mulher. No entanto, sabia que tinha de fazer algo mais do que apenas um tema musical. “Continuou a viver comigo. Inicialmente, pensei em criar uma peça de teatro, mas percebi que o romance faria mais sentido para encerrar esta história”, recorda.

A estreia na ficção foca-se na história de duas mulheres, Emmi e M. (personagem inspirada na Maria Feliz), num enredo que decorre nos anos seguintes à queda da Alemanha nazi. Emmi nasceu pouco antes de Hitler ascender ao poder, perdeu o pai na guerra e começou a trabalhar desde cedo para se sustentar.

Durante a Guerra Fria, apaixona-se por Markus, um homem de Berlim de Leste, com quem decide viver — apoiada pela irmã, mas contra a vontade da mãe. Quando o Muro de Berlim é erguido, a família é separada e a chegada de uma carta anónima mergulha-a numa depressão.

Já M. nasce após a divisão da Alemanha e é “o fruto perfeito do socialismo”. Criada por uma ama devido à ausência da mãe, idolatra o pai e desconhece por completo o mundo ocidental. No entanto, tudo muda quando uma rapariga a alerta para a realidade do outro lado do Muro.

A obra também fala sobre a maternidade e é esse mesmo tópico que inspira o título. No livro, há um excerto que diz que as mães são árvores que veem os seus frutos partir, mas ficam no mesmo lugar e morrem de pé. “Mas nem todas as mães morrem de pé”, afirma Luísa Sobral, também autora do tema “Amar pelos Dois”, que venceu a Eurovisão em 2017.

O facto de a história decorrer na Alemanha pós-Nazi foi a maior dificuldade ao longo do processo, o que obrigou à inserção num certo contexto histórico, que muitas vezes era frustrante, porque sentia não tinha toda a liberdade que desejava. “Às vezes queria pôr personagens a dizer e a vestir coisas que não podia porque não faria sentido. A minha maior dificuldade foi estar à vontade com isto”, revela. A pesquisa, que via como um entrave à criação da obra, acabou por “ser inspiradora” e mudou a sua perspetiva.

“Nem Todas as Árvores Morrem de Pé” foi escrito por volta de 2023 e já estava concluído há algum tempo. Luísa Sobral sempre gostou da ideia de, um dia, escrever um livro, mas esperava que a vida a “levasse até lá”. “Não me ia forçar a fazer isso. Aqui, aconteceu naturalmente e escrevi porque senti essa necessidade.”

O sucesso nas redes sociais

Fotografar e partilhar todos os momentos do dia nunca foi um cenário que lhe agradasse, sobretudo porque gosta de “manter a privacidade”. Foi com espanto que deu por si a revelar-se como uma das novas sensações das redes sociais. No Instagram, conta atualmente com 116 mil seguidores.

Para Luísa, foi algo que surgiu com naturalidade, depois de começar a pensar no que poderia partilhar para as pessoas a conhecerem melhor, mas sem ter de falar da vida pessoal. Os livros pareceram-lhe ser a opção perfeita. “É algo de que gosto muito e pensei que poderia ser interessante porque também há pessoas que querem começar a ler mais e não sabem como o fazer.”

Apesar de cantar e compor há cerca de 15 anos, é mais vezes reconhecida na rua graças ao trabalho que faz no Instagram. É na rede que partilha algumas das suas obras favoritas e dá sugestões aos seguidores, entre elas “Dietas e Borbulhas”, uma das principais influências na adolescência.

Mais tarde, surgiu um dos livros que mais marcou a sua vida: “Os Filhos da Droga”, de Christiane F. “Comecei a ver outro tipo de juventude que não era a minha”, recorda.

Depois, começou a “fase típica” de quem chega aos 18 anos e a autora mergulhou nas obras com histórias distópicas como “Admirável Mundo Novo” e “1984”. “A partir daí continuei sempre nos romances, que é o que leio mais até hoje. Também sinto que fui melhorando enquanto leitora e tornei-me exigente.”

A cantora admite que tem uma conta na plataforma Goodreads, onde está constantemente a avaliar livros. Para dar cinco estrelas (o máximo possível), têm de corresponder a alguns fatores: terem uma história muito boa ou uma escrita muito poética. “Quando é a mistura dos dois, é espetacular”, descreve. “Tanto pode ser um livro que acompanha uma família durante muito tempo ou uma escrita que me faz querer sublinhar o livro inteiro.”

 
 
 
 
 
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“Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago, é um dos livros que fez parte da sua vida e que recomenda a toda a gente. “Quando vivia fora e o encontrava traduzido, oferecia-o aos meus amigos”, recorda. Outro livro que a marcou e que quer ler novamente é “O Amor nos Tempos de Cólera”, de Gabriel García Márquez. Recentemente, leu “A Casa dos Espíritos”, de Isabel Allende, e assume que vai ficar consigo durante muito tempo.

Atualmente, Luísa Sobral está mergulhada nas páginas de “Conde de Monte Cristo”, mas é provável que a obra de Alexandre Dumas não vá receber cinco estrelas. “É um pouco parado”, critica. A obra foi uma sugestão do clube de leitura em que a artista participa todos os meses. “Já fiz batota e no meio li outras coisas”, brinca a também autora que tem mais de 100 propostas na lista de livros que pretende ler no futuro.

Enquanto se continua a dedicar à música e às redes sociais, Luísa Sobral está atualmente a trabalhar no seu próximo romance que já está numa fase “bastante avançada”. A narrativa vai ser inspirada pelos concertos que dá nos cuidados paliativos de 15 em 15 dias. “O meu objetivo é que terminem o romance e que se sintam como eu me sinto agora em relação à morte e percebam a paz que pode ter. É só uma passagem tal como é o nascimento.”

“Nem Todas as Árvores Morrem de Pé”, lançado em fevereiro, tem 224 e, atualmente, pode ser adquirido por 15,93€ graças a um desconto de 10 por cento — o valor habitual é de 17,70€.

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