O processo de criação de “Subida Infinita”, o novo álbum dos Capitão Fausto, começou em 2021 com um retiro em que os cinco elementos da banda se isolaram do mundo, para pensarem nas letras.
Após vários anos de trabalho, o resultado final foi apresentado esta sexta-feira, 15 de março. É o quinto álbum de longa duração da banda, composto por dez temas. Alguns deles já eram conhecidos, como “Andar à Solta” e “Nunca Nada Muda”.
“Subida Infinita’ é o nome do nosso quinto álbum, e a última vez que tocamos os cinco juntos. Crescemos os cinco, sempre juntos, e embarcámos numa aventura absolutamente singular. Continuamos perto, como irmãos, mas os Capitão Fausto são agora uma banda de quatro elementos”, comentam com a NiT, fazendo referência à saída de Francisco Ferreira.
As gravações foram feitas, mais uma vez, em Alvalade — mas desta vez numa nova casa.
Tomás Wallenstein, o vocalista, e Domingos Coimbra, o baixista, explicam à NiT como foi o processo de criação do disco e o que o futuro reserva para os Capitão Fausto — e para os fãs — agora que a banda passa a ter menos um membro.
Porque é que escolheram “Subida Infinita” como o título do álbum? Esta é uma expressão que pode ter várias interpretações.
A “Subida Infinita” é também uma das canções do disco. É uma obra instrumental que o Manel tinha escrito há uns anos e que tínhamos ouvido e tocado em concertos. Houve uma altura em que começámos a perceber que isso podia ser uma simbologia interessante para representar aquilo que é este período das nossas vidas e da vida da banda, em que de certa forma há uma perceção de um trabalho que é continuado e que não tem propriamente um fim. Existe um percurso a fazer e o grande valor desta profissão é o percurso que se faz e não o objetivo a que nos propomos, porque não existe um objetivo final. Até sonoramente a própria “Subida Infinita” e a forma como o instrumental se desenvolve cria uma ideia de uma linha que nunca acaba e que se pode repetir infinitamente. Tudo o que muda é o que acontece à volta dela, neste caso os acordes que estão por trás. Não foi propositado, mas à medida que o álbum começou a ser composto, de repente esse instrumental e esta ideia sugestiva começou a dar-nos um fio condutor. Este deve ter sido o disco em que mais cedo percebemos como é que se ia chamar. A meio do projeto já tínhamos este bocado de música e, de repente, tudo encaixou.
A canção “Subida Infinita” foi o pontapé de partida para o resto da criação do álbum?
Não foi o pontapé de partida, porque há muitas canções que começaram a ser feitas antes. Mas foi mais à frente no processo, quando voltámos a passar por essa composição, que ela começou a dar uma cola a várias criações díspares que tínhamos. Ela lança o mote. Esta ideia de subidas melódicas e constantes vai aparecendo ao longo do disco em certos pontos.
Disseram que atualmente estão numa fase diferente das vossas vidas, tanto pessoalmente como profissionalmente. De que forma é que isto se refletiu nas canções e nas letras?
Tentámos que isso se refletisse no que toca aos resultados, ou seja, o que foi uma missão maior entre nós foi encontrar espaço para conseguirmos continua a fazer música como fazíamos nos outros anos e tentar adaptar o nosso ritmo diário e a nossa rotina a essa tarefa. A verdade é que apareceram muitas crianças aqui, fomos mudando de casa e tivemos vários sítios diferentes de trabalho ao longo dos anos. Saímos do primeiro estúdio que fizemos em Alvalade e no final deste período voltámos a encontrar outro sítio em Alvalade, ao qual chamámos de casa. Acho que isso também é uma temática do disco, a própria adaptação às realidades, à incerteza e às coisas que vão passando por nós. Fazemos um caminho sempre em frente e adaptamo-nos àquilo que nos rodeia em cada passo.
Desta vez, não fizeram o álbum na vossa casa original em Alvalade.
