Larissa tinha apenas 16 anos quando agarrou numa lata de desodorizante e, à frente de uma câmara de telemóvel, gravou um pequeno vídeo para o YouTube. Poderia ser apenas um vídeo inocente, mas fazia parte de um plano para se tornar numa estrela.
No que toca aos resultados, o plano foi mais do que bem-sucedido. Um dos responsáveis da editora de funk carioca Furacão 2000 reparou no vídeo e chamou a jovem que nasceu num pequeno bairro pobre do Rio de Janeiro. “Ela queria ser artista, rica e famosa”, explicava à “Globo”, em 2013, a sua tia Margareth.
A verdade é que Larissa passou a ser Anittaae saltou dos clandestinos bailes funk das favelas para os maiores palcos do mundo. Está, aliás, a caminho de conseguir algo que muitos poucos conseguiram fazer: entrar de rompante no exigente mercado norte-americano. Esse é o derradeiro passo de sucesso na música e Anitta tem, novamente, um plano desenhado.
Em abril, a artista brasileira — que vai marcar presença no Rock in Rio Lisboa a 26 de junho — pisou um dos palcos mais apetecíveis do planeta, o do festival Coachella, na Califórnia, naquele que seria o mais crucial passo na definitiva internacionalização de Anitta. E tudo correu bem.
Um mês antes do concerto, Anitta cruzava outro recorde, para se tornar na primeira brasileira a escalar o ranking global diário dos temas mais ouvidos no Spotify. O tema “Envolver” subiu até ao primeiro posto e fez da brasileira a primeira cantora latina a conseguir o feito.
Foi, mais uma vez, um passo calculado. O tema cantado em espanhol foi alvo de uma campanha internacional de promoção e os resultados foram evidentes. “Nem sei bem o que dizer”, escreveu nas redes sociais. “Ser a única brasileira na história do meu país a ter um tema no top cinco em todo o mundo. Meu Deus.”
“Envolver” foi o quarto singles de “Versions of Me”, o quarto disco de Anitta que esteve em desenvolvimento durante mais de três anos. Foi também criado em três línguas, o nativo português, mas também o inglês e o espanhol.
Entre os ritmos do seu funk e as influências internacionais da pop, a brasileira queria, por tudo, convencer os fãs americanos. Por detrás da produção esteve também Ryan Tedder, membro da banda One Republic que chegou a assinar temas para Beyoncé e Taylor Swift.
As atenções norte-americanas centraram-se ainda mais em Anitta assim que o nome aterrou num pequeno perfil do “The New York Times”. “Pode uma estrela pop brasileira ter sucesso no mercado norte-americano? Anitta diz que sim”, lia-se no título da peça que antecipava a sua aterragem em Coachella.
Apesar de ter brilhado na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016 e de ter nas suas prateleiras inúmeros Grammys latinos, bater-se com as mega estrelas pop no mercado americano é todo um outro desafio improvável.
Nem tudo estava contra Anitta, que faz parte do elenco da Warner Records. Ao subir ao palco do deserto de Indio, não o fez sozinha. Teve a companhia de nomes como Snoop Dogg, Saweetie e Diplo, nesta estreia absoluta de uma mulher brasileira a solo no palco de um dos maiores festivais do planeta. Snoop Dogg é, aliás, um velho conhecido, ao ter participado ao seu lado no tema de 2019 “Onda Diferente”.
Se há algo que é pouco modesto em Anitta, será mesmo a sua longa lista de colaborações. Já colaborou com Cardi B, Madonna, J Balvin, Maluma, Diplo, Alesso. Recebeu até um convite bem público de Mariah Carey: “Temos que fazer uma colaboração”, revelou a cantora no Twitter.
O plano que estava a ser traçado desde há uns anos parece ter atingido o seu apogeu em 2022. Depois de Coachella, tudo se tornou ainda mais fácil. Em maio, Anitta brilhou na red carpet da Met Gala, com o seu Moschino roxo e ao lado de Jeremy Scott, o diretor criativo da marca — ela que já havia marcado presença no evento em 2020, dessa vez ao lado de Alexandre Birman, que a vestiu e a acompanhou.
Mais: Anitta acabaria por ser capa da revista “Billboard”, que destacou a visão global da cantora com uma “conquista trilingue”. E que se chegue à frente quem se pode gabar de ter uma figura de cera com a sua imagem no Madame Tussauds, neste caso no museu de Nova Iorque, onde, desde o início de junho, está em exibição a figura da cantora com o outfit usado no tema “envolver”.
Nenhum milímetro deste sucesso chegou sem um enorme trabalho de bastidores. Há vários anos que, por exemplo, Anitta treina o inglês para o limpar de qualquer ponta de sotaque brasileiro. “Já falo inglês, mas quero tirar o meu sotaque”, explicava em 2016.
“A última pessoa que conseguiu notoriedade mundial foi a Carmen Miranda, então acho que é muito difícil. Há uma certa pressão, mas é preciso ter calma. Não gosto de fazer as coisas de qualquer maneira.”
Apesar de se libertar do sotaque, Anitta nunca quis desligar-se das suas raízes. “Quero sempre carregar comigo a minha cultura”, explicava à “Billboard”. Nunca seria capaz de ir para outro mercado fazer qualquer coisa. Qual seria o propósito? O dinheiro? A fama? Isso já eu tenho, não é o meu objetivo.”
“Ser uma artista internacional não é apenas conhecerem-te onde quer que vás, porque o mundo é gigantesco”, nota. “Tem mais a ver com ser capaz de ter um impacto cultural em diversas áreas em simultâneo.”
Os elogios chegam de todo o lado e garantem que Anitta irá até onde nenhuma brasileira foi. “Olhando para os últimos 20 anos, não vejo ninguém que tenha feito o que a Anitta fez”, notou Cris Falcão, diretor da Ingrooves no Brasil.
“É facilmente a pessoa mais trabalhadora com quem colaborei. Ela não tem um botão de desligar”, explicava Ryan Tedder ao “The New York Times”. Já Tom Corson, COO da Warner Records, não tem dúvidas: “A Anitta tem tudo para ser uma super estrela global.”
Muitos duvidaram da capacidade e até da utilidade. “Por que é que vais fazer isso? Vais ter que começar do zero e fazer toda a merda que tinhas que fazer há seis anos”, disse-lhe o irmão em 2015, altura em que começou a desenhar o plano para conquistar o mundo. “Disse-lhe que era o que eu queria, apesar de estar mesmo assustada”, respondeu Anitta.
“Fazê-lo significaria abandonar tudo o que tinha conquistado. Sabia que se falhasse, toda a gente no meu país se iria rir de mim. É o que acontece a todos os que tentam e falham. Eu não me queria transformar numa piada.”
“Muitos executivos de editoras disseram-me que era impossível ter uma carreira internacional sendo brasileira. Não estavam a ser maus, simplesmente nunca tinham visto alguém fazê-lo recentemente”, explica à “Billboard”. “Eu disse-lhes que para mim não havia impossíveis. Percebi que teria que arriscar toda a carreira e ter coragem para continuar a insistir.”
Pelo caminho rumo ao topo, Anitta passa agora por Portugal, para mais uma visita ao palco do Rock in Rio Lisboa, no Palco Mundo, a 26 de junho.