Um dos maiores artistas urbanos nacionais, Bordalo II, tem desde 28 de março uma exposição a solo em São Paulo, no Brasil. Na galeria Usina Luis Maluf, “Bicho Homem” apresenta cerca de 40 obras inéditas — sendo que há uma série de murais na cidade, intervenções maiores, que acabam por alargar o impacto do seu trabalho na metrópole brasileira.
As suas peças, todas construídas de propósito no país, voltam a alertar para os problemas ambientais e a sublinhar a importância da biodiversidade e dos habitats. A mostra está patente até 3 de maio. Mas Bordalo II já está do outro lado do mundo a preparar outro trabalho — agora constrói uma das suas maiores peças de sempre, dois hipopótamos, numa parede em Bordéus, França. Leia a entrevista da NiT com o artista.
Como surgiu a oportunidade e como pensou na exposição “Bicho Homem”, em São Paulo?
A ideia começou a partir de um convite da galeria Usina Luis Maluf, em São Paulo, e achámos que era uma cidade em que fazia sentido fazer o nosso trabalho e as nossas peças, por vários motivos. Primeiro, pelo facto de o Brasil ser um país com muita biodiversidade — com toda a parte da Amazónia e da bicharada daquela zona — mas também porque a própria metrópole de São Paulo ser um espaço multicultural, com muita diversidade artística, muitos murais, muita pintura no espaço público, muito graffiti, com vários tipos de intervenções completamente diferentes. Umas legais, outras ilegais, mas acabam por conviver todas no mesmo espaço. E seria obviamente interessante para nós tentarmos acrescentar alguma coisa e conseguir que o nosso trabalho pudesse viver nesse espaço, em harmonia com todos os outros.
A exposição era apenas composta por obras inéditas.
Sim, relativamente às peças de interior propriamente ditas, dentro da galeria, todo o trabalho foi produzido no Brasil e é novo. Mas, provavelmente, o meu trabalho-chave acaba por ser o do espaço público, e além das peças de interior dentro da galeria fizemos uma série de murais na rua, que também acabam por fazer parte da exposição.
Sente que, por estar a trabalhar no Brasil e nesse contexto da cidade de São Paulo que descrevia, acabou por fazer coisas diferentes? Que não faria, por exemplo, em Portugal?
Sim, acho que sempre que se convive num espaço diferente acaba por nos dar oportunidades de interpretar o nosso próprio trabalho ou a realidade, e chegar a resultados diferentes. Acho que este é um passo importante, até para explorar espaços diferentes e mostrar o meu trabalho a outras sociedades.
Faz muitas peças pelo mundo, em países muito dípares. Apesar de a sua arte ser bastante universal, no sentido em que qualquer pessoa consegue absorvê-la e desfrutar dela, sente a maneira como é vista muda consoante os países ou os tipos de pessoas?
Acho que é das duas formas. Diferentes pessoas do mesmo país podem interpretar de formas completamente diferentes, e em diferentes países também. Mas espero que, no geral, seja interpretada não apenas como uma coisa estética ou bonita, mas que dê para entender a mensagem que está por trás das peças.
E qual foi a mensagem específica que quis passar com esta exposição do Brasil?
Acaba por ir de encontro àquilo que tenho tentado passar com o meu trabalho. Portanto, que não seja um trabalho elitista, que consiga ser entendido por todos, mas que por isso não tenha que ser algo popular ou banal. É arranjar uma forma de criar uma linguagem que tenha valor artístico e, ao mesmo tempo, consiga ser interpretada e lida pelos vários estratos sociais. Desde as pessoas mais pobres ou menos instruídas até às pessoas com capacidade para comprar peças originais, por exemplo. Especialmente quando é no espaço público, é importante que um trabalho artístico possa comunicar com as pessoas e tenha alguma coisa a dizer. No meu caso, falo sobre as questões ambientais, as problemáticas em torno do habitat dos bichos, a destruição da biodiversidade, e coloco a grande questão: se destruímos o habitat dos bichos, que os destrói, sendo nós, também animais, não estaremos também a destruir a nossa própria espécie?
Através do seu trabalho tem criticado muito o consumismo excessivo presente na sociedade e a destruição ambiental causada pela humanidade. Sente que essa sensibilização e consciencialização que faz com as suas peças tem um impacto real nas pessoas e ajuda a mudar mentalidades? Recebe esse feedback?
Acho que sim. Claro que sozinho é difícil mudar o mundo, mas conseguir fazer uma pequena parte já é importante. Se toda a gente fizer uma pequena parte, provavelmente as coisas mudam. E sobre o caso específico do Brasil… Acho que nos últimos anos andámos um bocado para trás na questão da consciência ambiental. Algumas personagens políticas que ocuparam poleiros nos últimos anos — felizmente duas já saíram, entretanto — fizeram com que houvesse um retrocesso gigante naquilo que é a chamada de atenção e da sensibilização relativamente a estes assuntos. Por muito que o mundo tenha evoluído de forma positiva durante bastante tempo, tivemos aqui um declínio um bocado assustador, e que nos leva a crer que nada é garantido.
Obviamente já faz este trabalho há bastante tempo, e acompanhou a transformação e a ascensão da street art, fez muitas peças diferentes e várias exposições. Tem metas específicas que ainda não concretizou, mas que deseja muito nos próximos anos?
Há muita coisa para fazer, mas não posso contar, vamos ver o que aí vem [risos].
Planeia muito cada passo, ou nem por isso?
As coisas são pensadas e ponderadas, mas acho que é importante deixar o barco andar e ver por onde é que o mundo nos leva.
Também tem feito pequenas intervenções na cidade que vai partilha nas suas redes sociais. Estou a falar, por exemplo, de algumas adaptações de sinais de trânsito, etc., que tem feito para assinalar dias especiais. Sente que esse tipo de ações também tem muito impacto?
Espero que sim, porque são aqueles que gosto mais de fazer. Chamamos-lhe os “Provocs”, é o nome da série de trabalhos. Acabam por ser mais livres do que tudo o resto. Eles não são feitos a pensar se podem transmitir alguma informação errada, se pode haver algum descontentamento da parte de muitas pessoas que não partilhem das ideias. É uma forma de me expressar muito livre que não está minimamente dependente de haver uma aceitação.
E que balanço faz da exposição “Evilution”, que apresentou recentemente em Lisboa? Correu tão bem quanto esperava?
Sim, acho que talvez tenha superado as expetativas, ficámos bastante contentes com o resultado. Tivemos quase 90 mil pessoas em dois meses, numa exposição que não se paga para entrar — e vai de encontro àquilo que defendo. A arte e a cultura são um pilar de uma sociedade sustentável, que vai no caminho certo, portanto fico contente por fazer de forma aberta, para que todos possam ir.
E já prepara outra exposição noutro sítio, ou ainda não?
Temos algumas ideias, mas para já ainda não temos fechado.
O Bordalo II e a sua equipa trabalham agora numa peça bastante grande em França.
Sim, são dois hipopótamos gigantes, andamos aqui de volta disto. É um “Big Trash Animal”, da sub série “Neutral”, portanto, é tudo pintado. Deve ter para aí uns 12 metros de altura e para aí 30 de comprimento. Considero que está no top 3 ou top 5 das maiores que já fiz, é muito grande.