Desde 13 de agosto que há um novo espaço em Lisboa para assistir a espetáculos enquanto bebe um copo ou prova um snack — tudo ao ar livre e com distanciamento social. A Casa do Capitão fica no Hub Criativo do Beato e é um projeto pop-up que vai estar por lá até ao final de outubro.
A pandemia não tem sido nada fácil para as salas independentes de programação musical. Uma das afetadas é a Cultural Trend Lisbon (CTL), empresa que detém o clube Musicbox e o restaurante e bar Povo, na rua cor-de-rosa, no Cais do Sodré, e que organiza diversos eventos ao longo do ano. São os responsáveis por este novo projeto.
“A ideia surge do facto de nós estarmos sem conseguir fazer coisas. Temos o Musicbox encerrado, sem qualquer perspetiva de poder abrir, cancelámos o [festival] MIL dez dias antes de o fazermos, tínhamos concertos programados noutras salas que também cancelámos, e temos estado numa ótica de perceber quais são os caminhos e possibilidades de não pararmos de fazer coisas — dentro do respeito total das regras que têm de ser cumpridas, não as contestando, mas sempre com a preocupação de que não se retire a palavra aos artistas”, conta à NiT um dos fundadores e diretores da CTL, Gonçalo Riscado.
No âmbito do MIL, têm promovido várias atividades online. Fizeram também o projeto Lisboa Capital República Popular e programaram um takeover ao Teatro São Luiz com concertos de nomes como Linda Martini, Moullinex, The Legendary Tigerman e Márcia, entre tantos outros. A Casa do Capitão é o próximo passo neste ano completamente atípico em que a atividade da CTL tem de ser feita de forma digital ou fora das suas portas.
“Estamos há bastante tempo a trabalhar num eventual projeto futuro aqui para esta zona, conhecíamos este espaço e lançámos mais um desafio ao Hub Criativo do Beato para fazermos uma iniciativa pop-up que durasse durante a altura do bom tempo — esperamos ter bom tempo até outubro [risos].”
O espaço que fica no antigo complexo da Manutenção Militar era a casa onde vivia o comandante. “Nós despromovemo-lo a capitão numa ótica de estar mais próximo das pessoas, e com uma casa aberta a espetáculos, à cultura.”
Juntaram-se à Praça Hub, projeto que já ia começar a sua atividade no Hub Criativo do Beato e que ficou responsável pela componente da restauração, e a The Browers, do grupo Super Bock, que no futuro terá uma microcervejeira, com área de restauração e eventos no complexo do Beato. Por enquanto, ajudou ao ceder mesas, cadeiras e balcões para este pop-up. A Câmara Municipal de Lisboa e a Startup Lisboa, entidades responsáveis pelo Hub Criativo do Beato, também deram apoio em relação às infraestruturas.
O espaço tem um terraço grande, onde irão acontecer os espetáculos e onde está instalada uma esplanada, e existe uma zona interior — onde antigamente era a casa do comandante — com várias divisões, onde irão estar exposições e irão ser feitos ateliês e oficinas, também com atividades para os miúdos.
Gonçalo Riscado diz que haverá uma “programação diversificada e pluridisciplinar” nestes dois meses e meio. “As pessoas vão poder almoçar, jantar e assistir a vários tipos de espetáculos, sejam concertos, performances ou leituras.”
A inauguração, a 13 de agosto, acontece com uma atuação dos Fado Bicha, DJ set de A Boy Named Sue e a exposição “Esplendor na Relva”, com a curadoria de Mantraste e peças de Simão Simões e Maria Goes.
Até domingo, dia 16, vai ser ainda possível assistir a concertos de Cave Story, Noiserv, Djumbai Djazz Trio e Bate Papo com Surma e Alex D’Alva Teixeira; aos DJ sets de Brandos Costumes, Ritmos Cholulteka, Barrio Lindo, La Flama Blanca e Celeste Mariposa; e haverá ainda um atelier infantil de corpo, som e movimento organizada pela Baileia.

Os preços dos bilhetes podem variar entre os 2€ e os 10€ e estarão disponíveis na Bilheteira Online. Consulte a programação completa e acompanhe as novidades através das redes sociais e do site da Casa do Capitão.
