Música

Embaixada dos Açores: o radialista de palavras melódicas que é um sucesso na Antena 3

Para Tiago Ribeiro, o sentido da vida é "não resistir a nenhuma oportunidade para declarar amor profundo ao lugar de onde vieram".
As palavras de Tiago são melódicas. Fotografia: Catarina Peixoto.

Se há entrevistas que devem ser lidas e relidas, gostava muito que esta fosse uma delas. Há quem nasça com um dom, e — entre os seus vários — o convidado de hoje responde como um poeta. É, no caso dele, tão natural quanto respirar.

Dá a impressão de pensar sempre a partir de uma dimensão paralela com vista para esta onde habitamos, com instinto apurado, sem hesitações, em conjuntos de palavras melódicas onde não há vírgula imprestável ou sílaba a menos, ou a mais, rico nas imagens e espontâneo de alma.

O Tiago Ribeiro — que nos Açores recomenda conhecer o Cantinho do Cais, trocar umas palavras e pedir duas cervejas n’A Lagoinha, mergulhar no Pesqueiro e deixar tudo melhor do que quando se encontrou — acrescenta a este dom o da coerência. É igualmente como poeta, lúdico ou sério, sempre erudito e franco, que o podem escutar — todos os dias no “Logo se Vê”, depois das 16 horas na Antena 3, ou aos sábados no programa Avenidas Novas, mesma sintonia. Aprendo com ele sempre que o ouço ou leio.

Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar… ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
Pelo prato, pela comida, pela barriga. Qualquer arte sucumbe às melhores iguarias, qualquer artista cede em regime da melhor gastronomia. Peixe, por exclusão de outras tantas possibilidades, talvez a mais lógica para um açoriano de olhos na água.

O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e porquê?
Quando o que faço, direta ou indiretamente, toca uma vida, uma pessoa. A pandemia recolocou a rádio numa posição de desconforto máxima aos que a faziam, esvaziou as agendas e compromissos e pôs o coração na boca. Talvez, por oposição aos piores dias da nossa geração, nesse mesmo temporal Covid, tenham aí acontecido os mais importantes dias da coisa que mais amo fazer, rádio.

O que é que Portugal Continental bem poderia aprender com os Açores? 
Que são nove ilhas a operar como uma casa de nove pessoas. Agitada, com discussões à mesa, mas com um elo no seu âmago, na sua essência, nessa coisa intraduzível de se ser desse lugar, dessa família. Nos abalos, nas tempestades, na poesia: a unidade sempre lá está para nos dizer quem somos, de onde somos.

De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo? 
Nem haveria outra forma de me descrever; é molecular, é da essência de cada individualidade dessas latitudes do mundo. Pode cada qual deixar isso mais à vista ou esconder mais sub-repticiamente esse facto. Ser Açoriano é andar vida-fora nessa jangada por nós compreendida e amada; de Natália aos Capelinhos, de Zeca a Antero, tombando entre a crença e a descrença, do Santo Cristo às Sanjoaninas.

O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Votar-lhe o esquecimento. Prática portuguesa sobre diversas suas regiões, untada a ignorância e quase sempre servida em bandeja de indisponibilidade e indiferença.

Que crime cometerias se não houvesse castigo?
Despenalizava o empréstimo ao abrigo do entregar melhor do que quando se encontrou. Em tanta acumulação de tão poucos, encontrar-se-ia forma de ceder experiências a tantos outros: valeria um colchão caríssimo, um carro luxuoso, uma viagem dispendiosa. Criminalizando a utopia, criminoso me confessarei por factos óbvios.

Como é que a tua família reage à tua profissão?
Que remédio…

Aquele sonho por realizar é?
Puxaríamos um gatilho entre a infinidade e o tédio que é ler sobre os sonhos de alguém. Os sonhos vaticinam-se para dentro da cabeça, fabricam-se nas ideias, dão-se-lhes nomes e funções precisas. O resto é o tempo que temos neste lugar para nos cumprirmos. Diz a prudência que o melhor mesmo é viver.

Finalmente, para acabar de forma fácil, qual é o sentido da vida?
Fugir a questionários, não abrigar na tua vida a ideia da família, perguntar aos outros sobre que coisas realizaram, ter melhores amigos entre o direito, medicina e proprietários de piscinas e não resistir a nenhuma oportunidade para declarar amor profundo ao lugar de onde vieram.

And Now for Something Completely Different

Agora que terminou a sua temporada relâmpago na RTP2, chegamos neste território da Embaixada ao penúltimo episódio de “Caixa Negra — Arca de Memórias Açorianas”, uma ideia partilhada com o brilhante fotógrafo Luís Godinho (um dos meus melhores amigos), com a qual pretendemos honrar — e aprender com — a terceira idade açoriana, a meio do Atlântico Norte, na ultraperiferia europeia, com um ADN de quase 6 séculos de sujeição aos elementos, à distância, ao isolamento e à intempérie

Gabriela Silva, da ilha das Flores, diz que é a última vez que fala para microfones e câmaras. Ela recebe-nos ao entardecer na sua humilde Fazenda, aperaltada e carismática como sempre foi. Florentina de gema, verdadeira embaixatriz da ilha, mulher do mundo, 70 anos de juventude, uma memória fotográfica ao serviço do próximo, ser humano farol. Gabriela Silva será para sempre.

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