17 anos depois, Manuel Luís Goucha vai deixar de apresentar “Você na TV”, aquele que se transformou no histórico programa matinal da TVI. A 4 de janeiro de 2021, a primeira segunda-feira do novo ano, estreia o sucessor, “Dois para as Dez”, com Cláudio Ramos e Maria Botelho Moniz. É uma nova era na estação de Queluz de Baixo.
Já Manuel Luís Goucha passa para as tardes, sem saudosismos nem arrependimentos, substituindo Fátima Lopes. O novo programa vai chamar-se “Goucha” e estreia no mesmo dia — terá um registo diferente e começa agora a ser preparado.
A NiT e outros meios de comunicação falaram com o apresentador da TVI sobre todas estas mudanças a 23 de novembro.
Como é que se sente a ir das manhãs para as tardes da TVI?
Eu não sinto nada, são quase 30 anos, e é um ciclo muito longo, mas não tenho saudades de nada. Eu parto do princípio que irei sentir o mesmo que senti quando saí da “Praça da Alegria” e da RTP ao fim de dez anos e passei, na semana seguinte, para a TVI, que é: eu não senti nada. Eu não me agarro emocionalmente aos projetos que faço. Agarro-me, sim, com unhas e dentes, profissionalmente. Portanto, acabou, acabou, as manhãs não mais são minhas, passam a ser as tardes. Tranquilo. Eu também estou numa posição muito confortável, que é: eu não digo adeus. Eu digo adeus a um projeto para no dia seguinte iniciar outro. Portanto, é muito mais aliciante começar uma coisa do zero do que dizer adeus a uma coisa que tem 16 anos, acho que está no 17.º ano. Ou então que tem 29 anos, se generalizarmos para as manhãs em que trabalhei todos os dias. Sou muito prático, sou de futuro.
O programa da tarde tem características diferentes. Mantém-se a boa disposição das manhãs?
A boa disposição tem de estar lá sempre, mas isso é uma característica minha. Mesmo que uma conversa seja densa e até seja algo trágica, eu tento sempre — claro que não posso fazer galhofa perante uma tragédia — e, aliás, as pessoas comigo, por muito tristes que estejam, muitas vezes saem da lágrima para o riso. Ou para o esboço de um riso. O programa está a ser pensado, delineado, é necessariamente de mais conversa, conversas com mais tempo, com segmentos muito interessantes, que não posso desvendar por enquanto. Mas o Manuel Luís Goucha de sempre estará lá… Talvez com menos palhaçada… A palhaçada é uma coisa que a manhã permite, sobretudo em dupla. Aliás, viu-se este fim de semana durante seis horas. Se eu disser “mata”, a Cristina já esfolou. Mas isso consegue-se com uma dupla que tem uma grande afinidade, e com grande poder de coesão. Agora, num programa da tarde, os ritmos são diferentes.
Este era o programa que queria apresentar?
Eu nunca pensei no que é que vem a seguir. Eu sou um fazedor de televisão, sou deslocado para os projetos em que as respetivas direções me achem mais eficaz. Claro que se for um projeto em que não acredite, que nada tenha a ver comigo, eu recuso. Tenho essa possibilidade. Agora, nunca pensei no que é que ia fazer nos dois últimos anos deste atual contrato. Se iria ficar na manhã ou se ia mudar para um horário da tarde ou se ia fazer outra coisa além da manhã… Nunca pensei nisso. Eu tenho uma posição muito tranquila em relação ao meu ofício.
Está a pensar ficar mais tempo?
