Quando entrevistámos os Calema há quatro anos, tinham lançado há pouco tempo o single “A Nossa Vez”. O tema foi um sucesso tão grande, nos diversos países lusófonos, que recentemente atingiu a marca das 100 milhões de visualizações no YouTube — sem incluir os números de outras plataformas, como o Spotify ou o iTunes.
Se não contarmos com os artistas brasileiros, que naturalmente têm uma dimensão superior, é a primeira música cantada em português a atingir estes valores. Mas os Calema não são um one hit wonder. “Vai” ou “Te Amo”, por exemplo, são outros singles que acumulam dezenas de milhões de visualizações. E há muitos mais.
Naturais de São Tomé e Príncipe, os irmãos Fradique e António Mendes Ferreira, de 35 e 30 anos, começaram a cantar muito cedo, em casa. Os pais sempre os incentivaram. Quando se mudaram para Portugal, começaram a construir uma carreira. Gravaram covers, depois tentaram a sorte em França (chegando a participar na edição local de “The Voice”), antes de regressarem ao nosso País para se consolidarem como uns dos artistas mais populares da última década.
A NiT falou com os Calema sobre o novo feito e o potencial ainda por explorar do mercado da música lusófona. Leia a conversa.
Atingiram recentemente a marca dos 100 milhões de visualizações na música “A Nossa Vez”. É a primeira canção cantada em português que chega a estes números, se não contarmos com artistas brasileiros. Como é para vocês perceberem que estão a conquistar esta dimensão?
Fradique Mendes Ferreira (FMF): Os 100 milhões deixam-nos orgulhosos de que pela primeira vez, uma música cantada em português, dentro dos países lusófonos — exceto, claro, o Brasil… Somos os primeiros a atingir esses números no YouTube. É uma meta que tínhamos colocado há uns anos, com a nossa equipa: temos de lutar para atingir esse número. Sem dúvida fez-nos trabalhar mais ainda. Ajudou-nos bastante a ter foco. E hoje estamos muito orgulhosos.
António Mendes Ferreira (AMF): É um sentimento de missão cumprida, mesmo. Quando olhamos para trás, as horas que passámos no estúdio, todo o processo criativo… E graças às pessoas que partilharam as músicas, as rádios e as televisões que passaram as músicas, fizeram com que a música chegasse às 100 milhões de visualizações. Isso mostra que a união faz milagres e coisas excecionais. São 100 milhões não só para nós, mas para toda a cultura lusófona.
Os 100 milhões de visualizações também são simbólicos do vosso crescimento gradual ao longo dos últimos anos. Têm sentido esse crescimento ano após ano?
FMF: Esse crescimento tem sido num muito bom sentido. Lembro-me de que há uns anos, para um artista lusófono — exceto o Brasil, porque o número de visualizações lá é uma coisa do outro mundo — era muito difícil atingirmos um milhão em pouco tempo. Hoje, batermos 100 milhões… E temos colegas que ultrapassaram um milhão num dia. Vemos que as pessoas pouco a pouco vão aderindo mais às redes sociais, vão partilhando mais as músicas e mais pessoas vão tendo acesso.
AMF: E isso é muito bom para os novos talentos que estão a aparecer, para mostrar que é possível. Esta marca mostra que é possível no nosso mercado chegarmos a esses números. E isso impulsiona-nos. É muito importante o pessoal lá em casa apoiar a cultura e os artistas. Isso faz com que o mercado cresça, com que os artistas cresçam, que coisas novas apareçam todos os dias.
FMF: Mesmo para os artistas nacionais, e não só, é uma inspiração e uma forma de colocar pressão, de dizer “nós conseguimos”. E não é só o “A Nossa Vez”. Fizemos o “Vai”, que tem mais de 70 milhões; o “Te Amo”, que tem mais de 50 milhões; e outras. O mercado tem crescido bastante. Agora é continuarmos a trabalhar, melhorarmos aquilo que temos de melhorar.
Também sentem esse crescimento no dia a dia, nos concertos? Com mais pessoas a aparecer e a falar convosco na rua?
