Primeiro fechou a Aillaud & Lellos, depois foi a vez da Pó dos Livros, também em Lisboa. No Porto, a Leitura encerrou portas; enquanto em Coimbra, a Miguel de Carvalho despediu-se dos leitores. Há mais três livrarias alfarrabistas históricas em Lisboa que anunciam o seu fim nos primeiros meses de 2018: a Livraria Trindade, a Campos Trindade e o Centro Antiquário do Alecrim, na Rua do Alecrim, na Baixa da cidade.
O motivo foi o mesmo dos outros espaços: a subida das rendas e o despejo dos senhorios, que já não estão tão interessados em acolher espaços como estes.
“Em 2013, depois de estarmos há mais de 30 anos neste local, a renda foi atualizada ao abrigo do novo regime de arrendamento (cinco anos), não negociável, um novo contrato surgiu fazendo tábua rasa do anterior contrato. A lei cumpriu-se”, escreve no Facebook António Trindade, o responsável pela Livraria Trindade.
“Entretanto, recebemos uma carta no dia 11 de janeiro com a informação sobre a conclusão do contrato, com saída no final de setembro do presente ano, e apesar dos contactos que fizemos, não há por parte do senhorio qualquer possibilidade negocial. Metade da rua vai ser despejada.”
Ou seja, apesar de terem aceitado aumentar a renda há cinco anos, agora não tiveram qualquer hipótese para negociar um futuro naqueles espaços. Têm todos de sair até 30 de setembro.
“Achamos que este negócio tem história e tem carisma, não há quem em Lisboa não conheça a rua do Alecrim com os seus alfarrabistas e com os seus antiquários. Um turismo de massa arrasa com os centros históricos e faz com que as cidades se tornem todas iguais, com as mesmas lojas e com os mesmos produtos em todo o lado. Os grandes grupos financeiros podem fazer agora o seu festim e acabar com aquilo que era único em Lisboa. Fica a aparência de uma cidade que já foi plural e distinta, e que, presentemente se verga a uma única actividade, o turismo. Quem visita Lisboa vê uma casca, o que lhe dava a vida, já desapareceu ou vai desaparecer.”
António Trindade, que faz parte da terceira geração da família a gerir a livraria, está naturalmente magoado com a decisão do senhorio. “Os meus avós eram antiquários e alfarrabistas, conhecimentos que passaram e progrediram na nossa família. Provavelmente, a família que há mais tempo está neste negócio e que teve a sua origem em frente do Mosteiro de Alcobaça na década de 30 do século XX”, explica.
Não é o único da família que está prestes a perder a sua livraria. Oito portas acima, na mesma Rua do Alecrim, fica a Livraria Campos Trindade, fundada em 1976, que também vai fechar este ano, contou à NiT uma colaboradora que não quis revelar mais informações. É do livreiro Bernardo Trindade, primo de António Trindade. No entanto, a Trindade de António, fundada em 1960, não está perdida para sempre. Pelo menos não é a intenção do dono, que pretende reabrir a livraria numa zona da cidade menos central.
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Centro Antiquário do Alecrim
Esta livraria existe desde 1955. “O meu pai começou a vender livros aos oito ou nove anos na Feira da Ladra, salvou milhares de documentos”, conta a responsável pelo espaço, Margarida Marques Leite. “É uma tristeza. O senhorio, que é da mesma família há 60 e tal anos, disse que o meu espaço vale 10 mil euros de renda. Mas que, mesmo que eu conseguisse pagar os 10 mil euros, não me renovava o contrato. Tentámos concorrer ao programa [da autarquia] das Lojas com História, mas acho que não vai mudar nada.”
Ao contrário dos seus colegas e vizinhos, o Centro Antiquário do Alecrim, que começou na Rua da Misericórdia com outro nome, não tem negócio online e só vende na loja. “Este é um negócio de paciência, mas tem melhorado nos últimos quatro anos. Tenho clientes de todo o mundo. Adoro ver a cidade de Lisboa com este movimento, mas é triste que se tenha de sacrificar este tipo de lojas, para abrir um hostel ou um hotel. Não me disseram que é o que vai acontecer, mas de certeza que será.”
Margarida Marques Leite diz que está a ponderar mudar-se para uma pequena loja no centro comercial Espaço Chiado, que tem recebido ultimamente várias lojas de discos. “Mas é muito diferente passar deste espaço de 500 metros quadrados para uma loja de 25 metros quadrados.”
Segundo um estudo da Confidencial Imobiliário, as casas no centro histórico de Lisboa estão duas vezes mais caras do que em 2013. Um grupo de cidadãos criou o movimento Rock in Riot, que tem o primeiro evento de rua este sábado, 24 de março, para “ocupar a rua e reclamar a cidade”.
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