Ele é Victor, como na antiga grafia, e — fiel aos seus princípios de homem como já não se fazem — não está nem aí para as redes sociais. Toda a gente o conhece e trata carinhosamente como “Professor”, mas o nosso protagonista é um verdadeiro acumulador de qualidades: escritor, cronista, poeta, ator amador. De quem ama.
O graciosense mais conhecido do Faial e intérprete daquele que será, talvez, o mais viral dos vídeos relacionados com a série “Mal-Amanhados” — o conteúdo em que, posto defronte de um belo gin tónico clássico do Peter’s — resume as pronúncias das 9 ilhas num épico brilhante com pouco mais de 2 minutos.
Hoje, dia em que a Região (e o país) perdeu Álamo de Oliveira, Victor Rui Dores é um dos grandes que nos restam — impetuoso, versátil, bardo da açorianidade.
Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida, mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar. Ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
Olhe bem para mim, meu caro Steven Spielberg. Veja lá se eu não tenho parecenças físicas e fisionómicas com Robert de Niro. Sou ator amador, mas tenho uma consciência profissional. E a minha vida é rica em atribulações e peripécias. Aposte em mim que não se arrependerá. Bem sei que sou latino e moreno, mas, por favor, não me dê um papel de “bad guy”. Para isso, já temos o Joaquim de Almeida lá para as bandas de Hollywood…
O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e porquê?
Foi precisamente no dia em que me estreei como professor na Escola Industrial e Comercial de Angra do Heroísmo. Tinha então 19 anos de idade, deram-me um horário noturno e, durante 5 meses, fui substituir uma professora de Francês em licença de maternidade. Sem qualquer habilitação científica ou pedagógica, naquele dia saí da sala de aula com a sensação de que tinha jeito para aquilo e que, definitivamente, o ensino seria o meu futuro.
O que é que Portugal Continental bem poderia aprender com os Açores?
Que os Açores são muito mais do que 9 ilhas, 19 concelhos e 155 freguesias, que estas ilhas vão para além das suas belezas naturais, e que este arquipélago é muito mais do que o seu anticiclone e do que a sua importância geoestratégica. Território avançado de Portugal, fronteira mais ocidental da Europa e charneira entre esta e o mundo atlântico, os Açores são, hoje, um espaço de cultura, de ciência e biodiversidade. E é precisamente aqui que, em tempo de massificação, podemos marcar a diferença. A diferença de viver em ilhas. Com tudo o que isto tem de bom e menos bom. É esta a diferença que “os nossos quase patrícios” (no dizer de Antero de Quental) poderão aprender com os açorianos.
De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo?
Não é impunemente que se nasce numa ilha, onde a terra é pequena, o mar é vasto e o sonho é enorme. Ancorado precisamente na terra, no mar e no sonho, o meu processo criativo está muito ligado à captação sensorial da ilha. Por isso ela continua a ser o epicentro do meu imaginário, o meu roteiro sentimental e afetivo. Escrevo sobre a ilha enquanto espaço imagético e afetivo, gerador de mitos, mistérios e fascínios… Ou seja, a ilha, terra-mãe, povoa os lugares da minha escrita, e, à maneira nemesiana, estabeleço com o espaço insular uma relação de identidade, identificação e comunhão. Porque só sei escrever sobre o que conheço bem e o que me rodeia.

O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Perguntaram-me um dia se havia internet nos Açores, ao que respondi da seguinte maneira: a internet que temos nas ilhas é de altíssima qualidade, pois basta ligar o cabo ao rabo das vacas e tudo corre às mil maravilhas.
Que crime cometerias se não houvesse castigo?
Por amor seria capaz de dormir com a minha sogra.
Como é que a tua família reage à tua profissão?
Muito positivamente. Em 14 gerações, fui o primeiro licenciado na minha família, o que me deu o (estranho) estatuto de “stôr “e a verdade é que nunca quis ser outra coisa se não professor. E ator nas horas vagas.
Aquele sonho por realizar é?
Ser publicado pela Penguin Random House.
Finalmente, para acabar de forma fácil, qual é o sentido da vida?
A vida não tem happy-end. Por isso, nessa matéria sou agnóstico…
“ILHÉUS”
– restaurante?
Restaurante “Estrelas do Mar” (na Baía da Folga, freguesia da Luz, ilha Graciosa), onde se come o melhor peixe do mundo.
– vista?
Poço da Ribeira do Ferreiro (também conhecido por Poço da Alagoinha), na ilha das Flores. Aquilo é a minha ideia de paraíso!
– banhos/zona balnear?
A piscina natural do Carapacho, na ilha Graciosa.
– ritual/tradição?
As festividades do Espírito Santo em que se interligam o religioso e o profano.
– artista referência ou que admires nas ilhas?
O improvisador Ti João Ângelo, da ilha Terceira, já falecido.
– obrigatório de visitar (museu, associação, teatro, bar, whatever)?
O centro interpretativo do Vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial.