Estamos numa Lisboa a dar os primeiros sinais de desconfinamento, num dia soalheiro e relativamente quente, no centro do Parque Eduardo VII. David Carreira juntou a sua banda habitual para a recriação de um pequeno concerto no meio do jardim. É o dia 12 de abril.
Nos percursos que rodeiam esta área do parque — e com uma vista privilegiada para o que está a acontecer (e para o rio Tejo, lá ao fundo) — várias pessoas interrompem as suas caminhadas para espreitarem de forma curiosa para baixo. Uma das que estão lá em cima a ver tudo é o pai de David, Tony Carreira. Muitas ficam surpreendidas e questionam-se se o cantor de 29 anos estará a gravar um novo videoclip.
Não é essa a resposta certa, mas também não recriminamos quem tenha mandado um palpite ao lado. David Carreira está a fazer algo praticamente inédito, um live composto por várias pequenas atuações, cruzadas com momentos de entretenimento, naquilo que descreve “quase como um programa” de televisão. O live “Bom para Portugal” vai para o ar no domingo, 25 de abril, a partir das 18 horas, no canal de YouTube do músico. É o sucessor de “Amor em Casa”, outro live emitido na mesma plataforma, no início de fevereiro, que teve 90 mil pessoas a assistir em direto e, no total, já soma mais de um milhão e 900 mil visualizações.
“No início da pandemia, em março de 2020, pensei em fazer vários lives ao longo do ano para não estar parado”, explica David à NiT. “Para nós, músicos, esta é uma fase terrível mesmo. Porque não há trabalho: nem para mim, nem para a equipa técnica nem para a banda, nem para todas as pessoas que tornam estes projetos possíveis. Portanto, é arranjar uma maneira de podermos trabalhar e continuarmos a fazer aquilo de que gostamos. Porque estares há um ano e meio sem fazer um concerto em frente a um público é muito difícil, para uma pessoa que vive disto e que está habituada a ir em digressão. Isto é uma forma de se poder fazer. Não tens o público à frente, mas está à frente no digital.”
Não são atuações reais — são encenadas, como se fossem videoclips, já que o som não é gravado ao vivo. Em Lisboa, uma das cidades escolhidas para este live, a NiT assistiu à performance de David Carreira no centro do Parque Eduardo VII, com as convidadas Soraia Ramos e Nena (que despertou a atenção de David precisamente por ter o seu single “Portas do Sol”, alusivo à cidade).
“Este live tem um conceito em que a ideia fosse mostrar o que temos de bom em Portugal. E fomos para zonas diferentes para mostrar às pessoas de cá — ou às de fora, também —, para passar a informação aos portugueses de que, quando pudermos viajar, ‘bora viajar em Portugal, ‘bora conhecer o que é nosso.”
Além de Lisboa, David Carreira esteve em gravações nos Açores, para onde levou Syro; foi a Pinhel, onde esteve acompanhado por Fernando Daniel; recebeu Anselmo Ralph em Elvas; e foi até à terra do pai, Pampilhosa da Serra, onde esteve ao lado do irmão Mickael e dos Anjos.
“Pampilhosa da Serra é como se fosse a minha terra natal, porque o meu pai nasceu lá e habituei-me a ir lá durante o verão às festinhas, o acordeão, naquela onda de festas de verão. Já que não houve no ano passado, é mostrar para virem conhecer o nosso País.”
Nos Açores, conta, esteve na ilha do Faial, onde passou pelo icónico Peter Café Sport. “No início da pandemia, os barcos atracavam mas tinham de ficar de quarentena e não podiam ir para o Faial. Os do Peter’s iam lá perguntar o que precisavam e iam entregar comida e águas de borla. E a ideia é mostrar coisas boas que estas pessoas têm feito por Portugal, e como é que os artistas, que estão a passar por uma fase difícil, têm continuado a lançar música. Acho que é bom para as pessoas aliviarem um pouco a cabeça, terem cultura, terem música nesta fase tão difícil.”
Além das músicas, lá está, vai haver uma série de jogos ou experiências de entretenimento com os convidados. “É muito interessante tu dares música mas também entretenimento. E mostrares uma faceta humana que se calhar as pessoas não conhecem tanto — e dos meus convidados também. Acho que nesta fase é muito importante mostrarmos isso. O mote é sobretudo esse: positividade, continuarmos a acreditar, a fazer aquilo de que gostamos, e a sermos positivos nesta fase tão dramática.”
Em Lisboa, David Carreira encontrou-se ainda com o piloto de motociclismo Miguel Oliveira. “Ele gosta de música e fiz-lhe um desafio.” Ao mesmo tempo, apostou numa homenagem à revolução do 25 de abril.
