O grande dia de concertos nesta Festa do Avante! foi o sábado, 5 de setembro. Entre os históricos Mão Morta e a revitalizada Lena d’Água, entre a energia singular dos Blasted Mechanism e a magia musical dos Dead Combo (que estão a despedir-se do público), houve também espaço para Dino d’Santiago, que é um dos músicos portugueses mais relevantes e importantes da atualidade.
Dino está num patamar apenas seu. Criou-o. Carrega a bagagem do hip hop e da soul, traz consigo a alma e bandeira do funaná de Cabo Verde e transforma-o num género mutante em que a eletrónica e os sons contemporâneos africanos servem de roupagem. Tudo isto enquanto se afirma enquanto ícone da crioulização e da mistura, elevando os próprios conceitos. “Branco ku prétu, gerason di oru”, canta em “Kriolu”.
Era um dos concertos mais esperados da noite na Quinta da Atalaia e isso notou-se bem. Rapidamente a plateia sentada encheu-se para receber Dino d’Santiago no palco principal — onde já tinha atuado no passado enquanto membro dos Expensive Soul e dos Nu Soul Family. Era um palco onde queria muito regressar a solo, admitiu.
Antes de tudo, Dino começou por citar Platão. “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”, exclamou, dando a sua legitimidade à polémica festa do PCP. “Não temamos, família”. Mais tarde diria: “O medo nunca foi a energia certa.”
Nos últimos anos, Dino d’Santiago reinventou a sua carreira. O álbum “Mundu Nôbu” foi o gamechanger, tornando-o num dos mais conceituados músicos nacionais, fazendo-o chegar até Madonna ou sendo distinguido lá fora por nada menos do que a revista “Rolling Stone”. Seguiu-se o EP “Sotavento” e, este ano, o disco surpresa “Kriola”. O músico natural de Quarteira não pára e também já apresentou nova música, “Morna”.
O resultado é mais do que positivo: Dino d’Santiago acumulou tantas canções de qualidade e sucesso (com a ajuda de uns quantos colaboradores habituais, como Branko, Paul Seiji, Pedro ou Kalaf) que hoje em dia pode dar-se ao luxo de ter um alinhamento ao vivo que é um autêntico desfile de hits, mais e menos enérgicos, de diferentes texturas e feitios, mas aos quais o público reage sempre bem.
Quase em formato medley — fazendo a travessia entre canções de uma forma altamente dinâmica, mas também não demasiado rápida —, como muitas das estrelas pop mundiais fazem, Dino d’Santiago foi apresentando os temas dos últimos discos para o público do Avante!, acompanhado do seu trio de “rainhas” na retaguarda, que iam tocando partes dos instrumentais.
Animados e a dançar, embora sentados (houve algumas exceções, sendo que o artista pediu explicitamente para que se cumprissem as regras), a plateia vibrou com faixas como “Nova Lisboa”, “Raboita Sta. Catarina”, “Sô Bô”, “Nôs Crença”, “Brava (Carta pa Tareza)”, “Morabeza”, “Arriscar”, “Sofia” ou “Kriolu”. Pelo meio, e de forma a homenagear algumas referências, foram passados excertos de músicas de Kaytranada ou dos portugueses Buraka Som Sistema e Nigga Fox.
Um dos momentos mais especiais aconteceu quando Dino chamou ao palco a cantora Marta Ren, que tinha atuado durante a tarde no Avante!, para uma interpretação especial de “Como Seria”. Dino recordou o facto de ter entrado nos Expensive Soul — onde teve uma fase crucial do seu percurso — para substituir Marta Ren. Agora estavam os dois reunidos em palco.
A estreia a solo no Avante! — e o regresso aos grandes palcos num ano tão atípico — foi mais um pequeno passo na longa (e feliz) jornada que tem sido a carreira de Dino d’Santiago. Não só é um músico talentoso e um performer nato (que arrisca criativamente e traz coisas novas para a mesa), como é alguém que vive e personifica a mensagem que transmite. Tem uma verdadeira identidade. E isso é cada vez mais importante.
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