Na nova livraria de Arroios, em Lisboa, só se fala — perdão, só se lê — em italiano. Chama-se Piena e foi inaugurada no final de junho por duas amigas italianas residentes na capital portuguesa, Elisa Sartor e Sara Cappai, ambas com 37 anos.
Conheceram-se através do Instagram. Da Sardenha, Sara Cappai tinha acabado de se mudar para Lisboa, em 2020, com experiência no mercado livreiro e no setor editorial independente em Itália. Comprou uma T-shirt de um projeto que Elisa Sartor tinha por cá — a milanesa vive em Portugal de forma permanente mais ou menos há uma década, após se ter apaixonado pelo nosso País quando cá estudou arquitetura. Dinamizadora de muitos projetos, fazia peças de design e teve até um coletivo de workshops de culinária italiana chamado Mani in Pasta.
“Fiquei a seguir a Sara no Instagram e ela falava regularmente de livros, fazia entrevistas a autores. E fui eu que lhe escrevi com uma proposta para criarmos um clube de leitura juntas. Foi durante a pandemia e todos precisávamos de alguma coisa nova, para sair, para conhecer pessoas novas porque no meu caso muitos amigos foram embora”, conta Elisa Sartor à NiT.
Fundaram então o Azuleggo, clube de leitura focado na literatura italiana, que brinca com a palavra “azulejo” — tão associado à cultura portuguesa — e a palavra “leggo”, o italiano para “leio”. Criaram um canal no Telegram e têm feito sessões informais desde então.
“A Sara disse-me que o sonho dela era abrir uma livraria italiana e perguntou-me o que é que eu achava, como morava aqui há mais tempo, e eu ficaria a fazer isso com ela. Foi a primeira vez que falámos da livraria.” A partir de agosto do ano passado, começaram a elaborar um plano de negócio e iniciaram a procura por um espaço. Queriam muito ficar na zona de Arroios.
“É onde saímos mais, onde conhecemos outras entidades portuguesas independentes… Também há restaurantes italianos, bares de amigos, conhecemos mesmo esta zona a nível de vivência. A freguesia de Arroios é super multicultural e identificamo-nos com isso.”
Demorou algum tempo, mas conseguiram ficar com um antigo escritório de um contabilista chinês que se tinha mudado para um espaço maior. Depois de uma remodelação do local, assim nasceu a Piena. Significa “cheia” e é mesmo assim que tem estado. Apesar de ser uma livraria de livros italianos em Lisboa, tem sido visitada por muitos italianos residentes, turistas e também portugueses.
“Quando abres um negócio há sempre uma ligeira componente de medo, mas ficamos contentes, temos tido mais pessoas do que pensávamos… E agora em setembro parece que toda a gente voltou à cidade e só vamos no dia 6 e já estamos a ter uma semana de loucura [risos], aparece gente de todo o lado.”
Na Piena, a preponderância vai para as edições independentes de autores italianos, mas também têm os clássicos e obras das grandes editoras. Têm disponíveis perto de mil títulos — e Elisa Sartor frisa que ainda existe espaço para mais, uma vez que falta instalar uma ilha central e continuam com uma parede livre. Há também muita literatura internacional traduzida em italiano.
Esta terça-feira, 6 de setembro, vão arrancar com uma newsletter que vai informar os clientes habituais de que irão abrir um clube de leitura mais à séria. Vai chamar-se Regione e Sentimento, em alusão a “Razão e Sentimento” — o título em português do Brasil para “Sensibilidade e Bom Senso”, de Jane Austen. Vai centrar-se em autores contemporâneos das diferentes regiões de Itália. Os que desejarem participar no clube terão de se comprometer a comprar o livro do mês na Piena e haverá uma programação mais completa associada ao clube. O Azuleggo vai continuar em paralelo, de forma mais informal, mas com o mesmo núcleo de pessoas.
A Piena já começou também a receber algumas iniciativas e há-de ter uma programação bastante mais alargada. O objetivo é que acolha apresentações, conversas informais com autores italianos, leituras de obras infantis ou ateliers. Equacionam mesmo, caso consigam contar com a presença de escritores célebres, organizar as sessões em espaços maiores, em parceria com o Instituto Italiano de Cultura de Lisboa.
Tendo em conta que Sara Cappai tem experiência no mundo editorial, e Elisa Sartor vem da área do design e ilustração, também planeiam, um dia, fazer as próprias edições independentes. “Estamos só no início”, promete Elisa Sartor. Gostavam de organizar um pequeno festival de literatura italiana no próximo ano e promover uma noite mensal dedicada à poesia. Mais do que uma livraria, querem ser um ponto de divulgação da cultura italiana em Lisboa. “O objetivo não é sermos apenas uma loja.”
Carregue na galeria para conhecer melhor o espaço da Piena.