Está marcada para esta quinta-feira, 23 de setembro, a reunião do Conselho de Ministros que irá confirmar se Portugal vai mesmo avançar com as medidas previstas para a próxima fase de desconfinamento. Com grande expetativa está o setor cultural e dos eventos, além dos proprietários de discotecas. Com mais ou menos restrições, todos querem voltar a ter público em pé, a dançar, agora que Portugal se aproxima de atingir a meta dos 85 por cento da população vacinada contra a Covid-19.
Uma das pessoas que estão mais expectantes é Álvaro Covões, diretor da promotora Everything is New, uma das maiores do País, e dirigente da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos (APEFE), que ao longo da pandemia tem estado em contacto com o governo e as autoridades de saúde para procurar encontrar soluções e alternativas.
Em entrevista à NiT, Álvaro Covões mostra-se desiludido com a forma como o setor tem sido gerido durante a pandemia. O promotor diz não compreender as razões que levaram a que os resultados dos eventos-teste conduzidos durante a primavera nunca tenham sido revelados.
E diz que estamos a atravessar uma fase do “faz de conta”, em que há uma série de eventos — Covões fala da campanha eleitoral autárquica, da Feira do Livro de Lisboa ou dos casamentos — a acontecer em que as regras sanitárias na prática alegadamente não funcionam. Covões lamenta que, ainda assim, não se permitam realizar grandes eventos musicais em pé. Leia a entrevista.
Falta pouco para o Conselho de Ministros que poderá decidir se, como se espera, os grandes eventos podem voltar a acontecer com restrições mínimas, com plateia em pé. Que balanço faz nesta altura dos últimos tempos para o setor cultural e dos eventos?
Tudo aquilo para o qual trabalhámos — aliás, até fomos nós a lançar o mote “salvar o verão” — não aconteceu. Os eventos-teste foram feitos com esse propósito, as autoridades de saúde entenderam não divulgar os resultados e entretanto o verão foi-se. E foi uma tragédia. Acho que há um misunderstanding muito estranho na cultura. Quando se fala de que as salas de espetáculo abriram, com lotações a 50 por cento… para já, o governo sempre falou, e está escrito na lei, que a lotação, em português, é a lotação. Mas a DGS entende que são os lugares sentados. É uma interpretação que as autoridades de saúde decidem dar à língua portuguesa. E portanto cria-se uma falsa ilusão de que o setor cultural tem condições para trabalhar, quando 80 por cento da nossa atividade económica — não é de volume de trabalho, é atividade económica — depende dos eventos em pé: os grandes festivais, os grandes concertos, na Altice Arena, no Campo Pequeno, nos coliseus. É fácil de perceber, se 80 por cento da nossa atividade económica está proibida, o que é que nos aconteceu? Uma tragédia. Em 2020, e foi um ano que teve dois meses e meio de normalidade, os associados da APEFE — as grandes empresas dos grandes eventos — tiveram uma quebra de vendas de 78 por cento. Segundo os números recentes, a nossa estimativa é que a quebra deste ano esteja nos 85 por cento. Muito pouco aconteceu.
Os resultados dos eventos-teste não foram divulgados publicamente. No seu entender, porque é que isto aconteceu?
Não sei, isso é uma pergunta que tem de ser feita a quem decidiu. Também não sabemos quem foi. Acho que às vezes as pessoas quando estão na causa pública esquecem-se de que não são donos da coisa, estão ao serviço do povo. E depois resulta nisto. Isto não tem cor política, já ando aqui há uns anos para saber que é recorrente. Mas tenho pena, porque demos o nosso máximo, nós respondemos aos desafios que nos foram lançados, o objetivo era muito claro — encontrar soluções para salvar o verão — e não o salvámos. Obviamente, só podemos concluir que os resultados foram tão bons que não se conseguia justificar a proibição desta tipologia de eventos. É a conclusão a que podemos chegar, porque não faz sentido, não é?
O Álvaro acredita que poderia estar a haver eventos em Portugal sem distanciamento nem máscaras, desde que se cumprissem as medidas de segurança à entrada, com certificados digitais de vacinação e/ou testes à Covid-19?
