Música

Comunidade judaica pressionou Altice Arena para não receber concertos de Roger Waters

A própria empresa, fundada por um dos homens mais ricos de Israel, perguntou se não poderiam cancelar os espetáculos do ex-Pink Floyd.
Roger Waters já atuou na Altice Arena em 2018.

Roger Waters, músico que pertenceu aos míticos Pink Floyd, vai dar dois concertos na Altice Arena, em Lisboa, a 17 e 18 de março — sendo que a primeira data já se encontra esgotada. Os espetáculos estão integrados na digressão This Is Not a Drill, que poderá ser a última do britânico de 79 anos.

Embora esteja envolvido em grandes polémicas nos últimos tempos — com um discurso a defender as ações da Rússia na guerra com a Ucrânia, que até já levou a tornar-se persona non grata em países como a Polónia, onde alguns dos seus concertos foram cancelados — agora as performances em Portugal estão envoltas noutra controvérsia.

Roger Waters tem sido um grande defensor da causa palestiniana e é apoiante do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Israel, pelo menos enquanto o país ocupar territórios pertencentes ao povo da Palestina. O artista tem-se recusado a atuar em Israel ou a associar-se a cidadãos israelitas.

Esta atitude de Waters motivou até que uma atuação recente em Frankfurt, na Alemanha, fosse cancelada. Num comunicado oficial, as autoridades locais consideraram o músico “um dos mais conhecidos antissemitas”.

O mesmo motivo levou a comunidade judaica em Portugal a indignar-se com os concertos de Roger Waters por cá. “Ficámos surpreendidos ao saber que Waters vinha atuar no nosso País e ainda mais surpreendidos quando descobrimos que iria atuar num pavilhão que é patrocinado por um judeu israelita”, disse um representante da comunidade judaica lisboeta ao jornal israelita “Jerusalem Post”.

A Altice, empresa de telecomunicações que patrocina o antigo Pavilhão Atlântico, é gerida pelo empresário franco-israelita Patrick Drahi, um dos homens mais ricos de Israel — que, segundo a RTP, também tem nacionalidade portuguesa desde 2017, quando provou ser descendente de judeus sefarditas.

Ao “Jerusalem Post”, um porta-voz de Patrick Drahi explicou que a Altice “não controla a programação nem os artistas que lá atuam”. A Altice Arena é explorada pelo consórcio Arena Atlântico, de Luís Montez, o responsável pela promotora de festivais e eventos Música no Coração. 

Contudo, este representante de Patrick Drahi admite que consultaram os responsáveis pela empresa para averiguar a possibilidade de cancelarem os concertos de Roger Waters em Portugal — e exerceu pressão para que tal acontecesse. 

“Assim que a Altice teve conhecimento da programação, entrou em contacto com os donos da sala de concertos para saber se era possível cancelá-los, mas disseram que era demasiado tarde, uma vez que os bilhetes já tinham esgotado.” Os contratos em vigor “não permitem que a Altice intervenha”, sublinhou o porta-voz. “Obviamente, o fundador [Patrick Drahi] não se revê neste evento e lamenta profundamente a sua realização.”

Entretanto, a Comunidade Judaica do Porto emitiu um comunicado a “lamentar a presença de Roger Waters em Portugal”. Ainda assim, convida o músico a fazer uma visita ao Museu do Holocausto do Porto. 

“A perseguição aos judeus ao longo de milénios, baseada em ideais religiosos, culturais, raciais e monetários, é representada no período moderno pelo desdenhável ódio do Estado de Israel. E continua a atrair apoiantes de todos os segmentos da sociedade. Roger Waters sabe que possui uma grande influência sobre os seus fãs e que as suas ideias em relação a Israel podem dar munições a multidões que não hesitarão em usá-las.”

A Comunidade Judaica do Porto acrescenta ainda: “O silêncio do ocidente em relação ao movimento BDS, que defende o isolamento económico, político, académico e cultural do Estado de Israel, anda de mãos dadas com o antissemitismo soviético dedicado a destruir todas as realidades judaicas verdadeiramente relevantes na diáspora”.

Em 2013, num concerto de Roger Waters foi lançado um balão gigante em forma de porco com uma estrela de David e uma série de símbolos ditatoriais. O músico comparou também o tratamento de Israel à Palestina com os atos da Alemanha nazi. 

Em outubro, acusou o regime israelita de querer provocar uma revolta na Palestina para ter uma desculpa para partir para o ataque. “Os israelitas estão a levar a cabo uma política de assassinar tantos palestinianos que parecem estar a tentar criar outra intifada para que possam transformá-la num conflito armado e matá-los a todos.”

Em 2019, quando Conan Osíris representou Portugal na Eurovisão em Israel, o artista recebeu uma carta pública de Roger Waters a apelar que não participasse no evento em defesa da causa palestiniana. Esta não será a primeira vez do ex-Pink Floyd na Altice Arena — deu dois concertos na mesma sala em 2018.

Leia a crónica da NiT sobre o “eclipse de Roger Waters”, 50 anos depois de “Dark Side of the Moon”.

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