“Uma das coisas em que nos vamos focar é na importância desta data. É óbvio que a revolução não foi só aqui, mas teve um papel muito importante aqui e então vamos falar mais sobre esta data. Para a nossa geração que não a viveu, acho que é da nossa responsabilidade relembrar e dizer: nós temos a nossa liberdade porque no dia 25 de abril aconteceu isto. E é um bocado trocarmos as nossas impressões sobre o que é a liberdade para nós. Quais são as liberdades que são essenciais na tua vida.”
E acrescenta: “A ideia é sempre passar por paisagens que mostrem a natureza. Em Lisboa é difícil [risos], por isso é que escolhemos este sítio, onde tem mais verde e beleza natural. E ao longo do live vamos também fazer entrevistas, passeando em outros sítios, para dar a conhecer não só o Parque Eduardo VII, mas também outros sítios das cidades. Vamos mostrar a casa do povo da aldeia do Armador, na minha aldeia natal, que tem cerca de 50 habitantes. Fomos ordenhar vacas nos Açores, e acho que é engraçado, o pessoal não está à espera de me ver a ordenhar uma vaca [risos]. Porque conhecemos lá uns pastores que disseram ‘amanhã vem jantar a nossa casa, vamos cozinhar um bode, vai ser top’ e eu ‘’bora, vamos a isso’. E de repente ‘temos aqui duas vacas que precisam de ser ordenhadas’ e eu ‘vamos a isso’. E nasceram dois cabritos pequenos, um chama-se Syro e o outro David [risos]. É bué giro, é uma forma muito desconstruída, muito simples, humilde e fresca de mostrar o que temos em Portugal.”
David Carreira conta ainda que vai ter um jogo de “spill your guts or fill your guts” com Fernando Daniel em Pinhel. “Ou respondes a uma pergunta difícil ou comes um prato horrível — mas mesmo horrível.” E também vai haver “uma brincadeira com o Anselmo ligada a petiscos, com produtores locais”. Na Pampilhosa da Serra, antecipava que seria provável que se juntassem a eles primos e tios afastados, sendo que pelo meio deste live houve espaço para momentos espontâneos e improvisados.
“Vamos contar as nossas experiências quando éramos miúdos lá. Onde é que íamos. Por exemplo, tens a igreja que é o sítio onde toda a gente ia fazer chichi, mas onde todos os primeiros beijos aconteciam. E nunca percebi porquê: aquele sítio, atrás da igreja, tem essas duas particularidades que nada têm a ver uma com a outra. E acho que é giro contarmos as nossas experiências, vai ser um live muito engraçado. Tu podes gostar das músicas ou não, mas além disso há entretenimento.”
David Carreira faz parte do elenco da novela da TVI “Bem Me Quer”, e diz que tem em mãos “outros projetos de ficção”, mas frisa que tem muitas saudades da sua profissão. “Eu sou cantor. Gosto de fazer projetos como ator de vez em quando, mas a profissão base é ser cantor. Então tenho muitas saudades, com muita pena minha não temos neste momento possibilidade de poder voltar a arrancar para os concertos. Então é arranjar uma maneira de saciar essa vontade e também do público, de ter coisas novas, de poder assistir a concertos. Esta é a única forma que encontrámos e espero que o nosso estado arranje maneira de pôr a trabalhar todos os artistas que estão parados em casa. Todos os técnicos, os músicos. Isto é uma pequena maneira minha. Mas se todos nós nos uníssemos para fazer mais destas coisas acho que seria bom. Nem que seja em televisão, não tem que ser tudo em digital. Há muitas plataformas que se estão a criar. E acho que é a maneira de dar um forcing a quem tem a possibilidade de ajudar os músicos nesta altura. ‘Bora fazer coisas, reinventar-nos.”
Sobre o futuro, o cantor diz que este tipo de iniciativas pode continuar, mas de outra forma. “Se calhar quando puder cantar em frente a um público… Quando estiver a fazer projetos desta forma será com menos música, possivelmente. E este é um projeto que é para Portugal e não só, é digital, por isso é para o mundo inteiro. Quando vou tocar ao Porto, Braga, Algarve, Lisboa, o pessoal que vive no Luxemburgo, no Brasil, nos Estados Unidos, na Suíça, não tem hipótese de ir ao concerto. Portanto, porque não começar a reinventar-nos também dessa forma e alargar mais a essas pessoas que não têm oportunidade de ir ao teu show mas que gostam da tua música?”
E conclui: “Podíamos decidir não fazer nada e quando isto voltar a abrir começávamos a fazer. Se calhar, economicamente teria mais lógica. Mas não. Gostamos daquilo que fazemos e temos essa responsabilidade de continuar a criar”.