Façam o que quiserem, só não digam aos Bad Religion que o punk morreu. Há mais de 40 anos a administrar liturgias servidas a riffs e coros em uníssono, o grupo de Los Angeles encerrou o palco Super Bock do Primavera Sound Porto esta quinta-feira, 8 de junho, perante uma minoria de fiéis.
Para muitos, “punk” é talvez agora um termo que surja mais associado a moda, aglutinado a outras palavras (“cyberpunk”) ou recuperado no mais recente fenómeno encabeçado por Machine Gun Kelly (o dito “pop-punk”). No entanto, dando o devido contexto, os Bad Religion fazem parte da vaga de bandas americanas que surgiu depois dos Sex Pistols trazerem a anarquia ao Reino Unido e dos Ramones pedirem para ser sedados. E não ficaram por aí: se a intensidade se media até então dos 0 aos 10, eles aumentaram-na para os 11.
Hoje, a fúria das suas descargas e a urgência da palavra partilhada talvez não movam multidões. Até porque o rap e a onda da música latinoamericana tomaram o seu lugar como movimentos da cultura juvenil. No entanto, quem acorda todos os dias a precisar de sentir o sangue a borbulhar e os dentes a ranger sabe com o que pode contar. E se há quem perceba da poda, são os Bad Religion: Brett Gurewitz, um dos guitarristas, é o fundador da Epitaph, uma das mais influentes editoras dedicadas ao género e que ainda hoje promove novos talentos.
Apesar da experiência acumulada ao longo de décadas, a tarefa a que os Bad Religion se propuseram não era fácil. Colocados depois da catarse coletiva trazida por Fred Again e à mesma hora que um certo furacão pop chamado Rosalía, cabia-lhes mostrar porque é que são um nome lendário. Fizeram-no sem esforço algum — e ausência de chuva ajudou.
Em frente ao Palco Super Bock, pontuavam t-shirts de quem lá foi propositadamente vê-los (Husker Du e Nomeansno, entre outras). A maioria do público, porém, parecia compor-se de espectadores casuais, talvez à procura de uma alternativa a Rosalia, talvez com curiosidade em assistir a um simulacro do passado. O que os Bad Religion demonstraram, todavia, foi que não há prazo de validade para quem arranca com “American Jesus” e “Los Angeles is Burning”. Quando os acordes começaram a soar e as vozes a serem testadas até aos seus limites, a balbúrdia tomou conta da frente do palco.
Mosh, mãos no ar e o ocasional crowdsurfing sublinharam porque é que o Primavera se cimentou como um festival eclético, onde a dança hardcore pode dar lugar no espaço de uma hora ao hardcore dancing. Não sendo possível honrar a nobre tradição punk de subir ao palco num festival como este e atirar-se sem contemplações, o espírito rebelde ficou-se por quem arremessou um sapato, o que levou aos risos incrédulos do baixista Jay Bentley.
“Do What You Want”, “No Control”, “Suffer” e “We’re Only Gonna Die” satisfizeram o bichinho de quem estava à espera de malhas mais antigas, mas foi a partir de “Generator” que o caldo saltou do pote. Mal o vocalista Greg Graffin entoou “like a rock”, ouviu-se em bom som “like a planet, like a fuckin’ atom bomb” e percebeu-se que eram mais os fãs ali à frente do que inicialmente parecia. Foi o momento de viragem que fez deste um grande concerto em vez de meramente bom.
“21st Century Digital Boy” deu a estocada final, mas antes “You”, “I Want to Conquer the World” e “Punk Rock Song” ajudaram a esgotar os últimos cartuchos. O clímax emocional de “Sorrow”, em particular, lembrou alguns e mostrou a outros o poder redentor da música partilhada. Enquanto tivermos isto, “there will be sorrow, no more”.
Leia ainda a crónica do concerto de Kendrick Lamar, de dia 7 de junho, no mesmo festival. E carregue na galeria para ver mais imagens do segundo dia do Primavera Sound Porto.