Em dezembro de 2006, num Cais do Sodré ainda esquecido e marginalizado, dois amigos deram início a uma revolução no centro da cidade. A principal arma de Gonçalo Riscado e Alex Cortez foi, desde o início, um clube de programação de música alternativa e independente que, hoje em dia, é conhecido dentro e fora da capital. Uma história que chega agora ao fim.
Após quase duas décadas, muitos artistas e centenas de milhares de visitantes, a notícia, avançada em primeira mão pela NiT, foi oficializada esta quarta-feira, 20 de agosto. O espaço localizado na famosa Rua Cor de Rosa encerra portas a 15 de setembro, confirma Gonçalo Riscado, da CTL, que detém o espaço.
“O Musicbox não foi apenas o clube do Cais do Sodré: foi o pulmão da nossa atividade enquanto empresa de gestão cultural”, confirmou o próprio numa mensagem pública na qual agradece aos cerca de 100 mil espectadores anuais — quase dois milhões, no total — e às centenas de pessoas que fizeram parte da equipa.
Inspirado pelo ambiente dos antigos Rock Rendez-Vous e Johnny Guitar, o Musicbox tornou-se um dos principais pontos de encontro da cidade e recebeu todo o tipo de nomes, dos mais emergentes aos mais emblemáticos, como José Mário Branco. Pelo meio, resistiu a uma pandemia. Mas esta história não termina aqui, ou pelo menos o trabalho da CTL neste Âmbito.
A Cultural Trend Lisbon fará agora renascer a Casa Capitão, um dos principais pontos de encontro durante a pandemia. Manteve-se dormente nos últimos quatro anos, mas regressa com uma programação que inclui concertos a horas improváveis, como espetáculos a partir das 11 horas da manhã.
E ainda que falem nesta transformação como “uma exceção e um privilégio”, apontam o dedo ao “modelo ilusório de crescimento” em Lisboa, “assente no turismo, na especulação imobiliária e na atração de residentes temporários com rendimentos elevados, um caminho que está a destruir o maior ativo da cidade: quem nela vive e nela se expressa culturalmente.”
Em entrevista à NiT, o fundador aborda, pela primeira vez, a decisão de fechar as portas deste espaço cultural, bem como a transição para a nova casa no Beato.
Agora, é oficial: o Musicbox fecha a 15 de setembro. Como se encara o final de um projeto com tantos anos?
Vemos isto como algo positivo. Estamos a trabalhar no projeto da Casa Capitão há muitos anos e a ideia era conciliar os dois projetos, mas não foi possível. No momento em que anunciamos o fim, há alguma tristeza porque são duas décadas de intervenção, mas também sentimos a alegria de ver que é o responsável por este grande projeto. Não acaba, apenas potencia algo que consideramos ser uma evolução. A notícia em si não é feliz, mas estamos focados em celebrar aquilo que o Musicbox nos permitiu fazer.
Mencionam o peso do turismo e da especulação imobiliária. Que fatores impossibilitaram manter o clube aberto?
O clube não encerra por especulação ou pressão, mas por decisão nossa. Tivemos a sorte, nestes 19 anos, de ter conseguido avançar com este projeto ao comprar o espaço numa altura de decadência, o que permitiu que nunca fosse pressionado com rendas. O que queremos é assinalar que é um problema na cidade e que o Musicbox poder transformar-se numa coisa ainda mais ambiciosa é uma exceção e um privilégio.
“Tudo indica que [o antigo Musicbox] continuará a ser um espaço de dança”
E o que acontecerá a esse espaço?
Será vendido e seguirá o caminho escolhido por quem o comprar. Não se chamará Musicbox e tudo indica que seguirá a lógica de um espaço de dança, mas ainda não sabemos.
Começaram num Cais do Sodré muito diferente do que conhecemos hoje. Que memórias guarda dessa altura?
