O País parou para receber os Coldplay durante quatro noites. Agora que a febre de Coimbra começa a baixar, é tempo de tirar conclusões e perceber o que significa este fenómeno. Em primeiro lugar, significa o que eu ando a pregar há anos. Por mais que se tente vender a indústria plastificada dos DJ e da música pré-gravada na pen, o público está sedento de música ao vivo, com músicos de carne e osso a tocar, cantar e errar à sua frente. Nesta era em que a Inteligência Artificial está prestes a tomar conta das nossas vidas, as experiências interpessoais ao vivo vão ser cada vez mais valorizadas. Essa é a melhor notícia do fenómeno dos Coldplay, não só em Portugal, mas em todo o mundo. O pior é que tudo desaguou no menor denominador comum. Mas já lá vamos.
É claro que a loucura que os Coldplay espoletaram em Portugal tem também uma forte componente social, inexoravelmente ligada às redes sociais. A obrigação de estar lá, de ver, e ser visto. Mas os posers (desculpem, queria dizer “influencers”) fazem parte de tudo o que envolva dinheiro e atenção e, acima de tudo, vendem bilhetes. Deixem-nos à vontade.
A indústria dos concertos em estádio, pujante nos anos 80 e 90, está hoje em declínio. E quando se olha para as evidências de Coimbra, temos que nos perguntar porquê. Se há claramente muito dinheiro por fazer neste negócio, então por que não investir em mais bandas que possam esgotar estádios? Não estou a sugerir martelar uns Muse, ou outra banda de gosto e alcance duvidosos. Falo de uma aposta nas raízes, em bandas up-and-coming que estão a brotar um pouco por todo o lado e a quem devia ser dada mais atenção e mais tempo radiofónico. No Reino Unido, um miúdo chamado Sam Fender, que pouca gente ouviu falar em Portugal, esgotou o histórico Finsbury Park no ano passado (e deu o melhor concerto no Glastonbury, superando até Paul McCartney) e este ano tem dois concertos de estádio esgotados em Newcastle. Como é que isto é possível? Porque lhe deram oportunidade de brilhar.
Então porquê insistir na música de plástico? O argumento que as pessoas não gostam de ver músicos ao vivo foi refutado este fim de semana. Por outro lado, se há banda que não se envergonha de enveredar pela mediocridade do plástico, são precisamente os Coldplay. Os primeiros discos provam que a banda britânica sabe escrever canções (se ainda as têm neles é outra história), mas na ânsia de agradar ao maior número de pessoas, a banda britânica optou por adotar o menor denominador musical. Nenhuma outra banda encapsula na perfeição o termo de “vendidos” como os Coldplay.
Esta abordagem mercantil da música trouxe-lhes dinheiro e sucesso, mas a desgraça dos críticos, que os adoravam na época de “Parachutes”. Eles não se parecem importar com isso, mesmo que a esmagadora das stories que eu tenha visto dos concertos nas redes sociais tivesse em fundo uma música da era dourada dos primeiros álbuns — normalmente “Yellow”, ou “Fix You”. O facto é que as pessoas ainda correm em massa para os ver, porque o público está sedento de concertos e, nesta altura, os Coldplay são “o que há” — o que resta de uma indústria de concertos em estádios que outrora teve Queen, Pink Floyd, The Rolling Stones, e U2, e que agora tem quem sobreviveu da última vaza do Rock no mainstream, que já remonta ao início deste século. Os Coldplay bateram recordes, sim, mas competem sozinhos.
Estará por isso na hora de os powers-that-be retomarem o investimento nos humanos a fazer música. Sim, porque com a ascensão da Inteligência Artificial, os primeiros a ir de vela serão os DJ, que é como quem diz, mais de metade das tabelas atuais da música.