O álbum passou por vários sítios. O primeiro retiro que fizemos, em janeiro de 2021, foi numa adega, em Cadima, onde gravámos também o “Pesar o Sol”. Depois, saímos da nossa sala de Alvalade e voltámos para a nossa primeira sala de ensaios onde foi feito o “Gazela”. Ainda tivemos um breve período de tempo numa sala de ensaios de um amigo nosso em Marvila. Só depois é que fomos para Alvalade novamente, onde montámos um estúdio do zero e, juntamente com o produtor, tivemos este último ano a gravar o álbum. Foi um período extenso de gravação e de produção. Tematicamente, esta procura de casa e este sentimento um bocadinho nómada refletiu-se muito na música que estivemos a fazer e nos temas que quisemos abordar.
Mencionaram que antes de gravarem um álbum costumam fazer um retiro. Como é que foi para o “Subida Infinita”?
Temos esse hábito porque a nossa forma de compor começa sempre por juntarmos a banda toda sem termos ideias que trazemos de casa. Críamos de raiz. Isso precisa de um ambiente onde conseguimos, durante um período mais longo de tempo, abrir a torneira e ficar a compor, a compor e a compor. Muitas vezes, as nossas primeiras composições têm pouca forma. São ideias soltas e dificilmente numa primeira fase se tornam em canções. Sempre achámos, enquanto banda, que uma boa forma de arrancar é através de um retiro. Neste caso, não foi exceção. Na verdade, é capaz de ter sido a vez em que estivemos mais tempo, quase três semanas. E daí poucas coisas chegaram ao disco. Foi a “Andar à Solta”, uma versão muito embrionária, e a “Nunca Nada Muda”. Tudo o resto ficou de fora.
O retiro é uma forma de definirem o esqueleto do álbum?
Sim. Neste caso também decidimos que íamos só estar a fazer rascunhos e que não íamos perder muito tempo a desenvolver ideias, mas íamos armazenando as ideias que já tínhamos. Também para acordarmos um músculo que podia já estar um pouco mais adormecido. Foi muito produtivo nesse aspeto e, depois, tivemos oportunidade de apostar numas que gostámos mais, e deixar para trás outras que não gostámos tanto.
Na “Nunca Nada Muda” há um verso em que dizem: “anda muito mais difícil do que quando isto arrancou”. Quando escreveram, estavam a pensar em quê? Porque isto pode-se adequar a uma relação, mas, por outro lado, pode-se adequar à saída do Francisco dos Capitão Fausto.
Essa canção fala sobre nós os cinco e o que é que faz uma relação de longo prazo perdurar e porque é que às vezes existem desencontros. É mais uma reflexão do que propriamente uma história. É evidente que, para nós, estes últimos anos foram muito desafiantes. Tivemos muitas peripécias, entre não termos sítios para trabalhar, preparar concertos durante a pandemia, planear e preparar-nos para a saída do Francisco, que foi anunciada já com algum tempo e com a qual tivemos a lidar durante alguns meses. É evidente que houve umas alturas mais fáceis do que outras entre nós, mesmo a trabalhar. Às vezes é difícil perceber quando é que cinco pessoas estão completamente em sintonia e com a mesma vontade de chegar a um objetivo comum. Na maior parte das vezes não é comum e o trabalho que temos de fazer é encontrar qual o caminho comum de todos. A “Nunca Nada Muda” fala especificamente de uma altura em que nos estávamos a sentir mais perdidos uns dos outros nesse aspeto. A subida estava a custar um bocado mais. No nosso caso, somos um grupo de amigos que começaram por ser amigos que tinham o sonho de tocarem e darem concertos. Depois ultrapassámos todos esses sonhos juntos. Estamos a falar de quase 15 anos a tocarmos. É normal que muitas dinâmicas de relações e de formas de trabalho vão mudando à medida que vamos crescendo. Também há um lado de saber aprender a viver com isso. Sempre houve uma ideia muito clara de um fim comum e de um fim bom para a música que fazemos e para as nossas amizades, que continuam a ser muito importantes para todos.
Quando o Francisco disse que ia sair da banda, os fãs ficaram surpreendidos. Quando eles vos contou, também foram apanhados de surpresa?
