Quando lançou o seu primeiro disco, em dezembro, a cantora de ópera Svetlana Kasyan decidiu dedicá-lo ao Papa Francisco. “Fratelli Tutti”, que contém 14 temas em 14 línguas diferentes, poderia ser apenas um de muitos — milhares — de presentes que o líder da Igreja Católica recebe. Mas não é.
A russa de 37 anos estava apenas a retribuir outra generosa honra: a de ter sido condecorada pelo Papa com a grande cruz da Ordem de São Silvestre. Tornou-se na primeira e única mulher até então a receber esta condecoração. Mais: Svetlana e o marido foram escolhidas por Francisco para serem os seus embaixadores da paz na Rússia.
Tentarão, desta forma, fazer a ponte entre o Papa e Vladimir Putin, para que o presidente russo o receba e aceda aos seus pedidos — num caminho tortuoso que envolve a pouca vontade da Igreja Ortodoxa em que essa visita se torne numa realidade.
Esta escolha tem uma explicação simples. Leonid Sevastianov, marido de Kasyan, está ligado à Igreja Ortodoxa. E a soprano é também a favorita de Francisco. Ambos russos, tornam-se assim na ligação ideal para exercer alguma influência na esfera política russa.
A amizade com Svetlana já vem de longe, ela que é uma das mais promissoras sopranos do país. Nos últimos nove anos, encontrou-se com o sumo pontífice em oito ocasiões, a última das quais para lhe entregar um exemplar do seu disco, onde fez questão de incluir o seu tango preferido, “La Cumparsita”.
“Ele disse-me que adora a minha voz e que sente a verdade da minha alma nela”, explicou a cantora após a visita. “Conversámos sobre música mas também sobre a vida, a minha família, a minha filha Natalia. É como se fosse meu padrinho.”
Svetlana nasceu em 1984, numa família yazidi, em Batumi, na Geórgia. Aos nove anos, a família foi forçada a mudar-se por causa da guerra entre as forças armadas georgianas e as forças separatistas da Abecásia.

Assentaram em Aktobe, no Cazaquistão, onde Kasyan estudou música, muito graças à mãe, que era professora. “Podíamos não ter comida em casa ou sequer mobiliário, mas havia sempre música. Tínhamos um piano e desde pequena que ouvia Tchaikovsky, Chopin, Rachmaninov”, recorda. “Quando a minha mãe me levou para o conservatório, perceberam que a minha voz era demasiado forte para o coro, por isso puseram-me a cantar a solo. Comecei imediatamente a dar concertos e a ganhar prémios.”
Aventurou-se pelas músicas populares e pela pop, até que chegou aos clássicos e à ópera. “Nunca tinha visto ópera antes dos 17 anos. Tinha ideia que era algo grande, velho, feio e incompreensível. Nunca fez parte das minhas escolhas iniciais.”
O talento era inegável e valeu-lhe uma entrada no Conservatório de Moscovo, bem como no programa de jovens artistas do prestigiado Teatro Bolshoi. A partir daí foi sempre a subir — e os elogios nunca mais pararam, ao ponto de ser considerada uma das melhores sopranos da sua geração.
“Venci uma competição na China e isso abriu-me o caminho a uma carreira internacional, 12 anos de espetáculos em Itália e por aí fora”, conta. “É por isso que escolho temas de tantos países, em tantas línguas. E depois a minha relação com o Papa Francisco, que foi uma bênção.”
A relação com o Papa começa em 2013, no concerto a solo de Kasyan em Roma, organizado pelo estado italiano e pelo Vaticano. Acabaria por ser recebida numa audiência privada por Francisco, que lhe pediu para “cantar a Deus e espalhar o bem”.

Nem todos veem esta relação próxima com bons olhos. Kasyan é ortodoxa, mas tem sido condecorada e elogiada por Francisco por espalhar a palavra católica. A dedicatória ao líder do Vaticano provocou uma séria reação na Rússia.
“Tenho partilhado excertos de alguns temas nas redes sociais e tenho recebido comentários negativos”, explicou em dezembro. “Fico muito triste com isso.”
Menos ortodoxa foi a sua decisão de, em 2017, aceitar o convite da edição russa da revista masculina “Maxim”, para participar numa sessão fotográfica sensual. Svetlana tirou a roupa e explicou, afinal, porque é que arriscou mais uma dose de comentários negativos: “Queria atrair a atenção do grande público para a arte da ópera”.