A acompanhar vai haver pratos e petiscos sazonais feitos com ingredientes oriundos de pequenos produtores regionais, e, claro, as cervejas da The Browers. Passe pelo espaço entre as 17 horas e a meia-noite de quinta e sexta-feira, e as 10 horas e a meia-noite de sábado e domingo.
O Hub Criativo do Beato foi apresentado em 2016 e esperava-se que estivesse concluído no final de 2019. Houve vários atrasos nas obras, que ainda deverão demorar, apesar de o espaço ter acolhido vários eventos já nos últimos anos. Todos os edifícios serão transformados e acolherão diferentes projetos, muitos deles abertos ao público.
O cenário difícil para as salas independentes
O Musicbox é o grande projeto da CTL. O clube do Cais do Sodré existe desde 2006 e é uma das principais salas em Portugal no circuito independente de música. Já passaram por lá milhares e milhares de artistas de todos os géneros e nacionalidades. Gonçalo Riscado diz que, pelas características físicas do espaço, não é possível reabrir o Musicbox neste cenário de pandemia.
“O Musicbox é de todo impossível. É um corredor com um palco no fim, que está feito para as pessoas estarem em contacto. Os recintos de espetáculos e de dança, quando se licenciam, podem ter três pessoas por metro quadrado. Quando desenhas uma sala de programação com estas características, crias tudo para que assim possa funcionar. Se reduzes isso para uma pessoa por metro quadrado com distanciamento de dois metros das outras, é totalmente impensável em termos de qualquer negócio. Penso que o Musicbox esteja condenado a só voltar a abrir quando forem levantadas todas as restrições de contacto entre pessoas”, diz um dos diretores e fundadores da CTL.
Gonçalo Riscado revela que o Musicbox se uniu a outras salas independentes de todo o País, que ainda não conseguiram reabrir — como a Casa Independente, o Lounge, o Maus Hábitos ou o Lux Frágil — para criar uma associação que represente os seus interesses e defenda as suas posições.
“Talvez este seja o único país que ainda não trabalhe de forma organizada nos circuitos das salas independentes de música, e a culpa também é nossa, claro. Estamos a falar das salas onde os artistas têm as primeiras oportunidades, que contribuem para os divulgar, onde artistas com muitos anos têm espaço para poder circular, onde artistas muito conhecidos que até podem fazer grandes salas ou festivais estão perto do público e podem tocar coisas novas, são circuitos importantes. Os dados que tenho agora, só de 23 salas do País… estamos a falar de um milhão e 100 mil espectadores por ano. Só o Musicbox tem mais de 100 mil espectadores por ano. Estamos a falar ao nível de um grande festival. Só com uma diferença: nós programamos quatro vezes mais artistas.”
Os diálogos com entidades estatais já começaram e Gonçalo Riscado defende que são necessários apoios para que o setor consiga sobreviver — já que os clubes de música foram dos primeiros a fechar e serão dos últimos a reabrir.
“Se desaparecerem, onde é que os artistas vão tocar? São coisas essenciais ao ecossistema das artes, estamos mais próximos das pessoas e dos artistas. E neste momento estamos a ver se conseguimos que essa importância seja reconhecida e se conseguimos algumas ajudas para estes espaços, fazendo aqui uma distinção entre espaços que existem para programação cultural, e as discotecas, que é entretenimento e servem para vender bebidas, o que também é importante, ninguém contesta, mas que têm uma relação com os artistas completamente diferente. É uma luta grande em que estamos envolvidos agora. Não é fácil, este tipo de negócio é feito por pessoas da área da cultura, o principal objetivo é fazer programação, trabalhar com os artistas, correndo riscos muito grandes. Obviamente não são projetos de altíssima rentabilidade. Em todos os países em que este trabalho foi feito todo e qualquer poder político teve de reconhecer porque é evidente. Tenho esperança de que ainda possamos ir a tempo de chamar a atenção de forma a que este setor seja protegido, para que quando for possível regressarmos ele esteja cá para receber os milhares e milhares de artistas que circulam por este setor.”