Música

Agir: “Queria que este álbum fosse mais verdadeiro do que perfeito”

A NiT entrevistou o músico, que acaba de lançar “Cantar Carneiros”. “Quero acreditar que ainda há um público que quer ouvir um álbum"
Foto de Arlindo Camacho

Bernardo Costa, mais conhecido por Agir, começou muito cedo na música. Filho do cantor Paulo de Carvalho e da atriz Helena Isabel, a ligação às artes foi desde sempre intrínseca. Por volta dos 12 anos, começou a gravar os próprios temas em casa, cruzando elementos de dancehall, hip hop ou pop. 

Na adolescência tornou-se um pequeno fenómeno junto do público juvenil, graças a canções como “Wella” ou “Voltar ao Paraíso”. Espalhavam-se online, nos primeiros tempos do YouTube, ou de leitor de MP3 em leitor de MP3. Mas tudo isto de forma completamente independente e artesanal, sem qualquer interferência da indústria musical. Isso só começou a acontecer a partir de 2010, quando Agir lançou o primeiro disco.

Desde então, construiu uma base de fãs jovem mas que tem vindo a alargar as suas fronteiras — também graças a momentos especiais como quando interpretou canções icónicas do tempo da revolução no espetáculo “Cantando Abril”.  Além de artista pop de sucesso, contribuiu decisivamente para lançar outros músicos mais jovens, produzindo e compondo os seus temas. 

O novo disco mostra a versão mais madura de Agir. Com capa de Bordalo II a partir de uma fotografia de Arlindo Camacho, “Cantar Carneiros” foi editado a 9 de setembro. Foi feito de forma completamente diferente em relação aos trabalhos anteriores do músico de 34 anos. Em vez de ter um cariz eletrónico, foi construído unicamente com base em instrumentos. Ao contrário do habitual, o autor começou pelas letras. Em vez das mil e uma gravações à procura do take perfeito, apostou em registar uma versão mais espontânea e verdadeira da sua voz. 

A procura pelo analógico, pelas imperfeições da performance musical, esteve presente em todo o processo. Por um lado, é um disco mais pensado — em que a prioridade foi ponderar em vez de “agir” de forma impulsiva. Por outro, o perfecionismo não dominou a composição do trabalho. A propósito do lançamento de “Cantar Carneiros”, a NiT falou com Agir. Leia a entrevista.

Quando e como é que este álbum se começou a construir? Foi a concretização de um plano ou foi apenas acontecendo?
Antes da pandemia, já tinha um álbum pronto. Um álbum que, musicalmente falando, podia-se entender como mais parecido com as coisas que eu já tinha feito. Senti-me num lugar seguro e numa repetição — e acabei por mandar esse álbum temporariamente fora. Comecei a fazer um novo, que não tivesse nada a ver com as coisas que tinha feito até agora. Sempre fiz coisas muito eletrónicas, e este álbum é totalmente orgânico, tocado com instrumentos. Sempre editei muito as vozes e pus muitos efeitos, aqui foi tudo gravado ao primeiro e ao segundo take. Até as fotografias foram feitas em analógico. Era um álbum que eu queria muito mais verdadeiro do que perfeito, onde se assumisse o possível erro.

Houve alguma coisa específica que o tenha feito perceber que era este o caminho?
Não, foi o facto de não me querer repetir, de não querer fazer dois álbuns iguais, de querer experimentar fazer um álbum de uma maneira que não fosse a usual, de usar um método que não fosse aquele que uso sempre.

A questão do acústico, do analógico, dos instrumentos, é esse sobretudo o conceito e a importância que o “Cantar Carneiros” tem para si?
Sim, e também as letras… Sempre funcionei muito por impulso. Ou seja, fazia as coisas rapidamente conforme saíam, sem as maturar muito. E aqui, não sei se isto tem a ver um pouco com a idade, se calhar estou um bocadinho mais velho e quis maturar melhor as ideias, quis escrever coisas e esperar e depois olhar para elas com outros olhos e voltar a escrever e mudar… Coisa que não era muito frequente antes. É um álbum feito com mais calma. É um álbum mais ponderado e espero que as pessoas também o recebam dessa maneira. Calma essa que se calhar não existe tanto com o défice de atenção que existe hoje em dia. 