Em 2006, o turismo não tinha nada a ver com o que é hoje. O boom só acontece a partir de 2012, portanto estávamos num bairro muito abandonado, ligado ao comércio e onde muitos negócios estavam a fechar. Era marcado por essa decadência e as pessoas tinham medo de se dirigir para lá. As principais memórias são de assistir a essa transformação, a clássica história de quando se começa a trazer massa crítica para um ponto e o vemos a renascer. Foi um passo que contribuiu decisivamente para que se começasse a olhar e a viver de outra forma.
Qual foi o momento mais difícil de gerir nestes 19 anos?
Foi tudo muito rápido. Um dia, alguém escreverá esta história porque estamos a falar de uma zona que tinha muitas casas disponíveis e baratas, o que fez com que muita fosse fosse viver para lá. Depois veio o turismo e a especulação e isso influenciou o nosso olhar para esta parte da cidade. Tentámos fazer com que a cidade fosse de quem nela habita. Houve um afastamento do nosso público habitual, o local, e o público que passou a estar lá em permanência. Essa transformação foi a mais triste porque acabámos por nos sentir sozinhos. Parecia que o trabalho que estávamos a fazer não chegava às pessoas. Enquanto na componente dos concertos mantínhamos uma relação próxima, naquilo que é mais importante para este tipo de espaços, o clubbing, houve um afastamento. Assistimos a um projeto bonito no início e triste nos últimos anos.
“O projeto tornou-se triste nos últimos anos”
Quando é que começam a notar esta mudança?
Há um momento de grande desequilíbrio pré-pandemia, em que já não estávamos no bairro onde queríamos estar e que ajudámos a recriar. Não guardo más memórias de todo o processo, antes pelo contrário. Aconteceu com todas as dificuldades de ter um espaço com grande atividade noturna e todos os problemas que surgem, de gestão complexa.
Nesta transição para a Casa Capitão, o que muda e o que se mantém?
Passamos para um espaço maior com mais salas, com terraço e onde podemos trabalhar tanto de dia como de noite. A partir daí, tudo muda. Quem se lembra da primeira intervenção pop up, quando fomos surpreendidos pela pandemia, recorda-se que tirámos os equipamentos de dentro do Musicbox, que tinha de estar fechado, e metemos no terraço. Assim continuámos a fazer programação cultural ao vivo e ao ar livre.
E no interior?
A Casa passará a ter pisos, incluindo um sótão com atividades para um maior número de pessoas. Terá no rés-do-chão uma sala que é um upgrade do Musicbox, que passará a ter concertos para 400 pessoas, e ainda um primeiro andar que será uma zona de restaurante, bar e quiosque com programação de livros, que estarão disponíveis para serem debatidos. A música é o eixo principal da nossa programação, mas queremos trazer uma proposta cultural em diferentes áreas. Vamos ter as galerias onde serão feitas residências artísticas e exposições de arte. São multiespaços e programação pluridisciplinar que, na morada anterior, nos limitava bastante devido às suas características.
Como é que estão a preparar a abertura? Que novidades podem partilhar?
Teremos a festa de abertura, nos dias 19, 20 e 21 de setembro. É uma festa de entrada livre para mostrarmos a Casa Capitão à cidade e há dezenas de atividades já programadas de música [com concertos de Afonso Cabral, Capicua, Conferência Inferno, Luca Argel, Hause Plants e Vaiapraia], workshops e conversas. Será muito intenso.
O que quer dizer às pessoas que vão entrar no clube uma última vez no Musicbox e pela primeira vez na Casa Capitão?
Não conseguimos fazer estes espaços sem público e foi muito aquele que passou por lá nestes 19 anos. Queremos agradecer e dizer que são bem-vindos enquanto o Musicbox estiver de porta aberta e que serão bem-vindos também ao nosso novo projeto. Estamos muito entusiasmados, comprometidos e a arriscar para que possa acontecer. Queremos que este tipo de espaços possa continuar a vingar.
Leia este artigo da NiT para saber mais sobre o novo spot da capital.

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