Quando acabar o contrato eu terei 68 anos. Eu sei que não pareço, mas vou fazer 66 no dia de Natal. Portanto, é natural que eu aos 68 anos não queira fazer programas todos os dias. Não me importo de fazer um semanal. Ou não. No dia em que sair da televisão saí, tenho outras coisas para fazer na vida, nomeadamente gozar o tempo e o Alentejo, ainda sem andarilho. Portanto, não faço a mínima ideia. Até 31 de dezembro de 2022 vou estar a fazer o programa da tarde e depois logo se verá. Aquilo que costumo dizer é que talvez me apeteceria abrandar o ritmo. As pessoas não acreditam, nem mesmo a pessoa que vive comigo há 21 anos acredita que isto é possível. Mas quando digo que quero abrandar o ritmo, é porque aparecem coisas em televisão, como o “Conta-me” [que vai continuar a fazer, em alternância com Maria Cerqueira Gomes]. Agora este programa de sábado de seis horas correu muito bem, e correu tão bem que já há outro no sábado, outra vez de seis horas. Epá, calma. É mais para eu depois ter tempo para gozar as minhas coisas e para escrever. Agora, eu sei lá o que vai acontecer daqui a dois anos, eu não sei o que vai acontecer amanhã [risos].
A adaptação para apresentar o programa das tardes vai-lhe ser natural?
Vai, porque eu não vou mudar nada na minha vida, que é uma coisa que as pessoas perguntam: ‘vai levantar-se a uma hora diferente?’ Não. Mesmo aos fins de semana, estando no Alentejo ou aqui, levanto-me às sete. Desde o início da pandemia que me levanto às sete. Antes era às 6h15, mas já não há a reunião das oito. Agora, vou continuar a levantar-me às sete e a deitar-me às nove da noite. E depois vejo um filme até às dez. A única coisa que muda é que a preparação do programa deixa de ser feita durante a tarde, e passa a ser preparado de manhã. Por acaso tenho uma vantagem: ganho nos fins de semana no Alentejo. Em vez de eu vir ao domingo à tarde, posso vir nas calmas ao meio-dia de segunda-feira. Portanto, passo a ter três noites no Alentejo. Afinal, já podia ter acontecido há mais tempo [risos].
Relativamente ao público, também será uma adaptação diferente?
Eu não sei bem o que é o público da tarde, porque eu já substituí a Fátima [Lopes] várias vezes em “A Tarde é Sua”… Há franjas que vêm da manhã, mas depois há um outro público. Acho que essa maior preocupação vai ser no conteúdo do programa. Ao fim e ao cabo, as pessoas que gostam de mim mantêm-se comigo e já sabem como eu sou. Acredito nessa fidelização. Se puder captar mais pessoas para a tarde, tanto melhor.
Isso significa que já fez tudo o que queria em televisão, pode ir embora em paz?
Eu acho que falta sempre fazer tudo em televisão, mas o que digo é que sou muito tranquilo em relação ao futuro. Eu não tenho há muitos anos essa ansiedade de “o que é que vou fazer”. A vida encarregou-se de me dar um desafio novo, a dois anos de eu terminar mais um contrato com a TVI. Eu imaginava lá que eu iria fazer agora um horário novo. Estamos a falar de um programa que vai começar do zero. Com um nome diferente, com um cenário diferente, com conteúdos diferentes e um apresentador diferente. Não estou nada preocupado com o meu futuro. Imaginemos que o programa vai ser um sucesso e que passados dois anos me dizem: Manuel Luís, tens que continuar mais dois anos. Ok! Ou que não, que acaba aqui. Ok! Eu ganhei essa tranquilidade com os anos.
E qual é o nome do programa e quando é que estreia?
A estreia é a 4 de janeiro. O “Você na TV” acaba a 31 de dezembro, e ano novo, programa novo. Tanto o meu como o do Cláudio e da Maria.
Como é que vai ser o último “Você na TV”?
O último “Você na TV”… Os programas têm de estar gravados, portanto vai ser um best-of dos melhores programas, porque vamos estar em montagens de cenário. Nada de saudosismos, nada disso, eu detesto esse tipo de coisas. Acabou, acabou, está morto, rei morto, rei posto. Programa morto, programa posto. O nome [do novo programa] é “Goucha”. Não gostei.
Não? Porquê?
