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Do lixo ao luxo: como nasceu o 8Marvila, o novo centro cultural de Lisboa

O novo cool spot da cidade abre as portas esta quinta-feira. O curador e programador conta à NiT como tudo aconteceu.
Já pode passar por lá.

Em 1998, os Armazéns Abel Pereira da Fonseca, em Marvila, eram palco de um evento da ModaLisboa. José Filipe Rebelo Pinto recorda-se bem desse último momento em que o espaço ainda teve alguma vida.

Desde então, os enormes armazéns com 22 mil metros quadrados foram “deixados totalmente ao abandono”. “Quando entrei aqui em outubro do ano passado, parte do telhado estava no chão. Levaram o cobre, o ferro, tudo o que podia ter algum valor. Ficou o lixo. Era um sítio maltratado”, recorda. “Quando trazia cá alguém, a primeira coisa que faziam era tapar a cara com a camisola, tal não era o cheiro da humidade. Nalgumas salas nem se conseguia andar.”

Hoje, a área ampla do armazém na zona este de Lisboa dá lugar ao 8Marvila, que abre esta quinta-feira, 21 de setembro, as portas pela primeira vez, numa espécie de regime de soft opening. Nos planos, há ainda muitos projetos que ali se instalarão nos próximos meses. Um trajeto em crescendo até se chegar “à identidade que imaginámos”, confessa o programador e curador deste novo polo de Marvila.

Rebelo Pinto não foi encontrado por acaso. Quando foi convidado pelo promotor que adquiriu os armazéns em maio de 2022 a tomar as rédeas do projeto, trazia consigo um longo currículo de renovação de zonas e bairros a precisarem de um make over. Lançou projetos no Cais do Sodré ainda em 2004, antes do boom definitivo do bairro, bem como no LX Factory em 2007. Geriu o projeto que em tempos ocupou a praça do Martim Moniz, uma aposta “mais multicultural” e é também o orgulhoso criador do OutJazz.

Agora, pretende aplicar o mesmo remédio ao 8Marvila, num projeto com algumas particularidades. Desde logo, o prazo. O promotor pretende reconverter os armazéns num projeto imobiliário, mas também com comércio e serviços — e este projeto, explica Rebelo Pinto, está a ser traçado com essa meta em vista. Todos os negócios que ali se instalam têm contratos “de três a cinco anos dependendo da zona”. Uma duração que considera ser “suficiente” para “garantir um investimento mais seguro” de cada um dos empresários.

“O que está a ser feito, em termos culturais, faz sentido que permaneça. É essa a ideia do promotor”, garante, mantendo que muito do que está a ser feito agora será para manter. “Não é para fazer uma coisa e depois cortar com o que está a ser feito. A linha de orientação estratégica está a ser definida já à partida e o futuro manterá certamente parte do ADN do que está a ser construído neste momento. Temos restaurantes, campos de padel… Faz sentido manter tudo isso.”

Um dos amplos espaços dos armazéns

Perante um edifício num estado decrépito —apesar de na frente de rua existirem vários projetos em funcionamento, como o El Bulo do Chakall ou um ginásio de crossfit, que hoje dão espaço a novos negócios —, Rebelo Pinto imaginou um conceito onde pudesse colocar parte da sua própria filosofia de vida. “Adoro o ambiente urbano, cosmopolita, mas também sou um amante da natureza. Queríamos fazer aqui um equilíbrio entre os dois”, confessa.

Daí chegou-se também à ideia da sustentabilidade, do reaproveitamento de tudo o que já se encontrava no local. O lixo de um homem é um tesouro de outro, costuma dizer-se. Foi essa máxima que seguiu.

“Havia matéria-prima interessante. Ficaram perfis de ferro, madeira, portas. Pegámos em tudo isso e reaproveitamos. Mais de 50 por cento do material usado em obra já cá estava. Isso obrigou a um maior investimento em mão de obra, mas evitámos estar a comprar materiais, sobretudo materiais para ficarem aqui mais três ou cinco anos. Para nos fazia mais sentido assim”, explica. Entre paredes que foram abaixo e outras que se reergueram, muito foi reaproveitado, até ao entulho que ajudou a gastar “menos cimento e menos brita” na construção do palco que acolherá espetáculos e concertos.

Um dos melhores exemplos desta união entre cimento e natureza é o Mato, restaurante de Rebelo Pinto que agarra precisamente nesse conceito que lhe é querido. Fica instalado na praça central, junto ao jardim interior, que era também local da zona “mais degradada do armazém”, uma antiga zona de tratamento de lixo.

“Sabemos que quando algo é deixado ao abandono, a natureza invade, toma conta. É um bocado essa ideia”, explica sobre o ambiente e também a carta deste restaurante cem por cento vegetariano, que aposta nos produtos biológicos.

De resto, essa praça central servirá de “zona de chill out e lounge”, com um jardim feito em parceria com a Planta Livre, que ali terá também uma loja de 360 metros quadrados. A ideia do reaproveitamento é levada a fundo com muitas das lojas a focarem-se em artigos de segunda mão, de um espaço de reparação de bicicletas antigas, a lojas de roupa e até de fotografia analógica.

Uma das fachadas recuperadas e já com o logótipo

O novo espaço da Galeria Zé dos Bois foi o primeiro a abrir, já no início de setembro. Esta quinta-feira arranca o funcionamento da praça central, com o Mato já a funcionar, bem como uma loja de vinho biológico. Na próxima semana chegam as foodtrucks e assim sucessivamente, até ao final do ano, altura em que espera que esteja já tudo a funcionar em pleno.

“Na praça David Leandro, em frente, vamos ter também a Taqueria Paloma, dos antigos chefs do Pistola y Corazón, uma galeria de arte, a SP Televisão. E vamos ter nove campos de padel que abrem em novembro.”

O 8Marvila assume-se assim como passo importante na revitalização de Marvila que Rebelo Pinto assume ser “uma promessa há muito tempo”. “Tem grandes projetos a acontecer, mas são muitas vezes pontas soltas. A Underdogs, a Musa, o Hub Criativo do Beato… Há aqui muita coisa na realidade, mas este novo espaço, devido à sua dimensão, tem capacidade de agregar, de criar um polo cultural”, nota, pouco preocupado com o que poderá ser do espaço dentro de alguns anos.

“Às vezes perguntam-me: mas isso vale a pena por três anos? Eu digo que é sempre válido. Estamos a transformar um espaço em algo melhor. Pegamos num espaço abandonado e demos-lhe uma nova vida”, explica. “É uma responsabilidade muito grande.”

Carregue na galeria para ver algumas imagens das obras no espaço.

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