Sim, aliás, nem se percebe… Nós somos um dos países com mais alto nível de vacinação, e em simultâneo somos um dos que têm mais restrições. Isto está meio estranho… Agora estamos numa situação um pouco diferente do que havia nos eventos-teste, porque agora temos a vacinação. É evidente que o sistema de bolha funcionou em muito lado, como, por exemplo, na aviação. Não houve surtos na aviação e a prova são as tripulações. A aviação está a funcionar há mais de um ano em sistema de bolha e funciona, foi isso que tentámos que acontecesse no verão. Agora isso já acabou, estamos noutro campeonato. Quase 85 por cento das pessoas estão vacinadas, há uma proteção superior, por isso a nossa expetativa é que o governo e as autoridades de saúde cumpram aquilo que foi dito, que, atingidos os 85 por cento, acabavam as restrições, abriam as discotecas e os grandes eventos podiam acontecer.
É a expetativa do setor neste momento.
É uma expetativa muito grande por uma razão muito simples. Se pensarmos bem, este excesso de vacinação — o facto de termos dito aos miúdos de 12, 13 ou 14 anos, que, se eles aceitassem ser vacinados, a nossa vida iria voltar ao normal quando atingíssemos o patamar dos 85 por cento. E não foi por mero acaso que até nos dias de vacinação se puseram bandas ou DJ. Foi para demonstrar: colaborem que é a única forma segura de podermos voltar a uma normalidade. Portanto, não me passa pela cabeça que isso não vá acontecer. Não pode passar. É que uma coisa é dizerem uma coisa aos adultos e depois, nalgumas circunstâncias, não cumprirem. Agora com crianças não se pode fazer isso. E aquilo que vemos em Santos, no Cais do Sodré, no Bairro Alto, de norte a sul do País, é demonstrativo de que as pessoas já não aguentam mais. É a natureza humana, nós somos um animal social. Sejam adultos ou crianças, as pessoas têm uma necessidade de estar juntas.
E acredita que, se se abrirem as discotecas e os grandes eventos…
Tem de se abrir porque já perdemos o controlo. Como está tudo fechado, as pessoas juntam-se em duas ou três zonas e depois dá naquilo que vimos. Em vez de distribuirmos as pessoas por mais espaços, estamos a aglomerá-las todas juntas no mesmo sítio, com problemas de violência, sem controlo nem segurança. Isto não pode ser uma selvajaria, não é? E na realidade até já voltámos à normalidade. Ao fim de 19 meses, nunca vimos tanto festival: basta ver os comícios de norte a sul do País. E não tem cor política, são todos os partidos. Não me passa pela cabeça que não haja uma larga maioria, do governo, das autoridades de saúde, do parlamento, que não queira abrir tudo. Porque, no fundo, o que os partidos nos estão a dizer nesta campanha eleitoral é que voltou a normalidade. A única coisa que não podemos ter é um festival com plateia em pé ou um festival com bilhetes. Mas podemos ter um comício de entrada livre. Parece esquizofrénico.
O Álvaro sai destes 19 meses desiludido com o executivo e as respostas ao setor cultural e dos eventos?
Não é o governo, são todos os partidos. Até já os partidos não são capazes de se organizarem com regras de Covid. As pessoas já não conseguem, não participam. Mas é um regime de liberdade e responsabilidade. Vai quem quer. As pessoas participaram no maior ato de responsabilidade, que foi a adesão à vacinação. Agora está na hora de lhes devolverem a liberdade. E há pessoas que podem dizer “negacionista”. Isto aconteceu na Dinamarca, na Holanda, no Reino Unido, Hungria, Estados Unidos… Onde há um nível muito alto de vacinação volta-se ao normal. Por exemplo, na Dinamarca e no Reino Unido nalguns eventos já nem é preciso apresentar certificado. Noutros tem que se apresentar. Whatever, que seja. Estamos todos necessitados. Na Bélgica estava tudo aberto a 1 de setembro, num grande evento que fizeram, desde que apresentassem certificado. Em Inglaterra está a haver festivais com 100 mil pessoas. Está tudo a acontecer em todo o lado.