Nós todos temos os egos muito insuflados, claro, não é? Somos vaidosos, se não não fazíamos televisão, se não não aparecíamos. Mas eu achei que isso podia ser um exercício de pouca humildade [risos], eu não sou humilde mas… porquê? Vai-me dizer que o nome dos apresentadores está muito na moda nos programas, a Maria Elisa começou isso há muitos anos na RTP, foi o primeiro programa com nome próprio. Eu sinceramente não achei muita graça. Porquê Goucha? Porquê olhar para o meu umbigo através do nome de um programa? Mas os argumentos eram muito fortes e fazem todo o sentido. Porque ao longo destes quase 30 anos eu sempre ouvi dizer “eu estive no Goucha”, “eu fui ao Goucha”, “eu vou ao Goucha”. Mais do que ir ao “Você na TV” ou ir à “Praça da Alegria”, era “eu vou ao Goucha”. Mesmo entre os técnicos, muitas vezes eles encontram-se no bar, “o que é que vais fazer hoje?” “Hoje estou de Goucha”. Há uns que dizem “hoje vou montar o Goucha”, que é montar o cenário do Goucha [risos], o que dá para outras brincadeiras. Quando usaram esses argumentos, eu disse: está bem, pronto, faz sentido. E hoje já posso escrever um texto sobre o nome e vou explorar isso. Assim faz sentido: “Goucha” Vs. “Júlia”.
O programa já está todo definido?
Não, a partir de hoje vamos começar a trabalhar. Claro que há ideias, há um cenário que eu não conheço, é que vocês não sabem como é trabalhar com a Cristina [risos], a Cristina rodeia de grande secretismo tudo o que diz respeito a estas novidades. Sei de algumas ideias para o programa que me agradam muito, aliás, um programa com o nome “Goucha” apresentado por mim necessariamente tem que ter conteúdos que têm de estar de acordo com a minha personalidade e com aquilo de que gosto. E com aquilo que eu acho de que o público vai gostar.
Fez algum pedido específico de alguma coisa que quer ter no programa?
Não, tenho ideias para pessoas que gostava que estivessem comigo regularmente no programa, mas não. Eu não dou trabalho [risos].
Para alguém com tantos anos de experiência, as audiências passam-lhe ao lado?
Passam-me completamente ao lado, nem sei as audiências que tenho. Eu sei que tenho ganhado muitas manhãs, mas não faço a mínima ideia. Só quando me dizem. Mas eu já ganhei e já perdi, eu ganhei a “Praça da Alegria” muitos anos, eu perdi todas as manhãs no “Olá Portugal”. Eu perdi com a Cristina os primeiros anos do “Você na TV”. Eu ganhei durante dez anos o “Você na TV”. Eu perdi ano e meio quando a Cristina estava do outro lado. Eu estou a ganhar agora muitas manhãs nos últimos tempos. Não é isso que é importante. Eu tenho é que me divertir, que ser feliz a fazer televisão. Claro que as televisões privadas vivem de acordo com as audiências. Mas costumo dizer que não é isso que me aflige. Aliás, tenho outros exemplos. A Júlia Pinheiro esteve na manhã a perder oito anos, não ganhou uma manhã e nunca a viram triste e desmotivada. Mas é que não mesmo. Eu estive ano e meio a perder e a levar tanta pancada das revistas, mas acho que faz parte do jogo. Eu sei que é só o jogo, que quis jogar desde sempre, por isso faz parte. Mas nunca me fui abaixo, eu não vou abaixo com tão pouco.
É um luxo que só os veteranos têm, de não se preocuparem com as audiências?
Eu não tenho nada a provar a ninguém. Alguém fica em primeiro, alguém fica em segundo e alguém fica em terceiro. Não é por eu ficar em segundo, por eu perder durante algum tempo que deixo de ser o profissional que sempre fui. Eu sei que sou muito bom profissional. Portanto, de consciência tranquila. Não é de todo uma preocupação. Pior era se eu levasse esse peso da audiência que não era ganhadora para um programa de televisão. Não. Isso não me afeta minimamente.