O maior Jovem Talento Nacional NIT (2019) acaba de lançar o aguardado primeiro álbum, de sua graça “Fourteen Forty-Five” — 1445 — referência ao número de quilómetros que separam Lisboa da sua Ponta Delgada natal. A viver entre as duas margens dessa distância, a cantautora que apresentou os seus primeiros originais por desafio explícito do Festival Tremor, chega agora à esperada maioridade com uma obra — com produção de Cristóvam que confirma um talento de excelência, da melodia à letra, com uma alma maior do que o Atlântico.
Orgulho-me de admirar a Sara desde 2019, quando filmámos com ela para a série “Mal-Amanhados — Os Novos Corsários das Ilhas”, e deixou-nos momentos como este cocktail de perfeição: a lagoa das Furnas, a imagem de Diogo Rola, Sara, sua guitarra, olhos cerrados e cordas vocais.
Podem encontrá-la hoje mesmo, na FNAC Chiado, pelas 17 horas. A entrevista que se segue é tal qual a Sara, preciosa.
Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida, mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar. Ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
“Steven! Ainda bem que o encontro, tenho uma coisa muito importante para lhe mostrar!” — e convencia, de alguma forma, o senhor a encontrar-se no dia seguinte comigo. Preparava uma mesa muito bonita com bolos lêvedos, muitos queijos açorianos, pimenta-da-terra, Kima, lapas, cracas, massa sovada, malassadas, queijadas das nossas ilhas e uma aguardente caseira. Pelo meio da refeição, contava muitas mentiras sobre a minha vida. O resultado seria uma biopic metade mentira, metade verdade. Mas era uma biopic do Spielberg. E as mentiras eram boas.
O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e porquê?
Impossível escolher só um. Mas como não posso fazer uma lista infinita, este ano, escolhia dois: o dia 18 de outubro, dia em que lancei o meu primeiro álbum; e a noite em que toquei na icónica Maré de Agosto, em Santa Maria. Estava tão feliz que não conseguia mesmo parar de sorrir durante o concerto. Entre outros, também escolheria o dia em que me pus a caminho de Barcelona, para ir gravar o “House of Talents” da Yamaha Music Europe, em maio de 2021. Estávamos ainda em pandemia, e tudo aquilo parecia demasiado bom para ser verdade. Antes de sair pela porta de casa, para o aeroporto, virei-me para a minha mãe e disse “chasing the dream!”. E nunca me vou esquecer da expressão que ela tinha na cara. Um misto de entusiasmo, orgulho e comoção.
O que é que Portugal Continental bem poderia aprender com os Açores?
Que dizer “sotaque açoriano” é uma generalização injusta. Os Açores são riquíssimos em pronúncias. Apesar de normalmente ser a pronúncia micaelense que é associada ao “açoriano”, só se fala micaelense em São Miguel, que é uma ilha entre nove. O meu pai é de São Miguel e a minha mãe é do Faial e toda a vida ouvi histórias de família e amigos faialenses que foram questionados por continentais muito admirados “mas como é que não tens sotaque?” Todas as ilhas têm a sua pronúncia, e dentro das próprias ilhas também há muita variedade. E isso é tão lindo.
De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo?
Ser açoriana é uma parte tão enorme de quem eu sou que, inevitavelmente, acaba por ser uma parte enorme da minha arte. Às vezes de forma mais direta, outras de forma mais tímida, mas ter nascido e crescido em São Miguel faz parte de mim de uma forma muito profunda. Sinto, e há quem também sinta, que nos Açores o tempo passa mais devagar, e acho que isso também contribuiu para que eu fosse uma criança e uma adolescente criativa e com tempo e espaço para explorar essa criatividade. Acho que há muita coisa de “ser ilhéu” que nós açorianos nunca vamos conseguir explicar ou transmitir a quem não o é. Ainda no outro dia estava a falar com uma amiga sobre uma coisa que é sempre tão comovente e acho que a maior parte dos açorianos consegue identificar-se muito com isso: ver a ilha, da janela do avião. Seja a ir embora, ou a regressar, é sempre uma sensação especial. A ir embora, é nostálgico. “A minha casa é mesmo linda. Tenho mesmo tanta sorte. Onde eu fui nascer.” A regressar, é “terra à vista”. Depois de tanto mar, quando a ilha aparece, é voltar a um universo, é chegar a Casa.
O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Já muita gente acreditou quando contei a clássica história de ser possível atravessar a pé, com a maré baixa, de uma ilha para a outra. Uma vez perguntaram-me “Oh! Mas e as baleias?!”
Que crime cometerias se não houvesse castigo?
Escolhia seis ou sete músicos e técnicos para irem comigo, e entrava clandestinamente no icónico Abbey Road Studios. Expulsava toda a gente e fechava-o, para ficar só para nós durante uma semana. Compor, gravar, sentir o peso da história daquele lugar. Uma semana inteira com o Abbey Road por nossa conta. Que sonho.
Como é que a tua família reage à tua profissão?
Os meus maiores apoiantes desde o primeiro segundo. Tenho muita sorte.
Aquele sonho por realizar é?
Desde miúda que tenho o sonho de ser entrevistada num talk show, daqueles “d’América”.
Finalmente, para acabar de forma fácil, qual é o sentido da vida?
O improviso.
“ILHÉUS”
Restaurante?
Solar da Graça. Negócio de família que começou com o meu avô, e está já há mais de 15 anos nas mãos dos meus queridos pais. Eu sou suspeita, mas já ouvi muita gente dizer que é onde se come a melhor comida regional em São Miguel.
Vista?
Lagoa do Fogo. Deixa-me sempre atordoada. Tem uma energia inexplicável para mim.
Banhos/zona balnear?
Em São Miguel, Poços de São Vicente – tomo lá banhos desde que nasci. No Faial, a Praia do Almoxarife, pelo mesmo motivo.
Ritual/tradição?
“O menino mija”. Tradição açoriana: entre o dia de Natal e o Dia de Reis, anda-se de casa em casa de familiares e amigos, às vezes até sem convite, e antes de se entrar pergunta-se “O menino mija?”. Significa algo como “O que se come e bebe por aqui?”. As pessoas, na verdade, já estão a contar com esses convívios, e têm petiscos e licores sempre prontos.
Artista referência ou que admires (nas ilhas, vivo ou morto)?
Referência será sempre o meu querido e falecido avô Victor Cruz.
Obrigatório de visitar?
Dar uma voltinha à noite pelos bares do centro histórico e comer um gelado de 50 cêntimos do “Tomé”. Comer um “Absurdo” fora de horas no Cais 20.
“CAIXA NEGRA – Arca de Memórias Açorianas”
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Tem dicas sobre spots açorianos que merecem atenção? Vistas deslumbrantes e menos conhecidas? Pessoas que vale a pena conhecer? Gostava de sugerir uma história à Embaixada dos Açores ou contar um episódio hilariante sobre malta de fora que tentou apanhar o metro, achou que tinha de nadar até à próxima caixa multibanco ou estava convencida de existir um rio em São Miguel? Envia um e-mail para embaixadadosacores@nullnit.pt