Tivemos muito tempo para conversar e para perceber quais eram os objetivos do Francisco e o que ele queria para a vida dele. Felizmente, tivemos muito tempo para nos ambientarmos a esta ideia. A partir do momento em que sai uma peça fundamental como qualquer um de nós era nos Capitão Fausto, temos de ver como é que a banda se reergue e continua a fazer aquilo que fazia antes. Mas o Francisco quis acabar o álbum que começou connosco. É um caso atípico de uma saída. Não teve um ponto final imediato. Naturalmente, isso moldou a forma como trabalhámos o disco e como crescemos enquanto grupo.
A saída dele também vai mudar os concertos, porque nesta tour já estão a atuar sem ele.
Sim. Agora estamos a fazer os concertos a quatro, mas com mais dois músicos que são nossos amigos. Aproveitámos esta situação e esta mudança muito grande para o concerto se poder transformar e poder ter uma nova cara. Não vai ser só uma substituição da função que o Francisco aqui fazia. Queremos uma nova vida para a banda. Uma ideia que ficou clara para nós é que os Capitão Fausto em estúdio são uma banda de quatro elementos, e os concertos ao vivo podem ganhar outras proporções e outros formatos que até então não fizemos. Ao vivo é quatro ou mais.
Vai ser diferente daquilo que as pessoas podem esperar, e isso é algo que está a deixar os fãs entusiasmados, visto que já têm concertos esgotados em Lisboa e noutros pontos de Portugal.
Exatamente. Para nós é uma grande alegria que isso já estivesse a acontecer mesmo antes de termos lançado o álbum. É um voto de confiança que as pessoas estão a fazer na nossa música e é também um voto de saudades e nós, na verdade, também tínhamos muitas saudades de dar concertos. Estamos muito expectantes para levarmos este espetáculo às pessoas e para termos este reencontro.
Se compararmos a “Subida Infinita” com alguns dos vossos trabalhos antigos notamos uma grande diferença em termos sonoros. Se compararmos a “Teresa” e a “Andar à Solta”, por exemplo, vemos que são completamente diferentes. Como é que descreveriam o novo álbum em termos sonoros?
Muitos anos já se passaram desde a “Teresa”. As canções do “Gazela” são canções de miúdos que tinham outras referências na altura e que queriam ser outras coisas. Na altura fomos à procura daquela verdade e essa verdade era mais elétrica e mais rápida, imediata e havia um sentido de urgência muito grande. Ao longo dos nossos discos há sempre uma direção diferente e nós gostamos que assim seja. Não gostamos da ideia de assentar numa fórmula para fazer música. Neste álbum, as canções foram mais exploradas e conseguimos levá-las mais a fundo. Também há mais uma articulação de silêncios e jogos de instrumentos. Nunca tivemos tanto lado acústico na nossa música. Explorámos essas vertentes, mas não foi algo muito premeditado. Em qualquer um dos nossos discos, a sonoridade é aquela que nos faz mais sentido para cada um dos temas. Existem elementos externos que manipulam muito o som de cada disco, como os sítios onde são gravados. Este disco é o primeiro que é todo gravado por nós. Houve coisas que demorámos mais tempo a fazer, por estarmos a descobrir as fórmulas e a fazer as várias coisas ao mesmo tempo com a ajuda do nosso amigo [e produtor] Diogo Rodrigues. Por outro lado, também pudemos ter mais afinco e atenção a detalhes que em outras alturas não prestámos a atenção devida porque estávamos a gravar com mais rapidez porque tínhamos dias contados de estúdio. A sonoridade é sempre aquela que faz sentido no momento em que a canção está a ser feita.
Não entram no estúdio a pensar “este álbum vai ser pop”, “este álbum vai ser rock”. É conforme o que faz sentido.
Exato. Algumas canções começam até por serem muito diferentes umas das outras. Se calhar ao longo da produção há alguns elementos que as aproximam. Se fossemos com uma ideia fixa, isso estaria a limitar-nos.