Se tudo correr como esperado, tendo em conta que se está quase a atingir os 85 por cento de vacinação, o objetivo é regressar com a máxima força possível?
Claro, e depois isso demora, não é só carregar no botão. É preciso planeamento, é preciso tempo de promoção, é preciso tempo de trabalho. Isto vai arrancar devagarinho, mas pelo menos dão-nos autorização para podermos trabalhar, que até é um direito constitucional. E nós temos milhares de pessoas e dezenas de empresas que quase não trabalham há 19 meses. Os equipamentos culturais em Portugal são poucos, não dá para toda a gente. Além de que só agora estamos com 75 por cento de lotação, mesmo nos espetáculos sentados era muito difícil rentabilizar espetáculos com 50 por cento de lotação. Se todos os espetáculos dessem lucro com 50 por cento de ocupação, isto era o melhor negócio do mundo. Mas não é.
Queria também aproveitar para fazer algumas questões relativamente à Everything is New. Recentemente, Ed Sheeran anunciou uma tour europeia de estádios para o próximo ano. Gostaria de o trazer novamente cá?
Gostava, mas, infelizmente, Portugal e Espanha ficaram mesmo de fora desta tour. E segundo sei a fotografia que estão a usar é uma nossa tirada cá. Foi um ponto muito alto na última tour. A logística das coisas, montar uma tournée não é uma coisa fácil. Obedece a um calendário, a uma logística de engenharia e a uma logística financeira. As coisas têm de fazer sentido. E às vezes, como nós somos um país periférico… Mas nos últimos anos Portugal tem tido muitas tours. Mas quando as datas são poucas, não dá para ir a todo o lado.
Há alguns anos foi falado que a Everything is New queria abrir uma sala de espetáculos junto do Tejo, na zona de Santos. É um projeto que continua de pé?
Ainda está de pé, mas primeiro isto tem que voltar à normalidade. Há um conjunto de projetos que, obviamente, primeiro temos de voltar a uma normalidade, temos de saber com o que é que contamos para um futuro próximo para se poder avançar com eles. É um projeto que, assim que tivermos a certeza de que será possível num futuro próximo, obviamente vamos querer avançar. Está tudo à espera de sair deste pesadelo. As pessoas têm uma necessidade de dançar como eu nunca vi. Já vi pessoas a chorar porque puderam dançar. E ao contrário do que se pensa, não se dança só nas discotecas. Também se dança nos espetáculos. Mas como se diz na gíria empresarial, este projeto está em pipeline. Portanto, está a seguir o seu processo normal. Mas, pronto, agora estamos no faz de conta.
No faz de conta?
Diz a DGS que os espetáculos devem ser sentados para as pessoas não se movimentarem e não se cruzarem umas com as outras. E na Feira do Livro de Lisboa estiveram todos a cruzar-se. Fizeram umas regras do faz de conta que não funcionam na prática. Mas ainda bem que aconteceu a feira do livro. Só que a nós não nos deixam fazer, não sei porquê. Alguém não gosta de música, não sei…
Se calhar associa-se os espetáculos de música às bebidas alcoólicas e aos efeitos que têm…
E na feira do livro não se vendia cerveja? E nos casamentos não há álcool? E os casamentos supostamente nem podem ter pista de dança. Mas, pronto, vivemos no faz de conta. Mas no nosso setor cultural está a criar danos, a destruir empresas, os profissionais estão a mudar de profissão… quem é que se pode aguentar num setor que está proibido? Mais vale ir fazer casamentos. Acima de tudo tem de haver igualdade. A feira do livro foi um faz de conta, os casamentos são um faz de conta. “Isto pode, mas com muitas regras”. Ali não há regras nenhumas, as pessoas vão lá e veem que não há. Obviamente há as regras individuais de cada um, usar máscara, estar no seu grupo, mas se tiveres num casamento depois de três copos já falas com o tipo do lado que não conheces de lado nenhum. E ninguém está preocupado com isso.