A 1 de fevereiro de 2021, dois anos depois de ter dado o seu testemunho no senado californiano a favor de uma lei mais punitiva contra a violência doméstica, Evan Rachel Wood ganhou a coragem para avançar o nome do seu abusador. Nada mais nem menos do que Marilyn Manson.
A Wood seguiram-se muitas outras mulheres com queixas semelhantes. Nove meses depois, a “Rolling Stone” faz revelações chocantes sobre o alegado reinado de terror de Brian Warner, o músico por detrás do alter-ego.
No interior do seu apartamento em Los Angeles — apelidado por uma ex-namorada de o frigorífico negro — existia uma cabine insonorizada, deixada pelo anterior proprietário, um produtor de música eletrónica. A caixa rapidamente se tornou num fetiche do músico que lhe deu o nome de Bad Girls’ Room (o quarto das meninas mal-comportadas).
Era precisamente com esse fim que era usada por Warner. Segundo várias testemunhas e vítimas, Manson castigava as namoradas ao colocá-las em isolamento no interior da cabine durante horas, numa espécie de tortura psicológica. O seu fascínio era público.
“Se alguém se porta mal, posso trancá-los lá dentro. É à prova de som”, gracejou em 2012. De acordo com a revista, o que parecia ser uma persona criada para chocar e vender discos era, afinal, muito mais próxima do verdadeiro Warner do que se pensava.
Só em 2021, mais de uma dúzia de mulheres vieram a público acusar o músico de 52 anos de abusos sexuais e psicológicos. As queixas deram origem a pelo menos quatro processos em tribunal.
Na investigação da revista norte-americana — que consultou documentos de tribunal e mais de 55 entrevistas a pessoas do círculo próximo de Manson — sublinham-se os comportamentos violentos, tanto no palco como fora dele. Isto apesar de Warner negar “veementemente quaisquer alegações de abuso, sexual ou de outro tipo”.
Os abusos aconteciam, segundo as testemunhas, sobretudo no seu bizarro apartamento, todo ele pintado de negro e decorado com “sangue, suásticas e recortes de revistas pornográficas”. “Havia vaginas por todo o lado”, revela uma fonte à “Rolling Stone”.
Nas paredes liam-se mensagens intimidatórias e meramente chocantes. Lia-se “SIDA” na parede junto à cama. As cortinas estavam fechadas quase 24 horas por dia e a temperatura era mantida sempre nos 18ºC. Ninguém se atrevia a tocar no termostato, sob pena de despertar a fúria do músico.
“Os acusadores alegam que os enchia de álcool e de drogas, controlava o que comiam e quanto dormiam, mantinha-os física e emocionalmente presos a si, submetidos à sua vontade. Se quisessem sair, ameaçava matar-se, ou pior, matá-los a eles. É descrito como possuidor de uma mentalidade de líder de culto, o que o ajudava a exercer o seu poder sobre os abusados”, descreve.
Para lá das acusações recentes, procuraram-se razões para esta violência no passado de Warner. Nas suas memórias, por exemplo, o músico recorda os abusos a que sujeitou uma mulher apenas identificada por Nancy. Levava-a para o palco com uma trela e agredia-a, “apenas como crítica à sociedade patriarcal”, frisou.
Fontes recordavam também ver “uma mulher fechada numa jaula” em alguns dos seus primeiros espetáculos. “Batia-lhe e dava pontapés na jaula. Acho que fazia parte do show (…) mas lembro-me de pensar que não era nada cool”, revela um músico local.
Amigos de adolescência de Warner revelaram também que o músico tinha por hábito filmar os encontros sexuais que tinha com mulheres. “O Brian apareceu com uma compilação de todas as miúdas que tinha levado para lhe fazerem um broche no armário. Tinha orgulho nisso”, recorda um dos amigos.
Uma das vozes que se ergueu foi a de Ashley Morgan Smithline, antiga namorada do artista que explica como foi trancada na Bad Girls’ Room por diversas vezes. “Primeiro ele fazia com que soasse cool. Depois tornava tudo muito punitivo. Mesmo se gritasse, ninguém me ouvia”, recorda. “Primeiro debates-te e ele adora essa luta. Aprendi a não lutar contra isso, porque era dar-lhe o que ele queria. Acabava por viajar para outro sítio na minha mente.”
Relembra-se também de ter acordado com os tornozelos e pulsos atados atrás das costas, com Warner a penetrá-la sexualmente. Terá dito “não” por diversas vezes mas o músico disse-lhe apenas para “se calar e fazer pouco barulho.”
Não foi tudo. Segundo o processo que chegou a tribunal, Manson terá gravado as iniciais “MM” na coxa de Smithline com uma faca e atirou-lhe outra que “não a atingiu por muito pouco”.
Outro tipo de abusos relata Esmé Bianco, atriz que participou em “A Guerra dos Tronos” — revela ter sido privada de comer e dormir, além de ter sido alvo de mordidelas, cortes, chicotadas e eletrocução. Confessa também ter sido violada em diversas ocasiões ao longo da relação de dois anos.
Num dos episódios mais dramáticos, recorda que Warner a perseguiu de machado na mão, com o qual destruía as paredes, enquanto a acusava de “o sufocar”. “Esse momento foi decisivo para mim”, conta Bianco, uma das mulheres que avançou com um processo contra o músico.
Sarah McNeilly, modelo que também manteve uma relação com o artista, recorda o terror psicológico que sofreu. Explica que Warner começou por isolá-la dos amigos, numa relação que evoluiu para constantes ameaças e insultos. Também ela foi mandada para a Bad Girls’ Room.
Num incidente durante a gravação de um vídeoclipe, McNeilly recorda um momento de raiva de Warner. “Atirou-me contra a parede com um taco de baseball na mão e ameaçou esmagar-me a cara”, recorda. “A violência física foi uma espécie de alívio. A tortura psicológica pela qual te faz passar, com a qual infeta o teu cérebro e faz uma lavagem, só queres que isso acabe”, confessou.