No caso deste álbum, houve algum imaginário — que não tenha necessariamente a ver com a música em si — que o tenha inspirado?
Acho que ler, principalmente. Qualquer pessoa que trabalhe com escrever letras deve tentar ler o máximo possível. Um médico não pode ser médico sem estudar muito… Obviamente são áreas diferentes, mais técnicas, mas tudo aquilo com que nós trabalhamos — sejam instrumentos, música, letra, etc. — é importante ver outras pessoas a fazê-lo, a brincar com palavras, acho que é a única maneira de nos enriquecermos e de não ficarmos com duas palas só naquilo que já sabemos fazer. E principalmente ter esse bichinho da curiosidade, de ver sempre outras pessoas, sejam mais novas ou mais velhas, a fazer. É isso que tento fazer. E a pandemia, mesmo que por imposição, deu-nos muito tempo para ficar em casa e papar tudo o que é filmes e um livro ou outro também. Daí também ter saído este álbum, não sei.

Tem-se falado muito, nos últimos anos, da relevância ou não do álbum, face ao single. Isso para si é uma questão, ou nunca foi? Continua a ser o seu formato de eleição e aquilo que é mais importante?
Acho que também é o próprio artista que “educa” o seu público a que tipo de artista é. Se é um artista mais de single a single, ou se é mais conceptual e gosta de ter coisas que tenham um conceito. Neste caso, este álbum é efetivamente mais conceptual, onde as coisas fazem mais sentido umas com as outras e espero que a malta consiga ouvir com outra atenção. Pelo menos é essa a minha ambição. Podemos dizer que hoje em dia se calhar já não se ouvem tantos álbuns, mas quero acreditar que ainda há um público que quer ouvir um álbum e ouvir as coisas com mais calma, mesmo que seja um nicho.

O Agir começou muito cedo, tornou-se conhecido ainda durante a adolescência com as músicas que gravava. Depois, certamente, teve também a fase em que foi notado por um público mais velho por ser filho do seu pai. Entretanto entrou mais na indústria e ao longo dos últimos 10 anos tem-se tornado mais reconhecido e transversal em Portugal. Sente que este álbum também acaba por ser a consagração dessa jornada, deste reconhecimento?
Só espero que não seja uma consagração porque me dá assim um ar de “fim” e espero ainda ter muitas coisas para fazer [risos]. Mas acho que me tornei nos últimos anos um artista relativamente transversal. Ainda assim, não deixo de ser um artista para malta mais jovem, digamos. Claro que, por arrasto, alguns pais e avós também iam ouvir as minhas coisas, mas obviamente que a minha música não era tão direcionada para eles. Mas acho que é o que estavas a dizer: comecei a fazer música muito novo, estou relativamente mais velho, e obviamente que estou a viver outras coisas e também quero falar de outras coisas e é normal que agora as pessoas que se identifiquem mais com elas sejam pessoas da mesma idade ou um bocadinho mais velhas. Acho que é natural, não é feito de forma super premeditada, mas é uma evolução natural de o tempo passar e as vivências serem outras.

Além da transversalidade de idades, de públicos de diferentes faixas etárias, também é um artista transversal quanto a géneros. Ou seja, as pessoas não o colam a um género específico de música.
Sim, pelo menos tento. Tenho muito essa coisa de, se for para fazer o 2.0 do último álbum que fiz, esse álbum já lá está, quem quiser ir ao Spotify hoje pode ouvi-lo. Não quer dizer que seja sempre bem-sucedido, mas a mim interessa-me o que posso fazer de diferente, o que ainda não fiz. E provavelmente o próximo álbum também vai ser diferente deste. E o a seguir ainda será diferente também. Umas vezes melhor, outras menos, mas é isso que faz com que continue a ser estimulante fazer música.

