Em fevereiro, uma palestra online da Universidade de Massachusetts Dartmouth refletiu sobre se “Os Maias”, o clássico de Eça de Queiroz, é uma obra racista. A sessão pública apresentada pela doutoranda cabo-verdiana Vanusa Vera-Cruz Lima na plataforma Zoom gerou um enorme debate.
Tal como a NiT noticiou na altura, a investigadora defendeu que esta obra do século XIX é exemplo de alguém “que perpetua sem consciência os estereótipos que legitimam e permitem a propagação do racismo”.
“A perceção e a representação de pessoas negras n’Os Maias’ dependem de agressão, desumanização e degradação. O meu objetivo é analisar a linguagem usada por Eça de Queiroz para se referir às pessoas negras, através das personagens, narração, discurso e escolha de palavras, entre outras abordagens estilísticas”, pode ler-se logo na apresentação da palestra, assinada por Vanusa Vera-Cruz Lima.
“Crises de melancolia negra”, “negros de cólera”, “escada escura e feia” e “quartos alegres, forrados de papéis claros” foram algumas das expressões destacadas por Vanusa Vera-Cruz Lima. A professora de português não sugere o fim da leitura da obra, mas sim a consciencialização das pessoas em relação aos “significados que até agora não têm sido observados, nem discutidos, nos materiais escolares que acompanham a leitura”.
Agora, a Associação de Professores de Português (AFP) reagiu ao tema para considerar que uma leitura de “Os Maias” implica a análise dos preconceitos raciais do discurso narrativo e das personagens, assim como a inserção desse discurso no contexto histórico.
A propósito da palestra da investigadora, o vice-presidente da AFP, Luís Filipe Redes, disse à Lusa, citado pelo jornal “Público”, que não é precisa “uma análise muito profunda para compreender os preconceitos raciais presentes em ‘Os Maias’ e em outros textos de Eça”.
“Apesar do seu realismo, o autor tem as limitações de um homem do século XIX. Para não termos visões preconcebidas relativamente aos outros, temos de interagir com eles, coisa que o Eça não terá tido oportunidade de fazer, não obstante a sua passagem por Cuba”, adiantou o professor de Português.
Segundo Luís Filipe Redes, a leitura desta obra “implica a análise dos preconceitos raciais do discurso narrativo e das personagens e inserir esse discurso no contexto histórico”. Porém, defende que aquilo que não podemos fazer “é projetar juízos de valor formados nas vivências do nosso tempo sobre as acções dos homens do passado”.