AMF: Sim, fomos a banda que abriu o ano nos coliseus de Lisboa e Porto. Ficámos impressionados com o número de pessoas que apareceram. E os concertos a seguir esgotaram todos. Estamos a encontrar casas com recordes batidos. É um orgulho imenso vermos que as pessoas perceberam a mensagem que passamos na música e estão conectadas. E nos concertos conseguimos ter essa união com todo o público e isso é magnífico.
Acreditam que a música lusófona tem potencial para se tornar num fenómeno ainda mais internacional? Sem contar com o caso do Brasil que tem outra dimensão há muito tempo.
FMF: Sem dúvida, isso é certo. Vemos nos concertos, no dia a dia, mesmo com as opiniões de amigos brasileiros que temos. Eles dizem: o crescimento tem sido mesmo grande. E a forma de consumir a música faz com que os artistas se adaptem e melhorem o que precisa ser melhorado. Tem havido um crescimento enorme e acreditamos que ainda pode crescer muito mais para levarmos a música cantada em português mais longe. Porque a mensagem que passamos tem um significado tão puro quanto aquela passada por um Ed Sheeran, uma Beyoncé ou um Bruno Mars. Porque não tocar no mundo todo? Acho que é uma questão de oportunidade e de timings. Se conseguirmos gerir bem este processo e tivermos o povo lusófono connosco, de certeza absoluta que vamos rapidamente tocar o mundo.
AMF: O importante é a união. Temos o exemplo de alguns artistas da Nigéria. Hoje a música nigeriana, o afrobeat, tem um poder imenso internacionalmente. Isso é devido à junção e união dos países anglófonos africanos. Uniram-se e conseguiram fazer a diferença. Encheram arenas, estádios, e isso internacionalizou a cultura toda. Acho que nós na lusofonia também temos esse poder. E a união já mostrou muitas vezes que podemos quebrar qualquer barreira e ir até aonde a gente quiser. É continuarmos esse trabalho, essa busca.
Em Portugal, o que é que sentem que ainda falta conquistar?
FMF: Acho que falta não haver tantos concertos gratuitos. É como tudo, nós damos muito mais valor às coisas e fazemos mais exigências quando chegamos e dizemos “vou pagar um bilhete”.
AMF: “Porque quero ver esse artista crescer e apoiá-lo”.
FMF: E se o som não tiver em condições, se o palco não estiver como deveria, quando pagas tu dizes: não, eu quero, eu exijo que haja condições. Sem dúvida que é uma busca enorme. Sei que por todos os lugares onde passamos tem-se estado a desenvolver isso pouco a pouco. Mas é necessário que a população decida que quer contribuir. Mesmo que seja com um valor simbólico. Porque assim criamos uma indústria que não fica dependente de terceiros. Depende do povo. Quando vem um artista internacional, as pessoas estão dispostas a pagar valores mais altos porque sabem que a qualidade será grande. Acho que é termos essa cultura de apoiar para ver os concertos. Porque toda esta logística de ver um concerto acontecer é muito cara. E a qualidade implica esses investimentos.
AMF: Nos concertos ouvimos sempre “as vossas músicas mudaram a minha vida”. E essa sensação é a de um artista a contribuir para a cultura. E isso faz com que as pessoas paguem bilhetes, porque querem que aquele sentimento perdure, não querem que morra.
Sabemos que estão a preparar um disco novo. O que é que já podem contar sobre o projeto?
AMF: Uma viagem nova, uma experiência e um conceito novo. Estamos ansiosos para vos mostrar. Brevemente iremos lançar, mas é a continuação da mensagem com que começámos. É algo refrescante.
FMF: É uma nova era, mesmo para nós, porque a pandemia entretanto ensinou-nos muita coisa e vamos colocá-las de uma forma muito interessante neste novo trabalho. Esperamos que assim continue e que o público nos dê mais uma vez oportunidade de ouvir estas músicas.
AMF: Coloquem o cinto de segurança porque a viagem vai ser boa [risos].