O método criativo para construir este álbum mudou muito, tendo em conta as diferenças do disco? Ou na verdade não foi assim tão diferente?
Foi relativamente diferente, foi uma das coisas a que me obriguei. Costumo começar sempre com um instrumental mais eletrónico, depois vou pelas melodias e só no final faço a letra. Aqui obriguei-me a fazer as letras todas primeiro, a escrever os poemas sem qualquer tipo de melodia nem música, musicar mais tarde à guitarra e só no final é que as produzi. Como disse há bocado, as minhas coisas sempre foram ultra editadas e gravadas até à exaustão para ficarem mesmo os takes perfeitinhos, e aqui foi gravado tudo ao primeiro e segundo take. Estivemos todos juntos em estúdio a gravar as coisas ao mesmo tempo em vez de vir cada um dos músicos gravar a sua parte. Foi um disco, até a nível metódico, diferente dos outros. E foi diferente principalmente por causa dessa vontade de fazer de uma maneira que não fosse habitual.

E, provavelmente, mesmo que agora volte a um registo mais eletrónico, carrega consigo esta bagagem de um método diferente.
Certo, é sempre uma experiência. E principalmente porque os álbuns eletrónicos sou só eu que os produzo, então são muito solitários, e neste aqui tive a oportunidade de o partilhar com grandes músicos e amigos. Esses momentos é que ficam.

E qual é a sua maior ambição na música? Não sei se é um artista que pensa muito nisso, se define objetivos a cumprir, ou se vai fazendo e as coisas também acabam por acontecer.
Já pensei mais, cada vez penso menos. Ou seja, cada vez penso mais projeto a projeto. Que projeto é que eu gostava de fazer a seguir? Não olho tanto para a minha vida daqui a 10, 20 ou 30 anos. Mas olho para o próximo ano… Já estou aqui a fazer músicas novas, a compor música para colegas de profissão, mas estou a tentar muito mais viver um momento de cada vez em vez de estar sempre a pensar “em que palco é que gostava de tocar a seguir?”, “quem é que gostava de atingir?”… Existe uma grande glorificação de ser workaholic e que parece uma coisa ótima, mas cada vez mais chego à conclusão de que não é assim tão bom ser workaholic. Não nascemos assim tanto para trabalhar, mas para viver. E devemos trabalhar o mínimo indispensável para podermos viver, lá está [risos].

Foto de Arlindo Camacho

Tem alguma espécie de rotina criativa? Ou não é uma rotina, de todo?
Tenho muita dificuldade em ter rotinas em tudo na minha vida, portanto a música não é exceção. Mas normalmente é sempre à noite. Até o nome do álbum, “Cantar Carneiros”, tem a ver com isso. Tem a ver com aquilo a que já chamo as minhas insónias crónicas. Mas acho que é relativamente transversal a qualquer pessoa que seja minimamente criativa. O silêncio e a calma da noite às vezes são mais producentes. Diria que o meu hábito é, quando a malta vai dormir, o telefone não toca tanto, é aí que me agarro à guitarra ou ao computador a produzir e é aí que, na maioria das vezes, começo a fazer música.

O Agir colabora com muitas pessoas e compõe e produz para outros artistas. Também é algo que lhe dá prazer, suponho. Vê-se cada vez mais nesse tipo de papel?
Sim, adoro dar concertos, mas se me obrigassem a escolher só uma das coisas, provavelmente iria escolher ficar no estúdio. Sendo muito notívago, não sou muito boémio, então não sou muito de sair à noite. Uma noite perfeita para mim é ter os meus amigos aqui no estúdio e ficarmos a jammar, a produzir, a fazer qualquer coisa… Diria que cada vez mais vou estar no estúdio e, pontualmente, em concertos. Embora, atenção, também adore dar concertos.

Potenciar artistas novos é algo que lhe dá um gozo especial?
Sim, quando vejo alguma coisa nova de alguém que não conheço de lado nenhum, sou o primeiro a ir meter conversa. Umas vezes com sucesso, outras vezes não, mas sou o primeiro a chegar-me à frente quando gosto de alguma coisa, nem que seja para dizer que gostei. Vale o que vale. Mas muitas vezes sugiro: ‘bora aí ao estúdio, sem compromisso, ver o que sai. Às vezes só para eles, outras vezes para cantarmos juntos, outras vezes não sai nada e temos só uma agradável conversa ou ficamos só a mostrar músicas um do outro. A música é feita para misturar. Já me deu grandes amigos, que acabaram por ficar, e espero eu ainda durar alguns anos, por isso acho que ainda vou ter mais amigos e pessoas que vou gostar de conhecer ao longo da vida.

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